quinta-feira, 29 de dezembro de 2005

De quem é a culpa? - Jayme Copstein

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva que há poucos dias negara o mensalão, afirmando que a CPI nada havia provado, agora em entrevista a Pedro Bial, admite que existiu sim, mas queixa-se de que foi uma facada nas costas.
Lula não quis dizer quem o apunhalou, mas por palavras tortas, sugere que destina a José Dirceu o papel de Judas em sábado de Aleluia. Quando Bial lembrou-lhe uma declaração taxativa, de que levaria Dirceu ao palanque, em 2006, Lula se irritou. Disse que não disse, que apenas foi perguntado. Mas respondeu que sim, todos se lembram. Só que, em relação a Dirceu, acrescentou uma frase gélida: “A CPI vai mostrar se ele errou.”
Lula só foi coerente nas suas acusações à imprensa. Repete que ela só noticia as coisas ruins, não fala do que é bom. Ora, o que é bom e o que é ruim, fora de comida e de bebida, é questão de ponto de vista Denúncia de corrupção pode ser ruim para o denunciado, mas é boa para o país que assim tem ocasião de combatê-la e acabar com ela.
Quem prestou atenção no noticiário, soube de muitas coisas positivas. A dívida com o FMI está quitada, a dívida externa está em seu valor mais baixo desde 1995, a Petrobrás deve manter sem aumentos o preço dos combustíveis, os preços públicos – telefone, eletricidade, água etc. – só devem subir uma merrequinha no ano que vem, por isso a inflação de 2006 será reduzidíssima, talvez a menor desde os tempos de Juscelino Kubistchek.
Tudo isso está no noticiário dos últimos dias. O problema é que talvez o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não goste de ler jornais, ouvir rádio, assistir tevê. Se o faz, parece ficar contrariado e só prestar atenção às notícias que lhe são desagradáveis. A culpa é só dele.

Realidade patética - Jayme Copstein

É patética a realidade desenhada pelo delegado Eduardo de Oliveira César, titular da Delegacia de Furtos e Roubos de Veículos de Porto Alegre, Rio Grande do Sul: 90% dos delinqüentes presos em 2005 foram soltos, não mais com sentimento mas com plena certeza da impunidade.
A reportagem está na Zero Hora de hoje. O delegado queixa-se da dificuldade de provar a culpa de ladrões e receptadores, mas os exemplos que fornece para fundamentar sua argumentação dizem respeito às deficiências da estrutura de prevenção e repressão ao crime no Brasil.
Esta estrutura é herança do regime militar. O papel da velha Polícia, que todos conhecíamos, admirávamos e amávamos, de se responsabilizar pela segurança do cidadão, foi deturpado para que pudesse servir à segurança do Estado.
Ao lhe dar funções judiciárias, a ditadura dissimulou as arbitrariedades da repressão política que, em certos momentos, baixou até o nível da delinqüência comum. Foi quando, tal qual uma Gestapo ou uma KGB dos trópicos, a velha Polícia desaprendeu a arte de investigar e se especializou em métodos de arrancar confissões e acomodar provas.
Não se precisa dizer que, em uma democracia, uma Polícia assim anacrônica não tem muito o que fazer. Mas como na cabeça dos governantes, cidadão só serve mesmo é para votar – criar os juizados de instrução, equipar a Polícia e treinar os policiais não são obras que se possa exibir nas campanhas eleitorais. Nem superfaturar para recompensar os amigos do peito.

quarta-feira, 28 de dezembro de 2005

A marca do Sorro - Jayme Copstein

Mal atarrachada no rosto, a máscara com que Aldo Rebelo se disfarçara de cordeiro, ao assumir a presidência da Câmara Federal, esborrachou-se com sua negativa recente de que o mensalão tenha existido.
É verdade que Rebelo tem dificuldades com a semântica. Sua iniciativa mais notável, como parlamentar, foi o ridículo projeto para ejetar do dicionário as palavras de origem estrangeira, que não entendia.
Apesar da montanha de indícios e provas, demonstrados com fartura pelo relator da CPI, Osmar Serraglio, como não é possível apurar o dia, a hora, o minuto e o segundo exatos em que o dinheiro da batota era pago, Rebelo simula não perceber que “mensalão” é gatunagem pura e não “salários não contabilizados”.
Faça-se justiça ainda que tardia. O deputado gaúcho, Alceu Collares, acusado de oportunista e demagogo, teve razão quando argüiu a falta de autoridade moral de Rebello para presidir a sessão que cassou José Dirceu.
Rebello fez um discurso indignado, sob os aplausos delirantes até da oposição. Mas sua atuação posterior, quando a Câmara enodoou a história política do país, absolvendo Romeu Queiroz, com direito a boca de urna e a cédulas previamente marcadas com “não”, mostra que por trás da máscara de cordeiro, havia não um lobo das estepes, mas um brasileiríssimo sorro manso.

terça-feira, 27 de dezembro de 2005

A verdade dos números - Jayme Copstein

A Folha de São Paulo publicou domingo avaliação do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, o Cebrap, que deita água fria no entusiasmo do governo por suposta diminuição da desigualdade de renda no país.
Os números estão dizendo algo bem diferente. Há empobrecimento da classe média, o que fez cair a diferença, sem que o grupo mais pobre tivesse avançado um níquel que fosse. Pelo contrário, o rendimento médio dos mais pobres caiu em torno de 40% nos últimos 10 anos, com os programas sociais ocupando papel importante como fonte principal de renda das famílias.
Pode-se argumentar que a situação seria pior se esses programas sociais não existissem. O raciocínio, porém, não encara que a falta de instrução faz tais camadas da população considerar o “bolsa família” uma espécie de “emprego público”. É mais “garantido” do que o trabalho na iniciativa privada, onde se gera, de verdade, a riqueza a ser distribuída.
A visão deformada resulta da crassa ignorância em que são mantidas as massas, para torná-las dóceis ao manejo eleitoral. Entra governo, sai governo, sucedem-se as mirabolâncias de um ensino universitário que excede a capacidade de assimilação da maioria dos alunos supostamente alfabetizados. Libertar o povo das amarras faria os salvadores da pátria não terem mais o que salvar...

quinta-feira, 22 de dezembro de 2005

O fazedor de gestos - Jayme Copstein

Afora o texto de Bruno Garschagen – “Ai de ti, crônica brasileira!” – publicado na revista eletrônica NoMínimo, o décimo-quinto aniversário da morte de Rubem Braga passou em branco na imprensa brasileira.
De alguma maneira, sorte do “velho” Braga, se é que alguém, depois de morto, pode estar ou não sujeito ao azar. Ao menos, sua memória foi poupada da mediocridade modernosa que não consegue ir além de um “tantos anos sem fulano”, ao registrar efemérides que reverenciam mortos ilustres. Não se admirem se, em qualquer Páscoa, algum gênio pespegar “Dois mil anos sem Jesus”, ainda que involuntariamente possa ter um pouco de razão.
Mas chama a atenção na matéria de Bruno, a observação de Álvaro da Costa e Silva, editor do Caderno “Idéias”, do Jornal do Brasil, temendo que não haja espaço nos jornais de hoje, para crônicas como as de Rubem Braga. Bastaria, entretanto, relacionar-se Luiz Fernando Veríssimo, Moacyr Scliar, Sérgio da Costa Franco e Cláudia Laytano, ficando apenas com gaúchos, para atenuar tais receios,
Provavelmente, a preocupação de Costa e Silva tem a ver com a contrafação chamada “jornal-empresa” ou coisa que o valha, parida no cérebro (?) de engravatados executivos, incapazes de ver na Vênus de Milo algo além da oportunidade de vender braços mecânicos, “melhores que os de nascença”. É a explicação para os salários de nada, a ausência de talento e a acentuada fuga de leitores do jornalismo impresso.
Rubem Braga haveria de sorrir, se é que conseguisse prestar atenção a essas pequenezas. Tinha importâncias maiores com que se ocupar, como por exemplo, a primavera chegando na Rua do Catete.
Sei, porque conheci o “velho” Braga pessoalmente e muito conversei com ele, quando ia ao Rio. Escrevi uma crônica, para comemorar os seus setenta anos, publicada em fevereiro de 1983, no caderno “Letras e Livros” do velho Correio do Povo. Chamava-se “O fazedor de gestos”. Era assim:
Durante seis dias o velho Jeovah obrou o mundo com mania de grandeza. Fez céus, terras, mares, montanhas, fabricou o homem. E no sétimo dia viu as coisas que tinha feito, achou que eram boas, jogou fora o entulho e foi descansar, que ninguém é de ferro.
Pois nesse mesmo sétimo dia, o velho Braga nasceu no Cachoeiro do Itapemirim. Viu a Obra e achou que não era lá essas coisas porque, em toda a mania de grandeza, falta a pequenez do gestos que é o sal da vida. E então, com o barro sobrado do homem, desandou a fabricar sonhos, esperanças, brisas, crianças, sereias. Porque tudo são gestos. A flor é um gesto da primavera, assim como o arrepio da mulher amada é um gesto de amor e por aí afora.
O tempo desta história ninguém sabe. Nietzsche diz que Jeovah está morto, Jeovah diz que Nietzsche está morto e mostra a sepultura, enfim, é um pouco mais do que palavra contra palavra. Mas o velho Braga tem 70 anos. Isso é um gesto da vida que todos acham bom e festejam.
Como alguém pode ter apenas 70 anos e ser contemporâneo da criação do mundo, é mistério. Melhor dito, um gesto do velho Jeovah. De colega para colega. Que Ele também os tem.

O quorum dos canalhas - Jayme Copstein

As absolvições do deputado federal Romeu Queiroz, réu confesso de manejo de 450 mil reais de origem escusa, e do deputado estadual do Ceará, José Nobre, envolvido nos dólares do cuecão, conduzem à reflexão do equívoco a que a opinião pública foi induzida no impeachment de Fernando Collor de Mello.
Havia motivos de sobra para cassar Collor, mas também eles existiam, sim, para extinguir com desonra os mandatos de Queiroz e de Nobre. A única conclusão a que se chega é que o “caçador de marajás” não contou com número suficiente de canalhas para lhe assegurar a impunidade.
A absolvição de Queiroz e de Nobre ultrapassa qualquer dimensão imaginável de falta de pudor. Na Câmara Federal, fazendo pose de imparcialidade, a presidência da Casa fechou convenientemente os olhos para a escancarada “boca de urna” em favor de Queiroz. Na Assembléia Legislativa do Ceará, seis cúmplices anularam o voto, o sétimo votou em branco, para deixar escapar por um voto o irmão de José Genoíno.
Pairando sobre este espetáculo máximo de indecência, a cordura da população, capaz de provocar um terremoto se o juiz de futebol anula o goal do seu time, mas assiste a tudo como se ocorresse em algum nebulosa remota.
Que diabo de país é esse?

quarta-feira, 21 de dezembro de 2005

Onde está a honestidade? - Jayme Copstein

Onde está a honestidade? A pergunta, de um velho samba de Noel Rosa, é a manchete mais gritante dos jornais de hoje, apesar de não ter sido escrita.
Uma quadrilha de gatunos, todos formalmente diplomados, alguns talvez com pós-graduação e o que mais for parte da chamada educação superior, aboletou-se na Universidade de Cruz Alta e embolsou o dinheiro até das comemorações do centenário de Érico Veríssimo. O magnífico reitor está foragido. Ou deu no pé, como falam os doutos da malandragem.
Ao mesmo tempo em que isso acontece no Rio Grande do Sul, na Assembléia Legislativa do Ceará o irmão de José Genoíno, que além do nome de José Nobre – imaginem a contradição – é o patrão do homem das cuecas dolarizadas, escapou de ser cassado por apenas um voto, com sete espertalhões anulando ou votando em branco, sem que se saiba os relevantes motivos de tão corajosa decisão.
De outro lado, tudo absolutamente dentro da lei, o Tribunal de Contas da União sacramentou assalto de dois bilhões de reais ao Tesouro, mandando incorporar ao salário as gratificações, por exercício entre 1998 e 2001, de cargos de confiança nos três poderes
Onde está a honestidade?
Só falta aparecer alguém que a tenha encontrado, mas só devolve se lhe pagarem alguns milhões. Como já pontificou sua excelência, o presidente da República, achado não é roubado, companheiro.

terça-feira, 20 de dezembro de 2005

Lição de primeiras letras - Jayme Copstein

Enfim, a aritmética singela do dois-mais-dois-quatro, conhecida como a do bom-senso, volta às contas do Poder Judiciário gaúcho, na visão do novo presidente do Tribunal de Justiça do Estado, desembargador Marco Antô-nio Barbosa Leal. “Não adianta termos direito quando não há dinheiro para satisfazê-lo”, declarou à imprensa, ensinando o be-a-bá do equilíbrio que deve nortear a conduta de um homem público.
Magistrado de carreira, Marco Antônio Barbosa Leal é bacharel graduado por um celeiro de grandes juristas, a Faculdade de Direito de Pelotas, em cuja tradição o saber se casa ao destemor para desafiar mitos tingidos de verdade.
“No Brasil, hoje, com esse discurso idiota e cretino, mais vale ser parente de Fernandinho Beira-Mar do que familiar de magistrado”. Este é o retrato preciso, de corpo inteiro, que ele traça do Brasil de hoje, ao analisar a caça às bruxas em que se transformou a campanha de moralização do Judiciário na questão do nepotismo.
Tem razão o novo presidente do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Mais grave é o nepotismo político, que organiza gangues para assaltar o poder e cevar-se à farta com os dinheiros da educação, da saúde e da segurança.

segunda-feira, 19 de dezembro de 2005

História repetida - Jayme Copstein

Os homens cometem disparates, Deus é convocado para dar aval. Como se fosse uma espécie de FMI, com a imensa bolsa dos milagres à disposição das emergências.
Ariel Sharon, primeiro-ministro de Israel sofreu um derrame cerebral. Os terroristas do Hamas comemoraram, alegando castigo de Deus. Dispararam ar fuzis AK-47, inventados ao tempo da União Soviética e distribuídos aos povos amantes da paz para substituir, como todos sabem, os fogos de artifício na comemoração da desgraça dos adversários. Vocês conhecem algo mais poético e inofensivo?
Chama a atenção, entretanto, a semelhança com o episódio protagonizado pelos nazistas, ao final da Segunda Guerra Mundial. O país reduzido a escombros, adolescentes imberbes sacrificados para prolongar a vida de Hitler, seu leal servidor Goebbles lia relatos da Guerra dos Sete Anos. Detinha-se no figura de Frederico II, imperador da Prússia, que tinha até data marcada de suicídio, diante da inevitável derrota para os russos. Mas aí morreu a imperatriz da Rússia e a sorte das armas mudou, terminando com a vitória dos prussianos.
Os nazistas se perguntavam quem seriam a tzarina, cuja morte salvaria o pela segunda vez o Reich sagrado. Quando a chegou a notícia da morte do presidente norte-americano Franklin Delano Roosevelt, estouraram champanhas para comemorar a intervenção divina no curso da guerra. Não dispararam fuzis automáticos para o ar porque, àquela altura dos acontecimentos, havia mais bebida do que munição em seus paióis.
Como se vê, com ligeiras diferenças, as comemorações do derrame de Ariel Sharon são mera história repetida.

Semântica e racismo - Jayme Copstein

O Brasil tem um problema negro ou são os negros que têm problemas no Brasil? A indagação é mais importante do que parece à primeira vista. O problema dos negros brasileiros é parte de um crime que se comete não só contra quem tem pele escura. Inclui a população pobre, que não é pequena, mantida de propósito em ignorância e miséria, para permitir o festim dos mensalistas aboletados no poder.
Assim sendo, o projeto bem-intencionado do senador Paulo Paim, já aprovado no Senado e à espera de votação na Câmara Federal,soma equívocos. Denominado Estatuto da Igualdade Racial, cai em artimanha montada para aplacar as tensões sociais e fingir mudanças que não mudam nada. Consiste na generosidade falseada de privilégios que vão além dos direitos de todos os cidadãos, como, por exemplo, as quotas em universidades.
É uma ilusão achar que um negro diplomado vá deixar de ser negro e discriminado no Brasil. Que testemunhem aqueles excepcionalmente bem-dotados, que conseguiram por seus próprios méritos, furar as barreiras.
No mesmo diapasão, inserem-se outras fraudes, como a de chamar aleijado de deficiente, velho de idoso, criança abandonada de carente.
Quem sabe começamos a falar em educação genuína. Palavras bonitas e hipocrisia não tiram ninguém da ignorância e da miséria por ela gerada.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2005

No reino do mensalão - Jayme Copstein

Há qualquer coisa que não fecha na absolvição do deputado Romeu Queiroz, réu confesso da manipulação de 400 mil reais, de origem escusa, para fins eleitorais. Compare-se com o motivo alegado para se cassar o mandato do senador João Capiberibe: deu a fortuna de 52 reais a um casal, para comprar duas passagens de ônibus.
Pode-se contra-argumentar que os dois casos são diferentes. Uma diferença brutal, convenhamos, que tem como acréscimo o dedo de José Sarney, o condestável do Amapá, prestes a ser ejetado do trono por Capiberibe;
Há outras estranhezas, porém. Em determinado momento, a onda do mensalão arrefeceu. Foi quando Roberto Jeferson, o papa do neomoralismo, em súbito acesso de generosidade derramou indulgências plenárias a José Dirceu.
Os bastidores de tão comovente religiosidade escaparam à cobertura da imprensa. O que vem a furo são miudezas, diz-que-me-diz-que. Mas José Dirceu, por esperançoso, até estourou sua verba de gabinete para se movimentar na cabala de votos contra a cassação.
Em vão. Ícone como Jéferson, ou boi de piranha, os dois foram o preço para salvar o resto da tropilha. A começar por Romeu Queiroz, do PTB de Jeferson, absolvido ontem. Antes mesmo de começar a sessão que o julgou, contabilizava fartura de adeptos da sua inocência, inclusos aí 50 dos 81 deputados do PT de Dirceu, que como todos sabemos, é o partido da ética na política, como jamais houve na história deste país.
Ora, em um Congresso onde Sarney é gênio literário, não se fale em Shakespeare nem na Dinamarca. A podridão – e botem podridão nisso – é no reino do mensalão.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2005

Fora de lugar - Jayme Copstein

Afora as difíceis relações com jornalistas, cujo exercício da liberdade de expressão parece ofender vaidades e autoritarismos fora de época e de lugar, portanto sem nenhum sentido, o Judiciário começa a semear também ruídos nas suas conexões com a sociedade brasileira, particularmente com a do Rio Grande do Sul.
Trata-se das reivindicações salariais, cujos percentuais, todos os anos, são verdadeiros despropósitos em relação aos demais servidores públicos. É como se, de repente, o mito de Maria Antonieta – quem não tem pão, coma bolachas – se transformasse em virose que afetasse a visão periférica de seus portadores, impedindo-os de enxergar qualquer coisa além do seu próprio horizonte.
Há de se assinalar que, desta vez, ao contrário de anos anteriores, a postulação tem a marca da civilidade que sempre foi tradição do Poder Judiciário. Mas se o tom voltou ao que devia ser, a realidade continua fora de lugar. O Estado não tem como conceder o aumento no percentual que o Judiciário deseja. Nem é justo que o faça em detrimento dos funcionários dos demais poderes.
Os magistrados poderão alegar que a culpa não lhes cabe, mas também não pode ser imputada aos demais servidores, com seus salários de nada, menos ainda a qualquer um de nós, que enfrentamos escorchante carga tributária.
Nem é caso de sentar-se alguém no banco dos réus, não só porque foi soma de muitos equívocos que criou a presente situação de aprêmio nas finanças públicas. É também pela inutilidade de fazê-lo. Não adianta chorar sobre o leite derramado.
É preciso organizar o caos e transformá-lo em vida possível. Para isso, o sacrifício que se exige é de todos.

Os trapaceiros - Jayme Copstein

Os amadores aboletados no Itamaraty, desde que o sr. Luiz Inácio Lula da Silva assumiu a presidência da República, andariam melhor se acreditassem em Papai Noel, Coelhinho da Páscoa e Saci Pererê. Em vez da veemência, direito e arma dos justos e dos espoliados, preferem o discurso de mirabolantes alianças ideológicas, que descambam em fiasco.
Quando se fala em países pobres, fala-se nos países africanos. Foram todos neocolonizados pelos europeus sem grandes questionamentos, graças a esperto e safado sistema de lavagem cerebral, que tem o antiamericanismo como pedra de toque.
A ministra de Relações Exteriores da França acaba incorporar o Brasil entre os demônios, dizendo que – imaginem vocês – queremos deixar a Europa sem roupa
É assim que a hipocrisia européia formula o que chama de “preferência tarifária” – a isenção de impostos, sem limitação de cotas, concedida à produção agrícola das nações africanas. Em tudo, ao contrário do Brasil.
A produção agrícola desses países – café, cacau, algodão, açúcar – está nas mãos das grandes empresas européias, que a negociam como se cultivada no Velho Mundo. Quando se reclama contra a maroteira, vem a resposta compungida: se o mesmo tratamento for concedido ao Brasil, a preferência pelos pobres desaparece também.
Há crocodilos, cujas lágrimas são bem mais convincentes.

terça-feira, 13 de dezembro de 2005

Espírito nada santo - Jayme Copstein

O adjetivo mais brando que se pode aplicar ao ocorrido no Espírito Santo é: estarrecedor.
A Polícia Civil requereu e obteve da Justiça capixaba autorização para escuta telefônica de jornalistas e funcionários do jornal “A Gazeta”, da TV Gazeta e da Rádio CBN, veículos que integram a Rede Gazeta da cidade de Vitória.
O juiz de primeira instância, autor da decisão, e o desembargador que a confirmou na segunda instância, justificaram-se, alegando que foram enganados: policiais introduziram os números da Rede Gazeta, dentro de uma relação de telefones que tinham a ver com outra investigação.
Não há porque se duvidar da palavra dos dois magistrados, mas não é possível absolvê-los do pecado de desleixo. Se um crime é investigado, também devem ser identificados os telefones cuja quebra de sigilo é solicitada à Justiça.
A omissão abala um dos pilares em que se assenta a vida em sociedade: a confiança dos cidadãos em seu Judiciário.
É evidente que os policiais do Espírito Santo desejavam identificar quem está informando os jornalistas da Rede Gazeta sobre a corrupção que atingiu em cheio a corporação e tem sido denunciada pela imprensa. A intimidação de testemunhas e até o seu assassinato são notícias que estão todos os dias nos jornais.
O que aconteceu foi realmente estarrecedor.

O gabinete sombra - Jayme Copstein

Correspondência de Ralph Hofmann, de Porto Alegre, induz a ligar coisas aparentemente sem nexo – a acusação de golpismo, feita por Lula à oposição, e a sua antiga tentativa de criar um governo paralelo, quando Fernando Henrique Cardoso assumiu o primeiro mandato.
A idéia não era original nem Lula reivindicava a paternidade. Derrotado mais uma vez nas urnas, manifestava a inconformidade com o desejo dos eleitores. Buscou no parlamentarismo o chamado "shadow cabinet" – o gabinete sombra – para “marcar de cima” o novo governo.
A invenção não seguiu adiante por descabida no regime presidencialista. Tem cheiro de conspiração.
O conceito original de gabinete-sombra é bem outro. Funciona como laboratório para a oposição e a prepara para assumir o poder, na eventualidade de se alterarem as forças no Parlamento. Os integrantes têm status de ministro. Recebem todas as informações concernentes à sua pasta e nela não serão os estranhos que não sabem sequer onde fica o banheiro.
Por conter tantas salvaguardas, o parlamentarismo é infinitamente superior ao presidencialismo. Não acaba com as crises, mas as resolve rapidamente, dentro da lei, sem paralisar a vida da Nação.
Não é nenhuma panacéia. Com a falta de qualidade de congressistas eleitos pelo voto proporcional, sua adoção significaria trocar um caos pelo outro. Tivéssemos o bom e velho voto distrital, poderíamos considerar tranqüilamente o parlamentarismo. O Brasil não estaria atolado nesta crise que se instalou desde que Roberto Jefferson jogou esterco no ventilador.

O morto fingido - Jayme Copstein

Lúcia Hipólito, comentarista política da Rádio CBN de São Paulo, está alertando a Nação para o risco de o deputado federal João Paulo Cunha, escapar da cassação de mandato. Ele está se fingindo de morto, para que se esqueçam dele, com toda a certeza por conselho dos muitos amigos que fez quando teve a faca, o queijo e a chave do cofre na mão, no tempo em que presidiu a Câmara Federal.
Como bem assinala Lúcia Hipólito, esses amigos de João Paulo estão brincando com fogo, achando que a opinião pública e o eleitor brasileiro ainda são bobos, desinformados e desmemoriados, como no tempo de D. João Charuto. Com a comunicação instantânea de hoje, ninguém vai deixar passar que as explicações por ele oferecidas à Comissão de Ética eram simplórias e contraditórias e equivaleram a uma rasgada confissão.
Primeiro, era apenas sua mulher reclamando diferenças de uma conta de tevê a cabo, depois ela retirava 50 mil reais para fazer um pagamento. Finalmente admitiu que alguém o tranqüilizara, garantindo que abaixo de 100 mil reais, o Coaf - Conselho de Controle de Atividades Financeiras – não registrava operações.
Que não registrasse, e portanto não houvesse prova do seu envolvimento com o mensalão. Mas há também, apesar de ter sido candidato único, a campanha eleitoral para presidência da Câmara, contratada a peso de ouro a Marcos Valério, e paga depois com 10 milhões e 500 mil reais, sob pretexto de fazer propaganda da Câmara de Deputados. De sobra, mas incluída no preço ou como lambuja, pesquisa para saber as chances de João Paulo eleger-se governador de São Paulo.
É trapalhada demais para ser esquecida. Vocês – lembrem-se disso.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2005

1984 é aqui - Jayme Copstein

Começam a pipocar na Justiça, dentro da indústria criada com as indenizações por danos morais, ações de filhos que cobram reparação do pai por abandono afetivo. Não se trata da prestação de alimentos, popularizada como “pensão”, mas de remuneração por uma pseudo-orfandade.
O casal separa-se em desarmonia, as crianças ficam ao encargo da mãe e são industriadas para comportamento agressivo em relação ao pai. Esta é a causa mais freqüente do afastamento. Há outras, como eventual mudança de residência para cidades ou países distantes, mas não é caso de se escrever aqui um tratado geral das difíceis relações entre filhos e pais separados.
O importante da questão é que alguns tribunais brasileiros têm concedido as indenizações, como se coubesse ao Estado - e a alguns magistrados em particular - impor, controlar, dirigir, permitir ou proibir os sentimentos das pessoas.
O repúdio a tal violência é a semente que gerou obras-primas da literatura universal, como “1984” de George Orwell, ou “Admirável mundo novo” , de Aldous Huxley, ambas inspiradas em “Nós”, do escritor russo Eugênio Zamyatin.
Para mostrar o ridículo e o absurdo da questão, basta dizer que, concedida a indenização ao “órfão” de pai vivo, poderá ele reivindicar mais outra indenização por danos morais, também da mãe. Pela incompetência de escolher pai adequado ao “coitadinho”.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2005

O marido enganado - Jayme Copstein

Já há tempo, o Brasil está dentro do Mercosul como marido enganado, tentando salvar um casamento que já terminou. Kirchner obteve até agora tudo o que exigiu, concedido carneiramente pelos amadores que se aboletaram no Itamaraty, em nome de uma suposta unidade ideológica que só existe em delírio de mesa de bar.
Ele quer mais agora: que a união aduaneira tenha valor para os parceiros. A Argentina continuará usufruindo de privilégios na importação de máquinas, equipamentos, bens de informática e de telecomunicações.
As pretensões argentinas serão mais difíceis de sustar com o ingresso, não propriamente da Venezuela, mas de Hugo Chaves, o novo Napoleão das Américas, que tem financiado os déficits de caixa da Argentina com a receita extraordinária do petróleo, cujos preços começam a mostrar arrefecimento no mercado internacional. É ele que mantém o precário equilíbrio de Kirchner.
A aventura tanto de Chaves como de Kirchner, na política exterior, vai depender dos rigores do inverno no Hemisfério Norte. Se os estoques norte-americanos bastarem para suprir as necessidades deste ano, os preços caem. Chaves terá dificuldades para financiar seus planos de grande líder continental e Kirchner ficará segurando o pincel, descobrindo que a escada era como aquele anel que sendo de vidro, se quebrou.
A todas essas, quem pagará o maior preço será o Brasil. Passou a hora de negociar a Alça em uma posição de prestígio. Aos nossos diplomatas ficará reservado o papel de boi de presépio, com Kirchner e Chavez dando as cartas.
Depois de tudo isso, enfim o sr. Luiz Inácio Lula da Silva terá autoridade para dizer que jamais, em toda a história do país, o Itamaraty teve uma diplomacia como a de agora. Tanta incompetência jamais foi vista desde 1822.

terça-feira, 6 de dezembro de 2005

As moscas do vice - Jayme Copstein

A mágica do milhão de reais surgido na cartola do vice-presidente José Alencar, é outro dos mais instigantes enigmas desta república latino-americana. Ninguém sabe, ninguém viu. O PT lava as mãos em público. No privado, Berzoini pede desculpas. Foi “sem-querer”, diz com candura.
Senador por Minas Gerais, Alencar achava que sabia tudo de política. Eleito vice na chapa de Lula, as luzes e as trombetas do Planalto o anestesiaram para a ferroada da mosca azul, a qual, ao contrário da sonolenta tse-tsé, dá febre de grandeza.
Pilotando discurso contra juros altos, que lhe pareceu ser o tema preferencial da campanha de 2006, Alencar criou partido próprio e candidatou-se à presidência da República. Até aí, flores. Havia o estímulo de Lula, mesmo porque o projeto é ter Nelson Jobim como vice na chapa da reeleição. Ao se inventar candidato, Alencar dispensava desculpas e compensações pela ruptura.
Ele,porém, levou a sério o papel. Começou a bater no governo em tom acima do diapasão e entornou o caldo. Estourou o escândalo da Coteminas.
Alencar, agora, mergulha em profundas reflexões sobre a arte da política. Detém toda a atenção no capítulo das moscas, cuja cor é o que menos importa. O problema é a boca. Que deve ser mantida fechada para que elas não entrem.

segunda-feira, 5 de dezembro de 2005

Pena de morte -- Jayme Copstein

Ao executar o milésimo criminoso, os Estados Unidos recebem pedido da União Européia para a abolição da pena de morte, restabelecida no país em 1976. Como de hábito, o apelo veio acompanhado de argumentos que alinham desde sentimentos humanitários até interpretações erráticas das estatísticas de criminalidade.
O que traz a pena de morte para o centro do debate é sempre a crueldade dos crimes contra a vida. Se ela, uma violência em si, contribui ou não para aumentar ou diminuir a violência, é uma discussão sem fim, em que qualquer ponto de vista pode ser defendido.
Há, entretanto, um argumento sólido e irrespondível: o erro judicial, de alguma maneira reparável em qualquer outra circunstância, é irreversível na pena de morte. Não há forma de se compensar a vítima.
É absolutamente irracional justificar-se que alguns inocentes são o preço a pagar para livrar a sociedade dos seus piores criminosos. A contabilidade é uma ciência só aplicável aos parafusos de um robô, não aos enigmas dos seres humanos.
Ademais, neste planeta dinheirista em que vivemos, há muito tempo foi revogado o aforismo de que todos são inocentes até prova em contrário. Prevalece a certeza de que todos são culpados até que um bom advogado, e bem pago, diga que não.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2005

Incertas certezas - Jayme Copstein

É puro dramalhão a frase, perfilhada pelo comandante do Policiamento de Porto Alegre, explicando a execução de um industrial por assaltante que lhe queria roubar o carro.
“Ele estava no lugar errado, na hora errada.”
O que significa que era o assaltante quem estava no lugar certo, na hora certa.
A elucubração altamente filosófica induz à pergunta:
“Em que lugar estava a Polícia?”
O comandante responde: “Onde estamos, ele não comete o crime.”
Se o assaltante comete o crime onde a Polícia não está, ele está no lugar certo, a Polícia no lugar errado.
O comandante, quando põe de lado as frases de efeito, em apenas duas palavras toca no cerne do problema: impunidade e reincidência. Causa e efeito.
Mas ele o afirma com timidez, o que mostrar o constrangimento a que o politicamente correto submete a sociedade brasileira contemporânea.
É o que preserva o código de porta de cadeia, cuja mudança, essencial para que pudesse migrar ao átrio dos fóruns, ninguém pede.
É mais fácil, parece, processar jornalistas.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2005

O fundo do poço - Jayme Copsteun

A cada dia deslizamos mais fundo no abismo da insegurança a que nos conduziu o código de porta de cadeia, decretado no Brasil como uma passe de mágica, uma varinha de condão, a cujo toque todos dar-se-iam as mãos, tornar-se-iam irmãos, cantariam louvações a Deus e seríamos felizes para sempre.
O que se viu ontem, no Rio de Janeiro, foi a falência dessa ingenuidade, cuja fronteira com a idiotice é difícil delinear. Os traficantes deixaram quatro corpos queimados em um automóvel e comunicaram à Polícia que tinha começado a punir os autores do massacre do ônibus incendiado.
O recado é claro: os traficantes estão dizendo que fundaram um estado à parte, e criaram sua própria justiça no qual as pessoas são inocentes ou não, de acordo com o arbítrio e o poder dos líderes. Igual a qualquer ditadura, de direita ou de esquerda.
A Polícia respondeu com a desgastada frase de que não há bandidos bons. Significa que o rigor – pouco – que antes seria suficiente para conter a delinqüência, será substituído agora por um barbárie igual a praticada pelos criminosos.
Não há como fugir da realidade: trata-se de uma guerra – e na guerra, como na guerra.
É uma alucinação achar que, algum dia, o lobo e o cordeiro poderão sentar-se à mesma mesa. Se não cuidarmos de pôr um buçal no lobo, com toda a certeza o cordeiro estará na mesa, sim, mas em uma travessa, para ser comido. E o lobo há de se defender com unhas e dentes, para que não lhe tirem a presa.
Ao longo do tempo, perseguindo a utopia do paraíso terrestre, as pessoas foram incitadas à violência. Aquele brasileiro afável, cordial e solidário, que existia até os anos 60, foi deslocado por um ser amargo, grosseiro, que nada respeita, substitui a ética pela vantagem a qualquer preço, que mata e morre nas ruas e nas estradas e acha que lhe devem todos os favores da vida apenas por ter nascido no Brasil.
A educação, a única arma capaz de revolucionar um país, nunca foi pensada como solução. Capacita as pessoas a viver melhor e a tornar melhor a sociedade em que vivem. Mas elas adquirem também, quando instruídas e educadas, discernimento para identificar a demagogia barata e repelir aqueles que, sedentos de poder, mantêm as massas na mais absoluta ignorância, para manipulá-las segundo as seus interesses e mesquinharias.
É o que não convém a quem se banqueteia no poder.

Em um país livre - Jayme Copstein

Ao que considerou excesso de alguns jornalistas em criticá-lo por ter votado no julgamento do hábeas pedido por José Dirceu, o presidente do STF, ministro Nelson Jobim, respondeu com outra demasia: disse que os idiotas haviam perdido a modéstia.
Ora, desde que prestem atenção ao noticiário dos jornais, até mesmo verdadeiros idiotas – não os que foram promovidos à categoria pelo ministro irado – sabem que não há ilegalidade nem imoralidade no voto do presidente do STF em questões importantes. Não é usual, mas é um direito que lhe cabe e que exerce ou não, com independência e segundo sua vontade. Este é um país livre.
Não foi o criticado, porém, na atuação do ministro. Aqueles jornalistas tiveram em mente iniciativas de Jobim no terreno político-partidário. A imprensa já publicou à farta, sem nenhum desmentido formal, que ele concerta uma aliança com o Planalto, para candidatar-se a vice-presidente na campanha de Lula à reeleição.
Nestas circunstâncias, onde está a idiotice e a falta de modéstia em se estranhar a disposição para votar o habeas de um correligionário e amigo chegado do futuro aliado?
Afinal de contas, este é um país livre – supõe-se – também para jornalistas.