terça-feira, 31 de janeiro de 2006

Ser ou não ser... otário! - Jayme Copstein

É de indignar a omissão e o desleixo do Procon do Rio Grande do Sul na fiscalização dos direitos do consumidor. Os grandes magazines anunciam preço à vista ou em várias prestações sem acréscimo nem juros, mas quando o cliente olha a nota de compra, os juros estão lá, escarrados.
Outro golpe é o da garantia absoluta – quebrou, trocou. Ou seja, recebe um aparelho novo. Quando isso acontece, ao consumidor é mostrada uma sigla misteriosa que corresponde a um seguro – só se tiver sido pago é que a garantia tem efeito. No momento da venda, porém, o balconista não informa sobre o prêmio do seguro, que equivale ao preço do próprio aparelho, ainda que também dividido em suavíssimas prestações.
Mas se o Procon não atua nesses casos gritantes, o que falar das malandragens de grandes redes de supermercados que misturam mercadorias de preços diversos, para enganar o consumidor? Certo da pechincha, ele só vai descobrir que o preço é maior quando chega na caixa. Alguns por timidez, outros por comodismo, não reclamam. Para que serve um Procon assim tão omisso e tão desleixado, como o do Rio Grande do Sul? Há muitas opiniões a respeito. Tem gente acreditando que serve de comitê eleitoral para ambiciosos de plantão. É de se duvidar. Só se o gaúcho é muito mais otário do que julgam os grandes magazines e as redes de supermercados.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2006

Da democracia à ditadura - Jayme Copstein

As notícias que chegam da Venezuela não são muito animadoras no que diz respeito a ser possível outro mundo. O Fórum Social Mundial, que teve quatro exemplares realizações, em Porto Alegre, onde nasceu, não foi precisamente um sucesso, em Caracas.
O problema não é tanto do número de participantes – a metade dos que compareceram em Porto Alegre – nem a desorganização do evento. Os centros de debate foram colocados distantes uns dos outros. Não houve um esquema de transportes que os integrasse a contento.
Tudo é compreensível e desculpável. Não se poderá exigir, de quem pela primeira vez organiza o evento, a perfeição ou a quase perfeição. Por inspirações pouco felizes, temperadas com alguma megalomania, o Forum foi divido por três países, daí apenas 60 mil participações na Venezuela.
O coordenador da organização do evento tentou justificar a fragmentação dos centros de debate com uma suposta ocupação de terrenos baldios para não atrapalhar a vida da cidade. Mas os relatos dos repórteres que foram fazer a cobertura em Caracas, sugerem que a desorganização correu mais por conta das medidas de segurança impostas por Hugo Chaves do que pela inexperiência dos organizadores. A sua polícia andava catando até inocentes máquinas fotográficas, com medo dos seus supostos “inimigos”.
Aí é que reside a diferença entre Porto Alegre e Caracas. Aqui, tínhamos adversários da ideologia predominante no Fórum Social, mas como vivemos em uma democracia, mas não havia necessidade de polícia para contê-los. Em Caracas, o Fórum Social Mundial foi mais um lance de propaganda pessoal de Hugo Chaves, que como todo o ditador não tem adversários. Todos seus oponentes são inimigos – e inimigo não se poupa.
Aí é que os noticias desta troca infeliz, Porto Alegre por Caracas, tornam-se desanimadoras. Se esse mundo melhor, apregoado pelos mentores do Fórum, é uma ditadura no velho modelo latino-americano, vamos ter que esperar por outro idealismo, que comece com a palavra liberdade. Sem ela, não se constrói nenhum mundo – só se escraviza os mais fracos.

De trapaça em trapaça - Jayme Copstein

Juristas estão entendendo mal a repulsa despertada pelo projeto, ora tramitando no Congresso, para revogar a chamada verticalização. Para o homem comum, vítima permanente de um processo eleitoral pervertido, cuja única utilidade é legitimar o poder da cleptocracia que infelicita este país, tanto faz como tanto fez.
Repugnante é a falta de cerimônia com que se mudam a toda hora as regras do jogo, para atender a interesses muito pessoais. É o “ser-feito-de-bobo” que enfurece as pessoas.
A verticalização não prevalecia até 1998. Foi sacada do bolso em 2002, para sustar rebeliões regionais. Agora está sendo curtida em água morna, à espera do “bicho que vai dar” nos conluios de Lula, Sarney, Calheiros e companhia ilimitada, para valer ou não valer em 2006.
Pior de tudo são os discursos empolados e grandiloqüentes dos caciques, para justificar a trapaça. Marco Maciel, senador por Pernambuco, fala em diferenças regionais tão arraigadas que impossibilitam a federalização das eleições. Ora, se essas diferenças existem – e de fato elas existem – então terminemos com outra trapaça, a do Brasil como república unitária, para que, no orçamento nacional, toque a parte do leão às oligarquias do Norte e ao Nordeste. Estruturar o país como uma república federativa seria altamente moralizador.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2006

Salvadores da pátria - Jayme Copstein

No Brasil há apenas dois partidos, o nosso e o deles.
O nosso, vocês sabem: sábio, moderno, incorruptível, milagroso.
O deles, não se precisa dizer: burro, fossilizado, desonesto, desastrado.
O grande problema é saber-se quem está no nosso, quem está no deles. Os arenistas José Sarney e Delfim Neto que serviram à “nossa” ditadura para combater à subversão “deles”, agora são peemedebistas e servem-se da “nossa” vocação democrática para consertar os estragos que a tirania “deles” causou ao país.
Paulo Maluf, agora “nosso” aliado, era o símbolo da corrupção “deles”. É difícil, porém, enxergar a diferença entre a “nosso” mensalão e o por-fora “deles”. Talvez seja que o “mensalão” é nosso, o por-fora é deles.
Renan Calheiros, antigo lugar tenente do “nosso” Fernando Collor de Mello, que veio para livrar o país do desastre que seria o Lula “deles”, agora é unha e carne com o “nosso” Lula, para evitar que o poder seja “deles”.
Saiu PC Farias, entrou Delúbio Soares, ora nossos, ora deles, dependendo apenas da visada.
Apesar das diferenças, os dois partidos têm algo em comum: nasceram ambos – o nosso e o deles – com o destino glorioso de salvar a pátria.
De que, não se consegue precisar.
O perigo mais à vista são os próprios salvadores.

Começa o 2º ato - Jayme Copstein

Se alguém pensa que já viu tudo em matéria de safadeza na política brasileira, convença-se: não conseguiu sequer passar do prólogo. Já por duas vezes, em comentários anteriores, chamou-se a atenção para o acordo entre Roberto Jéferson e José Dirceu, cuja chave de ouro é a anistia votada pelo Congresso para devolvê-los imediatamente à vida pública.
Os interessados podem ler os dois textos – “Fim do primeiro ato” e “No reino do mensalão” – no blog:
www.copstein.blogspot.com
Quem confirma a denúncia, por atos, não por palavras, é José Dirceu, cuja atividade político-partidária, não cessou durante todo esse tempo. Há uma semana, manteve reunião sigilosa com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, para “trocar impressões sobre a campanha presidencial de 2006”. A informação está na coluna de Josias de Souza, na Folha de São Paulo de hoje.
Trocado em miúdos, José Dirceu foi dar suas ordens para a condução da campanha, que deve começar por algo de efeito, como a demissão de Henrique Meirelles da presidência do Banco Central. Paralelamente, Dirceu solicitou parecer a juristas, afirmando a legalidade da anistia a todos os cassados.

O projeto será apresentado como iniciativa popular, com um milhão de assinaturas, arrecadadas pelos fiéis soldados do MST.
Claro, com a concordância plena de Roberto Jeferson, que disputará as eleições, posando de Madalena redimida pela denúncia do mensalão.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2006

Demônios e utopias - Jayme Copstein

Nestes últimos tempos, indignados com a corrupção dos políticos e chocados com crimes hediondos cometidos por pessoas de todas as camadas sociais, leitores têm sugerido que a falta de Deus é que nos conduz ao abismo.
É difícil avaliar se os políticos corruptos ou as pessoas que cometem crimes praticam ou deixam de praticar esta ou aquela religião. Nada lhes é perguntado nem elas tomam a iniciativa de confessar.
O certo é que criar um inimigo hipotético, a quem comumente chamamos diabo, não ajuda muito a construir um exercício de amor no coração das pessoas. O que se faz é apenas estabelecer um símbolo para o qual devemos canalizar nossas frustrações e o ódio que essas frustrações acabam despertando.
No Brasil, o choque é maior porque a principal religião do brasileiro é a utopia. Sempre haverá, na próxima esquina, um messias, um salvador da pátria, um rei mágico, uma fada benfazeja, uma divindade qualquer, com roupagens humanas, capaz de nos conduzir ao paraíso com sua simples presença, até mesmo sem fazer um gesto ou pronunciar uma palavra mágica.
Quando tudo na prática se vazio e inútil, substitui-se a utopia pelo demônio, o perpétuo conspirador a quem atribuímos a perversidade de destruir a felicidade que se esperava cair do céu.
Apesar de o dicionário nos dar uma lista infindável de sinônimos para a pa-lavra diabo – canhoto, tinhoso, coisa-ruim, maligno, enfim, uma série interminável – no dia a dia temos acrescentado ora a palavra comunista, ora a palavra neoliberal, ora o nome Fernando Henrique Cardoso, ora o nome Luiz Inácio Lula da Silva, ora Roberto Jéferson, ora José Dirceu, apenas para citar os demônios mais recentes. É como se tivéssemos diabos de plantão, para explicar o fracasso das utopias, a que nos conduz a ignorância e a credulidade que dela resulta.
Falta Deus em nossos corações? Não, não falta. Falta conhecimento, cultura, falta amor. Sobra, sim, ignorância, falta de escrúpulos e paixão pelo poder.

Queixa ao bispo - Jayme Copstein

Se alguém acreditou no repentino bom-mocismo dos senadores e deputados federais, vá preparando queixa ao bispo: caiu em mais um conto de vigário nesta questão das férias de 120 dias e gratificações pelas convocações extraordinárias.
É ano de eleição. Os eleitores estão furiosos com o emporcalhamento das instituições, era preciso acalmá-los. Mudou alguma coisa? As férias deste ano já foram concedidas, a gratificação pela convocação está sendo paga. No correr dos próximos 12 meses, garantidos mais quatro anos de mandato, “a moralização” será revogada com a mesma desfaçatez com que a verticalização está sendo mandada para o lixo.
Verticalização era a saudável proibição de alianças eleitorais nos estados e municípios, que se confrontassem com as alianças federais. Resultou de pedido do deputado Miro Teixeira, em 2002, para que o Tribunal Superior Eleitoral interpretasse a Constituição.
Os deputados e senadores sabem que a Constituição proíbe mudança das regras eleitorais no ano do pleito. Dizem os jornais que isso vai dar recursos a Supremo Tribunal Federal, vai dar discurseira, indignações fingidas, enfim as bambochatas de sempre.
Vocês acreditam que, garantidos os mandatos por quatro anos, a moralização das férias e da remuneração das convocação extraordinárias também não vai para a lata do lixo?

quarta-feira, 25 de janeiro de 2006

Baile de cobras - Jayme Copstein

A briga que começa a se desdobrar no PMDB, para escolher o candidato à presidência da República, é o prólogo de um espetáculo, monótono de tão repetido: os conchavos que decidem quem será o próximo inquilino da caverna de Ali-Babá.
Ao que tudo indica, pelas manifestações de alguns caciques, três nomes serão considerados: o do governador Germano Rigotto, o do ex-governador Anthony Garotinho e o do Grande Corruptor, aquele que der mais nessas alianças que misturam água e azeite e fazem dos arenistas José Sarney e Delfim Neto democratas de carteirinha, e de Paulo Maluf, o eleitor mais devotado de Luiz Inácio Lula da Silva.
A considerarem-se declarações de caciques do calibre de Renan Calheiros, ele próprio ameaçando candidatar-se para espantar Rigotto e Garotinho, a convenção do PMDB vai escolher uma moeda de troca, tipo vale transporte.
Rigotto, não. As pesquisas de opinião, neste momento, o favorecem em uma reeleição ao governo do Rio Grande do Sul. A aquiescência dos pré-históricos caciques peemedebistas, de realizar a convenção em março, para evitar que renuncie em vão, indica que o querem disputando o Piratini.
Será Anthony Garotinho? Este vai acabar descobrindo uma verdade traumática: todo aquele arsenal de artimanhas, de efeito tão sedutor para os alegres eleitores cariocas, não passa de cantochão infantil em baile de cobras. Ele não tem perneiras sequer para ser a dama das contradanças.

terça-feira, 24 de janeiro de 2006

Surdez histórica - Jayme Copstein

Faz dias que o veto norte-americano à venda de aviões militares da Embraer à Venezuela, está nos jornais. Posto no noticiário como atentado à soberania brasileira, agora é objeto de discordâncias entre o ministro – nem tanto – de Relações Exteriores, Celso Amorim, e o assessor – bem mais – de Relações Internacionais da Presidência da República, Marco Aurélio Garcia.
Enquanto Garcia, com inédita habilidade, sai da reta, alegando que se trata de uma questão comercial, envolvendo empresa privada sobre a qual o governo não tem a menor ingerência, Celso Amorim faz o gênero “pisaram nos meus calos”. Nenhum dos dois – ninguém, aliás – toca no ponto principal: ainda que esteja entre as maiores fábricas da indústria aeronáutica mundial, a Embraer trabalha com tecnologia importada, não só norte-americana, mas também italiana.
O cerne da tecnologia já vem pronto. Só é montado no Brasil. Não há possibilidade sequer de “pirateá-lo”, que ninguém é tolo de entregar o ouro sem mais aquela. Quem apenas intermedeia vendas, só pode entregar ao comprador o que o fabricante permite.
O nosso problema é a falta de pesquisa e conseqüente conhecimento tecnológico e científico. Em 1930, logo após a Revolução que arquivou a República Velha, Lindolfo Collor tentou chamar a atenção para esta debilidade diante do entusiasmo provocado pelo processo de industrialização do país. Sentenciou: “De indústria, o Brasil só tem o local do crime.”
Continua sendo verdade. Só que ninguém quer ouvir.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2006

Caminhões e urutus - Jayme Copstein

Fala-se muito de fortunas que Juscelino Kubitschek e seus amigos teriam ganho, para permitir à indústria automobilística estabelecer-se no Brasil. Neste país, não dá para pôr a mão no fogo por ninguém em matéria corrupção, mas, no caso, não é verdade.
Foi o contrário. A indústria automobilística recebeu grandes incentivos porque o projeto de Juscelino, de ocupação do Oeste e do Noroeste, não teria passado de ficção sem uma estrutura de transportes.
Qualquer observador mais atento perceberá que a rodovia não é a mais adequada para as grandes distâncias. Mas é só olhar a situação das ferrovias e da marinha mercante brasileiras nos anos 50, para se deduzir que não havia escolha – o caminhão era inevitável.
Naquela época, Emil Farhat, escritor e publicitário, publicou livro de grande sucesso, O País dos Coitadinhos, mostrando os absurdos que populismo criara no Brasil.
De acordo com a legislação, pouco importando o tamanho, os navios eram obrigados a ter um número mínimo de tripulantes. Chamou a atenção de Farhat que, no Rio Amazonas, pequenos barcos de carga começaram a rebocar duas, três canoas, cheias de gente. Quando perguntou se não era arriscado levar passageiros de maneira tão precária, teve a resposta surpreendente: “Não são passageiros. É o excesso de tripulação que não cabe no navio. A gente tem que levar por que a lei obriga.”
Essas coisas vêm à lembrança diante da notícia de que o presidente do Senado, Renan Calheiros, vai torrar 130 milhões de reais para construir o anexo III da chamada Câmara Alta.
Com apenas 81 senadores, para que se necessita de um terceiro anexo, se o Senado já tem dois outros? É simples: os 81 pais da pátria empregam – estamos falando apenas de gente na ativa, aposentado não conta mais – nada menos do que 3.500 funcionários. Mais de 43 assessores por senador.
Aquelas duas ou três canoas rebocadas pelos pequenos barcos do Rio Amazonas, levaram ao equívoco do caminhão como solução de emergências para os transportes.
Os dois ou três anexos do Senado que levamos a reboque, extorquidos em 37 por cento de impostos, pode gerar outro equivoco, de nefastas conseqüências, para resolver problemas da democracia. Em lugar dos caminhões de Juscelino, os urutus de um general.

A porteira aberta - Jayme Copstein

A manchete de Zero Hora de hoje – Impunidade ameaça Código de Trânsito depois de oito anos – peca pela modéstia. Faz muito mais tempo que a impunidade destruiu a segurança das pessoas neste país e mandou para a lata do lixo tudo que dizia respeito à ética, à moral e a decência.
Exagero? É só relacionar os escândalos protagonizados pelos políticos para concluir-se que a palavra deveria mais forte – daquelas que antigamente não se falava na frente de senhoras. Hoje são elas que as dizem sem nenhum constrangimento.
Como tudo isso começou? Há alguns dias alguém reclamava que a ditadura militar terminou há mais de 20 anos e, portanto, a ela não podem ser atribuídos dos pecados de hoje.
Estamos falando apenas de impunidade. A pergunta que cabe é: quem abriu a porteira para a tropilha passar? Foi nos anos 70, quando os crimes praticados pelo célebre delegado Sérgio Fleury não podiam mais ser escondidos, que a ditadura foi buscar até nos alforjes dos seus oponentes a doutrina para livrá-lo da cadeia.
O primeiro sintoma do que haveria de ocorrer dali por diante, aconteceu em um programa de rádio, quando um delegado de Polícia tentou prender o estelionatário que se fazia passar por coitadinho, para arrancar donativos dos incautos.
“Não pode me prender”, o vigarista reagiu. “A lei agora está do nosso lado.”
Continua até hoje.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2006

De Lisboa a Brasília - Jayme Copstein

O ladrão que furta para comer, não vai nem leva ao Inferno; os que não só vão, mas levam, são os ladrões de maior calibre e de mais alta esfera. Não são só ladrões os que cortam bolsas ou espreitam os que se vão banhar para lhes colher a roupa; os ladrões que mais própria e dignamente merecem este título são aqueles a quem se atribuem o governo das províncias ou a administração das cidades, os quais já com manha, já com força roubam e despojam os povos.
Os ladrões pequenos roubam um homem, os grandes gatunos roubam cidades e países. Os ladrões pequenos furtam por sua conta e risco; os grandes gatunos roubam sem temor perigo.


Se alguém acha que estas palavras referem-se aos tempos escabrosos que vivemos hoje no Brasil, enganou-se. São parte do Sermão do Bom Ladrão, escrito pelo padre Antônio Vieira em 1665, para ser pronunciado na Igreja da Misericórdia de Lisboa.
Passados 341 anos, o mesmo sermão poderia ser pregado na Catedral de Brasília. O padre Vieira denunciava a corrupção que corroia as entranhas do império português e veio, afinal, a destruí-lo.
É a mesma desgraça que impede o Brasil de prosperar e enriquecer, e seu povo, de viver em paz e ser feliz. E que pode destruí-lo também.

Pequena história da impunidade - Jayme Copstein

Três anos depois de matar os pais a pauladas para lhes roubar dólares, Suzane Richtofen está solta. O co-autor, Cristian Cravinhos, também.
Ela desapareceu – provavelmente fugiu, segundo a promotoria de Justiça de São Paulo. Ele dá entrevistas, contando com pormenores a premeditação do crime.
Em Carazinho, o defensor da mulher presa por seqüestro, proclama com alguma certeza que vai requerer para a criminosa a tutela do bebê roubado de sua mãe verdadeira. Não se duvide que concedam.
Em São Bernardo do Campo, uma mulher de 22 anos encomendou o assassinato de uma colega de trabalho, a quem substituíra na licença-maternidade. Como queria a vaga da outra, decidiu matá-la para encurtar caminho. Se for condenada... Deixemos as conjecturas de lado
Na Câmara Federal, o deputado Romeu Queiroz, do PTB de Minas Gerais, mensalista confesso de 450 mil reais, foi absolvido.
Fora da Câmara, José Dirceu, tratado a pão-de-ló no noticiário, apesar de alegar falta de dinheiro para sobreviver, janta em restaurantes de luxo. Paulo Maluf, dono de fortunas misteriosas surgidos em paraísos fiscais, anda mais faceiro que sapo em banhado, como se diz cá no Rio Grande do Sul.
São apenas alguns capítulos, os mais recentes, da História da Impunidade no Brasil. Que começou quando um esperto rábula de porta de cadeia enxertou no Código de Processo Penal e na Lei da Execuções Criminais, as vírgulas que garantem impunidade a toda a espécie de delinqüente.
Os que podem pagar. E os que pegam carona para justificar o privilégio dos primeiros.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2006

Questões de inteligência - Jayme Copstein

Duas boas notícias do trânsito nos jornais de hoje.
Em Porto Alegre, a EPTC revogou a bobagem de proibir os motoristas de táxi de usar bermudas no trabalho.
Prevaleceu o bom-senso. A fiscalização atenta será suficiente para evitar – ai sim, com toda a razão – o desleixo de uns poucos deseducados, os de calção e camiseta de física, que não representam a classe dos taxistas.
A segunda boa notícia é a aprovação do projeto de Beto Albuquerque, deputado federal do Partido Socialista do Rio Grande do Sul, valorizando o depoimento das testemunhas para comprovar a embriaguez de motoristas envolvidos em acidentes de trânsito. É curioso como no Brasil somos tolerantes com o álcool, cujas conseqüências são tão destrutivas quando a maconha, a cocaína e a heroína. É a bebedeira que arma a maior parte dos assassinos, sejam os que portam facas, revólveres ou dirigem automóveis e caminhões.
Quem não gostará da novidade são as bacantes, as sacerdotisas do deus Baco, aquele que empinava firme umas que outras. Testemunho vale para embriaguez. Da mesma maneira que se conhece gravidez de mais de dois meses, olhando barriga, conhece-se o bebum depois do segundo copo.
Não precisa complicar. Deixa quieta a lei do Beto Albuquerque, que ela não faz mal a ninguém. É simples: em lugar de ir ao Supremo, alegar a Constituição, que dá um baita trabalho e ainda tem que pagar advogado – bebeu, não dirige. Não se incomoda com a lei nem incomoda os outros.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2006

Na terra do bagatelão - Jayme Copstein

Que as excentricidades no mundo das togas não são monopólio do Brasil, prova a notícia vinda da Inglaterra, onde uma mulher, Christine Ryder, de 53 anos, processou e obteve indenização por danos morais de Kevin Reeves, de 40 anos, que prometeu assassiná-la por 2 mil libras, mas não cumpriu o trato.
Os dois se conheceram e se tornaram-se amigos – só podia – em um hospício que hoje é chamado de hospital psiquiátrico, como se isso fizesse alguma diferença. Personagens apropriados para uma comédia tipo “Grande Família” ou “Os trapalhões”, Kevin alegou a Cristina que não cumprira o trato porque tivera de matar o pistoleiro contratado para assassiná-la. Homem justo e caridoso, tinha usado o dinheiro para indenizar a viúva do coitado do bandido.
Desfecho do pastelão: Kevin foi condenado a um ano de três meses de cadeia, a devolver o dinheiro e pagar mais uma indenização por danos morais a Cristina. Que em lugar de voltar para o hospício, onde é o seu lugar, com toda a certeza vai procurar um assassino que pelo menos tenha palavra. Como vocês sabem, já não se fazem assassinos como antigamente.
Cá no Brasil, somos menos engraçados. Nossos magistrados agora se empenham em uma séria discussão sobre a tese da bagatela. Um traficante foi preso quando vendia maconha. Como só foi apreendido um cigarro, pesando menos de 10 gramas – era tão pouco, uma bagatela – o Tribunal de Justiça de Goiás entendeu que “não havia intenção comercial” e o absolveu. Bem que os empresários vivem se queixando de que são perseguidos. Que mandou ter mania de lucro.
Aliás, em Goiânia, mesmo, um ladrão de supermercado, foi também solto porque só furtou – vejam a bagatela – algumas barras de chocolate, o que, palavras da sentença, “não ofende a ordem social, jurídica ou mesmo o patrimônio da vítima”.
A grande dúvida é se não estamos inventado a impunidade a prestações. Se alguém decidir furtar uma bagatela todos os dias, com a continuação a soma pode dar um grande valor. Mas como são bagatelas, a absolvição se impõe pelo sagrado princípio do bagatelão.

História repetida - Jayme Copstein

Nova crise agita o cenário internacional, a partir da decisão do presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, de retomar o enriquecimento de urânio para a produção de armas atômicas. O que se esconde por trás do conflito é uma briga de traficantes de armas, desejando garantir os seus pontos.
É muito simplório o raciocinio de que se consegue a “receita” de uma bomba atômica na Internet. É tecnologia requintada que não se alcança com um estalar de dedos e vai desde o refinamento inicial do combustível às estruturas de lançamento.
A rivalidade que as manchetes gritam sobre a crise escondem na profundidade o comércio mais abjeto, o do tráfico de armas. Como o Irã está com as burras cheias de petrodólares, é ótimo cliente para os países que cultivam este tipo de comércio.
Os serviços secretos sabem quem está por trás de tudo. Mas o segredo não vem à tona porque não há inocentes na tramóia. É briga de gângster.
Para penetrar os subterrâneos do conflito, é só olhar a lista do detentores da tecnologia atômica e examinar a sua relação com as teses racistas, repentinamente esposadas pelo presidente iraniano. Além da negação do Holocausto, cavalo de batalha dos nazistas, as falsificações do Talmud, correntes na França do Caso Dreyfus e na Rússia dos progroms que tingiam o rio Dniester com o sangue das vítimas.
A história se repete.

terça-feira, 17 de janeiro de 2006

A vez do Brasil - Jayme Copstein

Com a eleição de Michelle Basselet para a presidência do Chile, terão as mulheres adquirido presença na política latino-americana? Será apenas um acidente, um incidente ou um modismo, como tantos que banalizam o hoje-em-dia deste planeta? Ou estarão realmente ocupando o lugar que lhes cabe na sociedade, historicamente usurpado pelo homem?
O tema merece reflexão, principalmente para nós, brasileiros. A nossa imprensa, de maneira geral, tem tratado a vitória de Basselet com superficialidade. Não foi eleita por ser mulher, divorciada, socialista e agnóstica, ter dois filhos fora de casamento e manter o que se chama de união informal. Chegou lá porque é figura de proa de um governo que termina mandato com cerca de 70% de aprovação.
Os exemplos repetem-se em vários países do mundo subdesenvolvido, de predominância marcadamente masculina. Afora a Monróvia, que acaba de eleger a primeira presidente do continente africano, as pesquisas indicam que Lourdes Flores Nano poderá tornar-se a presidente do Peru em abril. Se for vencer o pleito, não será por ser o oposto de Michelle Basselet – uma líder conservadora – mas porque é a alternativa para um governo que termina o mandato com apenas 10% de aprovação.
Tudo isso nos diz respeito para que não percamos mais uma vez o trem da história. Nos últimos anos temos uma mulher, Denise Frossard, projetada para a notoriedade ao prender os temíveis bicheiros cariocas, em seu próprio gabinete de juíza, e que agora se agigantou no cenário político como um dos melhores deputados federais dos últimos 50 anos.
Denise Frossard concedeu entrevista para a revista News, órgão de divulgação da Livraria Cultura de São Paulo, edição deste mês e que ainda pode ser obtida gratuitamente ali no Bourbon Country. O seu pensamento sobre problemas brasileiros e as respectivas soluções é lúcido, sensato e com os pés fincados no chão, como poucas vezes percebe-se neste país.
A imprensa maior prestaria serviço melhor se reproduzisse a entrevista em questão. Só como pano de amostra, esta análise perfeita do Estado brasileiro: “(....) não cumpre as funções que, por definição universal, cabem ao Estado. Daí a cruel desigualdade social, a corrupção e a criminalidade recorrente. O Estado Brasileiro está voltado para atender aos partidos, às composições e aos interesses políticos, deixando de cumprir uma função fundamental, que é atender ao interesse público”.
Caberá ao eleitor, um dia, quem sabe em 2010, eleger Denise Frossard sua primeira presidente. É a alternativa para a fauna que polui e apodrece este aprazível pedaço de planeta.

A aposta do comissário - Jayme Copstein

Baixada a poeira da campanha eleitoral, nos bares boêmios da moda paira certa decepção. Michelle Bachellet, a nova presidente do Chile, venceu o pleito, não por suas circunstâncias pessoais de mulher, divorciada, socialista e agnóstica, mas exatamente por ser o “cavalo do comissário”, se permitida a metáfora, ainda que machista, e a concordância informal. A estrita correção gramatical, no caso, afora de mau gosto, seria até ofensiva.
Bachellet foi a candidata da coalizão “Concertación Pela Democracia”, originária da aliança de 17 correntes políticas que deu fim à ditadura de Pinochet. Ao longo do tempo, discordâncias e fusões reduziram a coalizão aos quatro partidos atuais, mas não mudaram o modelo liberal de política econômica, instituído pela ditadura, que tirou o Chile do atraso e o situou na vanguarda, ostentando hoje o menor índice de pobreza entre os países do continente.
Os números mostram que o crescimento não teve nada a ver com a ditadura. Entre 1990 e 2003, Pinochet já enfrentando a Justiça, a pobreza do Chile se reduziu à metade. O número de indigentes, então, desabou para a terça parte.
Este é o país em que os chilenos votaram, conferindo mais um mandato à Concertación Pela Democracia, elegendo Michelle Bachellet para a presidência. Nada a ver com modismos e excentricidades que assumem formas fantasmagóricas nas fumaças e eflúvios dos bares da moda.

O incrível acontece - Jayme Copstein

Que extraordinária a observação do deputado Marcelo Ortiz, do Partido Verde de São Paulo, a respeito da remuneração dos parlamentares. Textualmente: “O Judiciário vai receber R$ 24.500 enquanto continuaremos apenas com os R$ 12 mil. E ninguém acredita que recebemos R$ 9.100 líquidos por mês.”
Puxa vida, que tristeza! Pobre deputado! - nove mil e cem reais por mês, fra o alho. São quinze salário por ano, em 2006 somados com mais dois meses de convocação extraordinária.
Fazendo as contas, e ficando só nos 9.100 reais, representam 26 vezes o novo valor, pedido e ainda não concedido, para o reajuste do salário mínimo. Claro, os 24.500 do Judiciário – o deputado se referia aos ministros do Supremo Tribunal Federal – são 70 vezes esse novo valor.
Trocando em miúdos, já que estamos falando em salário mínimo, um trabalhador comum terá de trabalhar 26 meses – dois anos e dois meses – para somar a remuneração líquida de um deputado federal. Ou 5 anose 8 meses para alcançar os proventos mensais de um ministro do Supremo Tribunal Federal.
Ninguém haveria de negar que membros da mais alta corte do país e deputados federais necessitem perceber bem mais do que o salário mínimo, para atender os gastos com a função. O que há é um enigma, talvez de fácil decifração: a relação entre o pequeno valor do novo salário mínimo, pedido e ainda não concedido, de R$ 350 reais, e as altas remunerações de algumas camadas da população – muito poucas, por sinal.
O que ninguém acredita é que, com R$ 350 reais por mês, alguém possa comer, vestir-se e educar os filhos, para que se tornem bons cidadãos.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2006

A cor da mosca - Jayme Copstein

Publicados os números da primeira pesquisa de intenção de voto para o governo do Estado, a mosca azul começou a zumbir. Todos são vencedores, todos chegarão lá, ainda que, sabido de todos, muitos serão chamados, poucos, escolhidos. No caso, apenas um será eleito.
O que ressalta de tudo isso é a arapuca da política brasileira, não só brasileira, mas de países ainda por amadurecer filosoficamente: o poder não é instrumento de atender às necessidades do povo e da Nação, mas apenas butim, disputado encarniçadamente pelos partidos, com a ideologia esmagada pelos interesses e vaidades pessoais. Esta é a verdadeira cor da mosca.
Não fosse assim, não se daria nenhuma importância a pesquisas de opinião feitas com tanta antecipação. Sem que o debate tenha se iniciado com a campanha eleitoral, o que se pode colher é o sentimento das pessoas no momento da abordagem. É de se imaginar o eleitor, o calor do verão lhe torrando a paciência, querendo mudanças que agitem, só para ter uma aragem que o alivie dos suores. Ou o contrário – não mexe, a gente já está se derretendo parado, não faz onda, por favor.
Ainda bem que o Carnaval está aí, para dar vazão a todas as fantasias.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2006

Sonho de uma noite de verão - Jayme Copstein

A operação tapa-buracos, anunciada em fins de dezembro, é o retrato de corpo inteiro do governo do sr. Luiz Inácio Lula da Silva. Por trás das frases pomposas, a incompetência, a improvisação e a demagogia.
O governo anunciou a tapa-buracos como se fosse uma façanha fora do comum, jamais praticada na história deste país, como o presidente gosta tanto de falar. As equipes do Dnit – Departamento Nacional de Infra-estrutura e Transportes – trabalharam uma madrugada inteira para formular a Operação. Três anos não foram suficientes para levantar quantas estradas necessitam apenas de remendos e quantas estão a exigir obra mais complexa para lhes devolver a trafegabilidade. De repente, em uma madrugada, a solução mágica.
No primeiro momento, a verba anunciada foi de 200 milhões de reais. Como isso não dá para nada, logo em seguida foi mais do que duplicada para 440 milhões de reais.
O jornal Valor acaba de botar as coisas nos seus devidos lugares: 440 milhões de reais é o que a Companhia de Concessões Rodoviárias gasta anualmente para a manutenção pura e simples dos dois mil quilômetros – não os 26.506 quilômetros anunciados na tapa-buracos – são apenas dois mil quilômetros dos trechos que administra no sistema Anhanguera-Bandeirantes e na Via Dutra.
Pois está aí em que consiste o plano mirabolante, gestado na insônia de uma madrugada quente de Brasília. Os buracos serão entupidos de areia e cascalho, maquiados com uma tênue cobertura de asfalto. Voltarão a ser buracos quando as águas de março – obrigado Tom Jobim – fecharem o verão.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2006

Todo o jeitinho será castigado - Jayme Copstein

O jeitinho de que tanto o brasileiro se orgulha é a chave da bagunça que assola o país. Está presente em cada minuto da nossa vida, desde a lata de tíner em um ônibus lotado à escolha do próximo ministro do Supremo Tribunal Federal.
O jeitinho vale para tudo. Para poupar alguns centavos de combustível, utilizando veículo mais apropriado no transporte do produto inflamável ou para transgredir a norma do cinto de segurança. Justifica a compra da peça mais barata, roubada do carro de alguém, o disco pirateado no camelô da esquina, o eletrônico contrabandeado do Paraguai. O que representa em mortes no trânsito, insegurança nas ruas, desemprego e miséria, não entra na conta.
O problema é que o jeitinho é como um câncer. Não poupa nenhum órgão do corpo. Quando um primeiro presidente da República estraçalhou a ética e deu jeito de nomear o amigo do peito, o parente chegado ou correligionário fiel para o Supremo Tribunal Federal, deu o primeiro canhonaço nesta verdadeira briga de bugios em que se transformou o preenchimento de vagas da mais alta corte da Nação.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2006

No país do Saci-Pererê - Jayme Copstein

O uso que se faz do Judiciário no Brasil, encontra exemplo acabado na decisão do Superior Tribunal de Justiça, mandando isentar do imposto de renda o valor dos 10 dias das férias que, eventualmente, empregados vendam aos seus patrões, como a lei permite.
A legislação é clara. Isenta apenas férias indenizadas em rescisões de contratos de trabalho. Mas, como levar vantagem em tudo e também cobrar pedágio sobre espertezas, parece ser a melhor parte da filosofia cabocla, os especialistas em catar vírgulas e pulgas na lei conseguiram separar a palavra indenização do contexto. Já há duas mil ações, percorrendo todas as instâncias até o STJ, entupindo a Justiça, e o pior, o STJ concedendo.
O raciocínio é elementar: se não há rescisão de contrato e o empregado trabalha os dez dias que lhe caberiam de férias, a indenização obtida por eles é semelhante a das horas extras. Portanto, tributável dentro da legislação em vigor.
Como são ações individuais, resulta daí bagunça digna do livro dos recordes: a Receita Federal tem de devolver, corrigido, com juros, o imposto já cobrado, mas continuará cobrando dos que ainda não entraram na Justiça, até a revogação das normas que a obrigam a isso.
E tudo acontece porque este é o país que pedimos a Deus. Quem atendeu, porém, foi o Saci Pererê.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2006

Anedota de português - Jayme Copstein

Um brasileiro, inteligente e espirituoso como todos os brasileiros, desfiava para um português, otário, como todos os portugueses, o interminável rosário de anedotas, com o “Manueli” de personagem.
O português riu de todas as piadas e até contribuiu para uma boa gargalhada. “Que coincidência”, ele disse. “Eu também me chamo Manueli”.
Enquanto os dois conversavam, veio a notícia: no incêndio da Previdência em Brasília, heroicamente os funcionários salvaram um quadro de Picasso que guarnecia as paredes do chefe da repartição.
Praticada a façanha, começaram as indagações. Como um quadro de Picasso, que vale uma fortuna, estava ali, no gabinete do chefe, à mercê dos gatunos ou das baratas, de quem chegasse primeiro.
Ora, chefe é chefe e merece o melhor, apesar de não ter a menor idéia de quem tenha sido Picasso.
Mas como sabiam que o quadro era de Picasso, se não tinha certificado de autenticação? Fora um devedor da Previdência que dera o quadro como pagamento de dívida vultosa e a Previdência aceitou pelo valor alegado, sem nenhuma perícia.
Nesse momento, o brasileiro que desfiava o interminável rosário de anedotas lusitanas, cansou de falar e perguntou ao “Manueli”:
- Vocês não criam anedotas de brasileiro?
O “Manueli” respondeu:
“E precisa?!.

O fim da picada - Jayme Copstein

O quadro que temos diante dos olhos nos mostra um paradoxo: o país vai bem, o governo e os políticos vão muito mal. Donde se deduz que o país andaria bem melhor, se a nossa política não tivesse se contaminado com toda a espécie de delinqüentes que transformaram o patrimônio público em butim de cangaceiros.
“É o fim da picada”, escreve Marcelo Carvalho, de Porto Alegre, ânimo demnolido e pensando até no voto branco ou no voto nulo, não levando em conta que a abstenção não impedirá o acesso dessas pessoas aos cargos eletivos.
O que estamos todos sentindo na carne, é o esgotamento do presidencialismo. Paulo Brossard em artigo publicado segunda-feiras em Zero Hora, sintentizou com notável precisão os seus defeitos e malefícios do sistema: trata os governos, sejam bons ou maus, com a mesma cega inflexibilidade.
O presidente tem dia e hora certa para sair, pouco importa que seja um estadista e devesse seguir conduzindo a Nação aos seus mais altos destinos; ou um demagogo incompetente que devesse ser alijado com urgência, por conduzir a Nação ao caos. O povo há de ficar lamentando a ausência prematura do primeiro, tão logo o mandato se esgote, há de sofrer e suportar a presença do segundo até que o interminável mandato se esgote.
O parlamentaristmo oferece a manutenção ou a correção do rumo, sempre dentro da mais absoluta legalidade. Os exemplos se multiplicam pelo mundo afora. Clássico é o da Inglaterra que chamou Winston Churchill, líder de personalidade forte, quase beirando ao autoritarismo, para resgatá-la da derrota que se desenhava na guerra contra os nazistas. Sobrevindo a paz, na primeira eleição havida, o eleitor inglês entregou reverentemente o boné a Sir Churchill porque os tempos eram outros. Estavam todos muitos agradecidos mas as necessidades do país tinham mudado.
Haverá quem pergunte, como de outras vezes em que o assunto foi abordado aqui – parlamentarismo com esses políticos que aí estão?
Não, com esses políticos que aí estão, conduzidos ao Congresso pela perversão chamada voto proporcional, não. Torna o mandato propriedade do eleito. Não tendo ele nenhuma satisfação a dar aos eleitores, com facilidade transforma o patrimônio público em butim, se cangaceiro for.
A reforma política mais urgente é a instituição do voto distrital. Aquele em que, olho no olho, o político diz ao eleitor do distrito o que se propõe a defender. Aquele em que, também olho no olho, o eleitor cassa o mandato do político se ele trair o voto que recebeu.

terça-feira, 3 de janeiro de 2006

O cantochão de São Jeferson - Jayme Copstein

Enfim, alguém das entranhas do Congresso, porém de indiscutível idoneidade moral, denuncia também o que há muito tempo temos feito aqui: um acordo para abafar o escândalo do mensalão e assegurar impunidade aos corruptos.
É o deputado Osmar Serraglio, impecável relator da CPI dos Correios, que alerta a Nação sobre o que chama de “engenharia”, no caso eufemismo e rima perfeita de patifaria.
O deputado Serraglio preserva uma linguagem contida, com toda a certeza para não se expor a um processo de cassação por denunciar a bandalheira. É só o que falta, dentro do museu de horrores em que se transformou a Câmara Federal, punir a decência. Por isso, talvez não tenha falado também do projeto mais canalha da história parlamentar brasileira: a anistia dos mensalistas cassados.
A imprensa repete o pecado anterior do mensalão, de cuja existência todos sabiam nos corredores do Congresso e só veio a furo porque Roberto Jeferson, desentendido com seus parceiros, decidiu jogar o esterco no ventilador. Ninguém fala que o maremoto de Jeferson, refluiu após ele ameaçar Zé Dirceu em público com os seus “mais baixo instintos”. Cobriu a cabeça de cinzas e o perdoou franciscanamente. Nos corredores, o coro está entoando o cantochão: “É dando que se recebe”.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2006

Em memória de Clóvis Ott - Jayme Copstein

Recebo surpreendido e com imensa tristeza a notícia da morte de Clóvis Ott, maluco genial que vi nascer para o jornalismo, no velho celeiro chamado Diário de Notícias. Desde o início, me pareceu uma espécie nova de Peter Pan, com visão de adulto e coração de criança. Isso o tornava combinação feliz, não muito comum, de talento fora de bitola e decência.

O texto perfeito o trouxe para a jovem Folha da Manhã, da velha Caldas Junior, onde eu trabalhava no Correio do Povo. Em certa manhã, às vésperas de se encerrar o prazo das inscrições para o extinto Prêmio Visconde de Cayru, que destacava reportagens sobre o comércio, li uma reportagem sua, maravilhosa na abordagem humana dos problemas enfrentados pelos pescadores artesanais do Guaíba.

Como se recusasse a inscrever o trabalho no concurso, eu o fiz à sua revelia, e ele só aceitou o fato porque consumado e porque a “ursada” tinha sido obra minha. Quando o resultado saiu, Clóvis era o vencedor e eu, o segundo colocado.

Corri à redação da Folha da Manhã para abraçá-lo e ao mesmo tempo me vingar da sua teimosia, dizendo-lhe: “Tu não entendes nada de jornal, otário!”

Ele não estava. Foi Zeca Vieira da Cunha, outro grande jornalista daquela geração, hoje no leme da revista eletrônica Coletiva.Net, que me informou: “Ele saiu com o Alemão!”

O alemão era Floriano Corrêa, chefe de reportagem e paizão de toda aquela gurizada que começava. Fui encontrar os dois no bar do edifício vizinho, o Clóvis Ott zangado e chorando. Zangado porque achava que não merecia o prêmio, chorando porque tinha me vencido, eu que o inscrevera.

Foi preciso proferir a frase mágica – “Tu não entendes nada de jornal, otário!” – para que todos caíssemos na gargalhada.

Depois disso, muito pouco encontrei Clóvis. Foi para a Europa, fez nome na publicidade, notabilizou-se como correspondente internacional, destacou-se na cobertura da Revolução dos Cravos que devolveu a democracia a Portugal.

Voltou para Porto Alegre nos anos oitenta, mas a cidade já tinha inchado e as muitas passarelas e viadutos haviam terminado com as encruzilhadas mais importantes. As pessoas passam lá cima ou aqui em baixo, como se ocupassem o mesmo lugar no espaço e o pior – sem se enxergar.

Só que o tempo ou a geografia não diminuem nem a admiração nem o afeto que a gente nutre por criaturas como Clóvis Ott. Ele pertence àquela legião dos que sobrevivem para sempre na ternura e na beleza que semeiam no coração de seus semelhantes.

O pau e a cobra - Jayme Copstein

Raul Pont, secretário-geral do PT, tem razão, em boa parte, quando cobra de Luiz Inácio Lula da Silva o nome dos bois. O presidente imola o seu próprio partido para se eximir da responsabilidade pelo mensalão, aparente rótulo novo de velhas patifarias, na verdade, epitáfio de uma utopia.
O PT, ao contrário do gênero humano, nasceu com a virtude original para purificar a Terra e devolver ao homem o paraíso perdido. Mas o roteiro parece ter sido dirigido por algum maluco que, por originalidade, filmasse de trás para diante. Das entranhas de tanta pureza e bem-aventurança, desprendeu-se e foi vomitado um fruto do saber que agora jaz apodrecido na sarjeta.
Quem pecou?
“O PT cometeu um erro incomensurável, de difícil reparação", acusa Lula.
Pont retruca: “Ele ajudaria mais de se dissesse quem o traiu. Uma parte significativa do partido nunca aceitou as coligações e essa política de alianças. Além disso, as pessoas envolvidas eram defensoras do governo e asseguram que tudo foi feito por uma causa maior, o governo Lula."
O que se cobra de todos, de Raul Pont, de Lula, do próprio PT, é a impropriedade do provérbio “matar a cobra e mostrar o pau”.
O importante é mostrar a cobra morta. Mas esta, apesar de não ter braços nem pernas, arpoou Lula pelas costas.