quarta-feira, 30 de agosto de 2006

As moscas do voto - Jayme Copstein

Elio Gaspari, em seu comentário de hoje na Folha de São Paulo, refere-se a entrevista concedida pelo gaúcho Nelson Jobim, criticando o voto proporcional e pregando o voto de lista.
Era só o que faltava na biografia de Jobim para titular-se PhD de raposão da política brasileira. Ele já tinha a seu crédito – confissão pessoal – textos incluídos na Constituição, sem terem sido votados em plenário. Também, sob pretexto de prevenir arbitrariedades contra políticos, como deputado constituinte incluiu na Constituição, como cláusulas pétreas, fundamentos para a legislação libertina que transformou o país em imenso presídio de gente honesta, tal a impunidade garantida a toda a espécie de criminoso.
Repita-se o que já se disse aqui muitas vezes. O voto de lista é uma arapuca, apresentada como varinha de condão para acalmar o eleitor indignado. É mais uma mudança para não mudar coisíssima alguma.
Já temos o voto de lista. É este mesmo voto proporcional, piorado, porque tira do o eleitor o direito de indicar quem será eleito para os mandatos conquistados pela legenda partidária. A escolha passa aos raposões dos partidos, para perpetuar filhosd, genros, amigos do peito e parceiros de gatunagem.
Voto de lista, financiamento público de campanha – tudo é mero engodo. São as famosas reformas feitas periodicamente para não mudar absolutamente nada. No máximo, trocam-se as moscas. O esterco continua o mesmo.

terça-feira, 29 de agosto de 2006

As mudanças do mundo - Jayme Copstein

Deve ter sido o vento que me trouxe, esta manhã, o dobre das matinas em uma igrejinha distante. Pelo menos assim pareceu porque o som vinha em ondas como nos rádios antigos. Naquele tempo, tudo ficava do outro lado da Terra, mas o mundo não era tão cheio de barulhos e cada coisa tinha sua própria sua música.
De repente, dou-me conta que, por distante, a igreja não é necessariamente pequena. Hoje, com o homem deixando pegadas na Lua, tudo fica muito remoto. Os sinos devem ser os da Catedral Metropolitana, dobrando pela morte do arcebispo d. Luciano Mendes de Almeida. E aí me pergunto se as pessoas ainda conhecem o significado da palavra “dobre”, fora do dicionário do jogo.
Provavelmente pouca gente sabe, mesmo porque os sinos já não dobram nas igrejas, grandes ou pequenas. Foram substituídos pela eletrônica, com robôs fingindo ser pessoas, animais ou coisas, ou todo isso ao mesmo tempo, mas tão perfeitos que nos fazem esquecer que os velhos sineiros já não existem mais. Robôs não ficam surdos, não faltam ao serviço, são pontuais, apenas lhes falta a emoção que fazia dos sinos o coração das aldeias.
O sineiro não é, porém, o último símbolo sacrificado ao altar da tecnologia. Os relógios começam a ser devorados pelos telefones celulares e os jornais de hoje trazem a notícia de seus donos debatendo o futuro dos... próprios jornais.
É um mundo em vertiginosa transformação, no qual só o homem não muda. Continua a matar com a mesma ferocidade de quando, ainda habitando cavernas, disputava a presa com o vizinho da caverna ao lado.

segunda-feira, 28 de agosto de 2006

Voto nulo, cheque em branco - Jayme Copstein

Um eleitor, decidido anular o voto, escreve zangado porque se acha atingido em seu direito de opinar sobre voto branco e nulo. Não gostou dos nossos comentários sobre o assunto. Argumenta com uma pergunta: então cheque anulado tem o mesmo valor de cheque em branco?
É difícil explicar, a quem não enxerga a larga diferença entre cheque e voto, que votação anulada, por fraudar a vontade do eleitor, é diferente do voto inutilizado pelo próprio eleitor que apenas se abstém de votar.
O problema é que o verbo anular tem sete significados principais diferentes e mais outros 30 acessórios. Mas vale a comparação. O emitente não anula seu próprio cheque. Apenas só o inutiliza, escrevendo “nulo” ou “anulado”, para dizer que não tem valor. O que anula um cheque é fraude: assinatura falsificada ou alteração do valor. Quem invalida este cheque é a Justiça.
Da mesma maneira que não pode anular um cheque, o eleitor não anula seu voto. Apenas o inutiliza, quer votando nulo ou branco. Em outras palavras, tal como o cheque que deixa de usar, apenas deixa de votar. Não anula eleição alguma.
Contudo, há uma semelhança entre votos e cheques. Voto nulo é cheque em branco para os corruptos que não desejam a concorrência de gente decente. Permite a eleição dos gatunos porque expulsa os honestos da cena política.

Comentários:

Beto: Lula já supera os 50% das intenções de voto. A reeleição de Lula é dada como certa.O que representa a reeleição de Lula? Um cheque em branco. É o documento necessário que comprova a sua total isenção na corrupção petista, é a sua honestidade colocada acima de qualquer suspeita.Com ou sem voto nulo o cheque esta sendo emitido.

Xavier (Curitiba, PR): Como não são contados os brancos e nulos, quem vota assim vota no Lula. Eu acho que tem alguma coisa que não fecha. O plebiscito das armas não era uma vitória fácil do governo? Deu no que deu, não é? Eu acho que vai dar surpresa.

Matias (Novo Hamburgo,RS) - Cada um na sua. Voto nulo para mostrar que não estou de acordo com a roubalheira.

Blog: Quando a gente não está de acordo, protesta. No caso de eleição, vota contra, escolhendo candidato honesto. Quem cala, consente. É um provérbio tão antigo...

Barbosa (Porto Alegre, RS): Estive fazendo as contas da última pesquisa. Tem 17,7% de votos brancos, nulos e indecisos. Então, só 82,3% do eleitorado já clarearam sua decisão. Se Lula tem 51,4% dos votos definidos, significa que tem 42,3% do eleitorado. Ainda está a 7,8% de vitória no primeiro turno. É um caminhão de votos. A imprensa está fazendo o jogo dele.

sexta-feira, 25 de agosto de 2006

Manuel e os impostos - Jayme Copstein

Depois de longo tempo, encontro o Manuel, aquele grande pensador lusitano, autor de um tratado clássico, a “Falhosofia do Poder no Brasil”, e que acha desnecessário inventar anedotas a nosso respeito, pois somos um país gracioso pela própria natureza.
Manuel me pergunta se lembro que alguém havia prometido reduzir os impostos, cobrando os sonegadores, o que jamais fora feito na história deste país. Simples até demais. Sequer era necessária a redução dos gastos públicos. Bastava apertar meia dúzia de caloteiros, se tanto, para transformar o país em uma terra de leite e mel.
Ao mesmo tempo em que a Receita Federal anuncia que aperfeiçoou a cobrança dos impostos e aumentou a arrecadação, o IBGE faz cálculos e demonstra que a carga tributária aumentou para 37,7% do Produto Interno Bruto, algo que efetivamente, jamais aconteceu na história deste país.
O secretário da Receita Federal só faltou dizer que o IBGE falava sem conhecimento de causa, uma explicação que se tira do bolso quando não se tem explicação para dar. Alegou que o aumento da carga tributária é até saudável – para quem ele não disse – porque resulta da maior lucratividade das empresas.
O Manuel disse que agradecia penhorado este tipo de saúde, mas preferia continuar doente. E desandou a perguntar: como pode ter aumentado a lucratividade das empresas se o agronegócio e a indústria estão em crise pela real valorizado que emperra as exportações? Se o desemprego aumentou e a renda do trabalhador diminuiu, como pode haver mais lucratividade e o brasileiro pagar mais impostos?
Sorri amarelo, tentando responder. O Manuel me poupou o trabalho. “Já sei”, ele falou. “Que país gracioso!” E soltou aquela risadinha safada.

Caxias - Jayme Copstein

Hoje, 25 de agosto, deveria ser feriado nacional. A efeméride assinala o nascimento de Luiz Alves de Lima e Silva, o Duque de Caxias, a quem devemos que esse Brasil imenso, estendido do Oiapoque ao Chuí, não tenha se transformado em um amontoado de republiquetas bufas, a guerrear entre si e a empapar de sangue o continente.
Soldado e cidadão exemplar, foi o grande estadista desta Nação. Seu gênio revelou-se desde cedo, quando pacificou o Maranhão e concedeu 12 mil indultos aos revoltosos da Balaiada, aos quais já dispensara tratamento humano quando se renderam.
Há muitas coisas não contadas a seu respeito. Uma delas é que a Campanha do Paraguai estava perdida em 1866, quando ele assumiu das tropas. E que a guerra teria terminado bem, em 1 de janeiro de 1869, com o Paraguai vencido, porém preservado em sua dignidade como Nação, assegurando-se assim o equilíbrio político do Cone Sul.
A História deixou de percorrer os melhores caminhos porque Caxias foi substituído no comando pelo francês Gastão de Orleans, Conde D’Eu, genro do Imperador. Queriam transformá-lo em herói, para lhe assegurar prestígio pessoal, e o trono, à Princesa Isabel. Todos sabemos o que aconteceu.
Nós, gaúchos, particularmente, temos com Caxias dívida de gratidão. Também não se conta que a os farrapos estavam irremediavelmente batidos, em 1845, quando ele lhes ofereceu a paz dos grandes guerreiros, incorporando-os ao Exército Nacional. Quando alguém sugeriu um Te-Deum triunfal para tripudiar sobre os vencidos, recusou, dizendo: “Mandem rezar um missa pela alma dos mortos. Eram todos brasileiros.”
Hoje devia ser feriado nacional. Em hora de Luiz Alves de Lima e Silva, o Duque de Caxias, soldado e estadista que honrou esta Nação.

quinta-feira, 24 de agosto de 2006

Questão de jeito - Jayme Copstein

Qual a diferença entre aquele policial militar, Jorge Carvalho, condenado a 543 anos pela chacina de 29 pessoas na Baixada Fluminense e o assaltante de bancos, Cláudio Adriani Ribeiro, mais conhecido como Papagaio, que fugiu ontem do albergue da Penitenciária do Jacuí, onde cumpria sentença de 22 anos em regime semi-aberto?
Pode-se argumentar que um praticou seus crimes, acobertado pela farda de policial militar, o outro, desafiando as mesmíssimas leis que tornaram o primeiro, agente da eterna luta do bem contra o mal, se é que vale o lugar comum.
Mas é só demorar um pouco mais o olhar para se desembocar na impunidade garantida pelo código feito por suas majestades imperiais, os rábulas de porta de cadeia e enxergá-los como absolutamente iguais. Cumprido um sexto da pena, ambos ganham liberdade. Foi o que propiciou a fuga de Papagaio, após seis meses de controversa progressão do regime fechado para o de semi-aberto. Daqui a cinco anos, vai transformar a impressionante pena de 543 anos do policial militar em piada de salão.
Será realmente o pior, do espetáculo deprimente de impunidade a que diariamente assistimos estarrecidos no pais, os crimes cometidos pelo policial ou por Papagaio? Com toda a certeza, não. Esse pouco “um sexto da pena” cumprido é merecido tanto por Jorge Carvalho como por Papagaio – por incompetentes.
Quem os mandou não ter jeito para a coisa? Por que não se miraram no exemplo salutar dos mensaleiros e sanguessugas, que embolsaram milhões de reais dos cofres públicos e foram os responsáveis pela morte de milhares de brasileiros, ou de fome ou por doença?
É só observar as manobras da direção da Câmara e do Senado para inocentá-los. Algemas e cadeia, mesmo em um paupérrimo “um sexto da pena” para mensaleiros e sanguessugas, só em filmes de terceira categoria, que passam altas horas da noite, quando estão dormindo, nos piores canais de tevê, que eles não ligam.

O Tempora! O Mores!- Jayme Copstein

Convidados da tertúlia promovida por Nelson Wendenkin e a diretoria da Aplub, conversávamos ontem sobre a crise política que levou Getúlio Vargas ao suicídio, em 1954. Éramos três antigos jornalistas com passagem na Última Hora de Samuel Wainer: Carlos Bastos, hoje no Jornal do Comércio de Porto Alegre, Wilson Muller que depois fez carreira como delegado de Polícia, e este comentarista da Rádio Gaúcha.
Analisada a crise de 1954, despida das paixões que a exacerbaram há 52 anos, o estopim que a desencadeou foi o reles financiamento de um jornal para Samuel Wainer defender Vargas, tanto do engajamento de Carlos Lacerda em sua Tribuna da Imprensa como das extorsões de Assis Chateaubriand em seus Diários e Emissoras Associados.
Por que reles, se era dinheiro público e volumoso, como agora, o do mensalão e o do sanguessugas? Primeiro, porque não ia para o bolso de quem quer que seja. Segundo, porque a dívida contraída por Samuel Wainer no Banco do Brasil era significativamente menor do que a dos próprios acusadores, Lacerda e Chateaubriand. E, por último, pelo proveito: Última Hora foi um marco decisivo na modernização da imprensa brasileira.
Quando a crise engolfou a guarda pessoal da Presidência da República, chefiada pelo tosco Gregório Fortunato, Getúlio, mesmo inocente, suicidou-se de vergonha pelo mar de lama sob os seus pés, nos subterrâneos do Catete.
Que tempo aqueles em que um homem caluniado, matava-se de vergonha. E que tempos, esses de hoje, em que mensaleiros e sanguessugas riem sem nenhuma vergonha da perplexidade da Nação.

quarta-feira, 23 de agosto de 2006

O exemplo de Truman - Jayme Copstein

Eleitores me escrevem sobre pesquisas de opinião. Uns, desanimados, manifestam surpresa, outros, intrigados, fazem comparações para demonstrar falta de lógica. A pergunta mais freqüente é se uma pesquisa pode ser fraudado.
É evidente que pode. Qualquer coisa pode ser fraudada. A não ser que se tenha criado alguma artimanha, difícil de ser apurada, ao menos neste momento, nenhum instituo especializado teria interesse em se desmoralizar perante a opinião pública porque seu faturamento depende de prestígio e nada pior, no caso, seria o flagrante da desonestidade.
Vamos lidar, entretanto, com a possibilidade remota de que todos os institutos de pesquisa estejam envolvidos em um conluio. A fraude funcionaria por um fenômeno que Maquiavel já assinalava no século 16: a emoção governa 95% do comportamento político das massas. Só 5 por cento se deixam conduzir pela razão.
O eleitor surpreendido por pesquisas de opinião, tenham ou não fundamento suas suspeitas, melhor andaria afastando de si a emoção que o desanima. Em nome da razão que o faz decidir-se por este ou aquele caminho, deve manter-se firme em sua escolha. O exemplo mais clássico, a demonstrar que eleições se resolvem nas urnas, é o de Harry Truman disputando em 1948, com Thomas Dewey, a presidência dos Estados Unidos.
Baseados em pesquisas de opinião, jornais importantes se anteciparam às urnas e deram em manchete a vitória de Dewey. Um deles foi exibido por Truman, com um sorriso de gozação, logo que a contagem dos votos mostrou que ele era o ve3ncedor.

O grito das ruas - Jayme Copstein

O eleitor vai entender agora porque a batalha pela presidência tanto da Câmara como do Senado é tão encarniçada. As manobras de Aldo Rebello e Renan Calheiros para amorcegar e absolver os delinqüentes de mais um escândalo que choca a Nação, mostra o poder envolvido na disputa.
Se compararmos as gestões de Rebello e Calheiros com a de Severino Cavalcanti, chegamos à conclusão que a mordida no concessionário de um dos restaurantes da Câmara Federal foi mero pretexto para alijá-lo do posto. Se alguém conseguisse gritar de verdade “Polícia” naquele recinto, a debandada dos grandes gatunos, protegidos das respectivas mesas diretoras, esmagaria o simplório e vulgar Severino no mesmo monte de esterco, ao estourar a boiada.
O eleitor conseguiria mais se trocasse os palavrões e desaforos por um redondo “não”, gritado nas ruas. É ele, e tão somente ele, com seu voto na mão, que pode dizer basta aos corruptos e, também e principalmente, aos seus cúmplices.

terça-feira, 22 de agosto de 2006

Língua do pê - Jayme Copstein

Fala-se tanto em reforma política, mas a mais urgente e necessária é repor no lugar uma letra que se finge de séria em nome do povo, mas inicia palavrão. Nem se precisa dizer. É a letra “p”, que sorrateiramente, com padrinhagem do Judiciário, muda de posição e transforma a imunidade parlamentar, garantia do ilimitado direito de opinião, em impunidade para lamentar, salvo-conduto a toda espécie imaginável ou inimaginável de delinqüente, desde que consiga acaudilhar votos de uma massa incauta.
O que Nação assiste é de estarrecer. O presidente da Comissão de Ética e Decoro Parlamentar do Senado, representante do Maranhão de José Sarney, continua negaceando, para transformar em patuscada o julgamento dos três senadores implicados no escândalo das sanguessugas. Ainda não abriu o processo de cassação. Por enquanto, só determinou a apuração da denúncia, para empurrar coma barriga até depois das eleições.
Entretando, foi rápido no gatilho para designar o no processo contra Serys Slhessarenko (PT-MS), o senador Demóstenes Torres (PFL-GO), vice-presidente da mesma Comissão de Ética e Decoro Parlamentar. Demóstenes foi convidado pela própria senadora denunciada, para que relatar o caso, como noticia a Folha de São Paulo de hoje. Sabe-se lá que parolagem está por trás disso.
Fiquemos com a letra “p´”. Em qualquer país sério, onde se exija um mínimo de pudor, os dois senadores já teriam sido destituídos da Comissão por falta de decoro e grave infração à ética, ao pretender obstruir a apuração do escândalo.

segunda-feira, 21 de agosto de 2006

O mundo dos robôs - Jayme Copstein

Os jornais traziam ontem a notícia do advento próximo de uma máquina pensante, que poderia substituir e até dispensar o cérebro humano. É a fantasia, criada com gênio por Stanley Kubrick e Arthur Clarke em 2001, Uma Odisséia no Espaço, e vulgarizada em centenas de filmes de décima-terceira categoria, com robôs escravizando o planeta em uma civilização de ferragens.
Em todas as especulações, menos a de Kubrick e Clarke, falta algo que faz do pensamento um atributo exclusivamente humano, impossível de ser reproduzido pela máquina, por mais perfeita que seja. Chama-se a emoção.
Nada a ver com a percepções física de frio ou calor, liso ou áspero, aroma ou catinga, doce ou amargo, claro ou escuro, som ou silêncio. É a emoção que extrai um Moisés da pedra bruta ou povoar com a música da Heróica a surdez de Beethoven.
Um verso genial do poeta gaúcho Hugo Ramirez diz que o problema do tecnocrata é a sua incapacidade de distinguir entre uma criança e uma parafuso. Um cérebro eletrônico, por mais perfeito que fosse, sempre desembocaria no dilema de produzir mais parafusos e menos crianças para solver uma dificuldade econômica.
É o amor – uma emoção – que nos leva a decidir quantos parafusos são necessários para que mais crianças possam nascer e sobreviver. Esse mundo de robôs, aleijado de sentimentos, já existe, de carne e osso, no fundamentalismo que usa a religião ou a política como instrumento da sua falta de coração.

Visão tardia - Jayme Copstein

Finalmente o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, emérito advogado criminalista, assustado com a violência que assola o país, consegue compreender e admitir o que todos sabiam e até mesmo os criminosos estavam dizendo há muito tempo.
A autoridade dos governantes, delegada legitimamente pelo povo, através de eleições democráticas, não admite vácuos. Qualquer buraco é preenchido imediatamente pela lei do mais do forte.
O que é o estupro, habitualmente praticado por assaltantes, senão a forma mais primitiva de submissão, na posse da fêmea alheia e humilhação do outro macho? O que é a violência gratuita, aquela roleta russa praticada por um assaltante para assassinar um jovem no Rio Grande, ou a bala na virilha uma juíza do Trabalho em São Paulo, que não havia reagido ao assalto, senão uma afirmação de poder arbitrário de quem encontra no bom-mocismo debilóide de determinadas correntes ideológicos, a certeza da impunidade e o convite ao salve-se quem puder?
Pena que o sr. Marcio Thomaz Bastos até agora, como declarou à Veja desta semana, só tenha enxergado a parte que o afetou como ministro da Justiça, diante da violência desencadeada pelo crime chamado organizado. Mas ainda bem que voltou seus olhos para uma distância maior, ao lembrar-se de Montesquieu e o “Espírito das Leis”: não é a virtude dos homens que constrói uma sociedade feliz, mas é a solidez das instituições que inibe os pecados e os impede de desgraçá-la.
Estará aí a abertura do debate para revogar de vez este código feito por rábulas de porta de cadeia que trouxe o Brasil ao caos em que hoje mergulha? Seria um bom tema debate para a presente campanha eleitoral.

sexta-feira, 18 de agosto de 2006

Renovação necessária - Jayme Copstein

A presente campanha vai decidir se é procedente a novidade introduzida nas eleições passadas, quando candidatos obtiveram sucesso, substituindo a costumeira troca de insultos por mensagens cordiais, algumas cheirando bom-mocismo e até se assemelhando a mantras de auto-ajuda.
Novidade mesmo, não é. Quem inaugurou o estilo, ainda nos anos 20 do século passado, foi Getúlio Vargas, quando conseguiu até pacificar o Rio Grande do Sul, mal saído de uma revolução sangrenta. Elegeu-se presidente do Estado e, sempre na mesma afinação, iniciou a trajetória de 15 anos de poder absoluto na presidência da Nação, prolongada após, democraticamente, com mais um mandato obtido na urna. Permaneceria ainda mais tempo na cena política, tanto quanto lhe permitisse a saúde fisica e mental, não tivessem seus próprios correligionários aceitado voltar à troca de insultos, tentada até então, inutilmente, pelos adversários.
O que se viu pelos anos afora, depois disso, transitando por tentativas de golpe, contragolpes, ditaduras e redemocratizações foi o prosseguimento desta encarniçada batalha verbal que tonteia o eleitor e não parece lhe deixar alternativa a não ser a votar nos mais desaforados ou, então, não votar em ninguém.
A presente campanha vai mostrar se a cordialidade, trazida como nova para o debate político, propicia dividendos de fato aos seus proponentes. Caso contrário, para as próximas eleições, haverá necessidade de se criarem novos palavrões. Os que já temos, apesar de incontáveis por numerosos, o máximo que lhes aconteceu foi mudarem de boca. Já cansaram o eleitor, disposto até mesmo a abster-se de votar.

Bons e maus eleitores - Jayme Copstein

Leitor de Zero Hora traz para o debate eleitoral questão já antiga no teatro e no jornalismo: são peças de teatro que fazem os bons atores, ou há maus atores que conseguem tornar medíocre a obra de Shakespeare?
Da mesma forma, em qualquer redação de jornal os “focas” aprendem com os veteranos que não existem temas maiores ou menores. O que há são bons ou maus jornalistas, capazes de enxergar crise de estado em um bate-boca de comadres e vice-versa.
O leitor em questão é o técnico em informática Lauro Becker Júnior, alertando com razão que não existe o mau político para o bom eleitor. Este é um homem atento ao noticiário de rádio, tevê e jornal, e fiscal da conduta não só do candidato em quem votou, mas de todos os políticos. Só assim saberá quem honrou ou desonrou o mandato recebido.
Quem não procede assim, por desinformado, cometerá sempre o mesmo equívoco. Apenas trocará de gatuno em cada eleição. Votará às cegas, como se atirasse com os olhos vendados. Acertará infalivelmente no que não quer.
Pior são os eleitores do voto branco ou nulo, que decidem eximir-se da responsabilidade de escolher. Afora pouco inteligentes, ao contrário do que se julgam, também são injustos. Punem os inocentes e alijam da política os honestos que poderiam tornar o país melhor.

quinta-feira, 17 de agosto de 2006

Milagres do Maranhão - Jayme Copstein

Quem disse que a era dos milagres acabou? Pois um santo homem do Maranhão, o senador João Alberto Souza, devoto do Apostolado de Zé Sarney, aquele cujo governo de triste memória deteriorou o país, acaba de operar um prodígio: a corrupção sem corruptos, só com corruptores.
Que a apuração da fraude das ambulâncias seria parto difícil no Senado, sabia-se desde o princípio. O presidente da casa, Renan Calheiros, também aliado dileto de Zé Sarney, quis engavetar a investigação, pretextando a proximidades das eleições, por mais difícil que seja estabelecer outro vínculo, entre calças e cuecas, que não seja o da vizinhança.
Pois agora é João Alberto, secretário da Mesa Diretora e presidente do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar do Senado, que anuncia, sem sequer contrair um músculo da face, a absolvição liminar dos três senadores acusados de participação no escândalo. Sem examinar as provas documentais coletadas pela CPMI, ele alega que Darci e Luiz Antônio Vedoin, donos da Planam, a empresa envolvida na fraude, são “bandidos” e o que dizem não merece crédito.
Ora, se os Vedoin estão mentindo, no máximo seriam difamadores, mas nunca bandidos. Do contrário, a prevalecer contra eles a própria mentira, estaríamos criando a corrupção sem corruptos, apenas com corruptores.
Aí é que está o milagre. O velho Luiz Gonzaga dizia em um baião, que no Ceará não tem disso não. No Maranhão, tem.
Comentários:
Blog: O senador João Alberto, presidente da Comissão de Ética e Decoro do Senado, negaceou diante da repercussaõ negativa da sua afirmação anterior, que ia arquivar o processo contra os três senadores acusados no escândalos da sanguessugas. Disse que o entenderam mal, que vai examinar as provas e abrir o processo no Senado. Permanece, contudo, a argumentação incial. Indica que vai tentar transformar o julgamwento em uma farsa.
Não há, pois, o que mudar no teor do comentário.

quarta-feira, 16 de agosto de 2006

Bom senso à vista - Jayme Copstein

Enfim, bom senso e realidade na análise da decantada reforma política, em artigo do ex-deputado gaúcho Victor Faccioni, hoje publicado por Zero Hora. Traz ao debate o modelo presidencialista que estabilizou a França e Portugal e o sistema de voto distrital misto, proposto por Milton Campos, que depura o processo eleitoral e garante representação aos partidos menores.
O modelo, cuja adoção é sugerida por Faccioni, foi a solução encontrada por De Gaulle, na França, quando a crise política desembocou no beco sem saída de 1968. Pacificou também Portugal, na encarniçada disputa pelo poder, subseqüente à Revolução dos Cravos. Traz de volta o Poder Moderador, que garantiu ao Brasil Imperial a estabilidade ao longo do Segundo Reinado e foi objeto de tese, levantada por Borges de Medeiros, em 1933, ao constatar aonde tinha nos levado a ditadura positivista implantada em 1889 e da qual, durante um quarto de século, ele próprio havia sido homem forte no Rio Grande do Sul,.
O parlamentarismo puro revela-se inadequado à mentalidade latina, que não consegue livrar-se da figura do “césar augusto”, o mandão, o pai de todos. O modelo, ao estabelecer a eleição direta para presidente da República ao mesmo tempo em que cria o cargo de primeiro-ministro, satisfaz esta necessidade puramente emocional, mas importa as vantagens do parlamentarismo, ao separar a figura de chefe de Estado da figura do chefe do governo.
Como bem Faccioni defende em seu artigo, o modelo estabelece o sistema de responsabilidade política que tanta falta nos faz, nesta época de mensalões, sanguessugas e similares ainda não devidamente rotulados.

terça-feira, 15 de agosto de 2006

O mito do voto nulo - Jayme Copstein

Fico pensando no erro grotesco, cometido quando se erradicou do currículo escolar e universitário, o estudo da organização social e política do Brasil. Foi feito sob o pretexto de ser mera doutrinação do regime militar, sob o rótulo de Estudos de Problemas Brasileiros.
Não se tratava de nada original. Ao tempo do Estado Novo, a cadeira de Moral e Cívica era até mais descarada. Não doutrinava o que quer que fosse, apenas endeusava o “chefe na Nação”.
O nosso fundamentalismo costuma demolir prédios inteiros para consertar apenas algumas goteiras do telhado. Em vez de redefinir os objetivos e conteúdos da matéria, o que se fez foi deixar de lado noções vitais para o exercício da cidadania. De pouco adianta cantar o hino nacional com ar solene quando se ignora o que é o país, como ele funciona, como o cidadão pode manifestar sua concordância ou discordância, para preservar o que quer e eliminar o indesejável.
A conseqüência é a crassa ignorância do brasileiro sobre o processo político do qual ele é agente, mas o qual ele vê como se tratasse de um clube de futebol. Assiste as partidas sem ser sócio, apenas paga entrada e porque pagou entrada, julga-se com o direito de xingar a mãe do juiz, chamar o técnico de burro, dizer palavrões à diretoria e até depredar o estádio. Ingressar em um partido político, falar, debater, arregimentar pessoas que pensem como ele, intervir nas convenções para escolher ou influir na escolha de candidatos, é com os outros, aqueles a quem xinga, não com ele.
Resultado desta alheamento, corre no país uma campanha que, segundo as pesquisas, não chega a engajar mais que 15% dos eleitores, pregando a inutilização do voto para anular o pleito.
O alarmante não é a campanha em si porque é da democracia defender-se idéias que a cada um bem aprouverem, mas o desconhecimento que a sua prática implica mais do que ser mero torcedor de arquibancada, confortavelmente instalado em um par de folgadas bermudas e com o pandulho entupido de cerveja.
O alarmante é a origem da campanha. Não nasce nem é alimentada por analfabetos, mas por pessoas que, supostamente, deveriam ter um mínimo de conhecimentos para justificar os diplomas universitários de que são portadores ou fazem parte daquela importante fração da comunidade que antigamente recebia o nome de classe produtoras.
Notável, também, é a omissão da Justiça Eleitoral para esclarecimento diante da campanha que já há tempo rola pela internet e está iludindo alguns incautos. A lei fala no reconhecimento de eleições onde sejam computados 50 por cento e mais um dos votos válidos. Como o eleitor hoje, no Brasil, não tem como anular voto, pois ele não tem mais cédulas para nelas escrever piadinhas, desenhar obscenidades ou misturar nomes de partidos adversários, o máximo que pode expressar claramente é que não deseja votar em ninguém, ou seja, quer se abster da sua cidadania. Programar teclas para anular o voto é claramente isso. Haver também uma tecla para o voto em branco, quando bastaria “abstenção”para os dois casos, é uma demasia com todo o jeito de piada.
O que pode anular a votação, não o voto, são irregularidades, bem expressas em lei, e nesse caso sim, se as urnas anuladas contiverem 50% mais um dos votos válidos, deverão convocadas novas eleições.
O Judiciário bem poderia esclarecer esta questão. Mas não o faz por uma simples razão: é que nunca aconteceu e, na prática, as possibilidade de que venha a ocorrer são nulas. Como o Judiciário só atua se acionado, e não o será nunca, em vez da resposta, só alimenta mais um mito e contribui para agravar a séria crise em que o país se afoga.

As verdades do ministro - Jayme Copstein

O ministro presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Marco Aurélio de Mello, culpou o eleitor brasileiro pelos políticos que tem e dos quais se queixa com amargura. O ministro tem razão no que diz, e mais autoridade teria ainda o seu dizer a verdade com todas as letras se esclarecesse, também, o besteirol de alguns eleitores, metidos a espertos, que pretendem anular o próximo pleito, inutilizando o voto.
O presidente do TSE não precisaria analisar a falta de sentido de se ver um país sem governantes, entregue, senão ao PCC, a quaisquer outros delinqüentes, seja que ideologia aleguem para se adonarem do poder, sob pretexto de preservar a ordem e a lei, como aconteceu nas ditaduras já havidas e sofridas. Bastaria esclarecer, de uma vez por todas, que a lei fala em votos válidos, e os votos em branco e nulos, a não ser para fins estatísticos, nem são contados.
A Justiça Eleitoral só tem contribuído para aumentar a confusão, ao programar teclas nas urnas eletrônicas para anular voto, uma delas específica para o voto em branco. Ora, conceito de voto nulo implica a impossibilidade de se apurar a intenção do eleitor. Se ele vota deliberadamente “nulo”, é clara e expressa a sua intenção de não votar. Bastaria, portanto, uma única tecla – abstenção.

segunda-feira, 14 de agosto de 2006

A revolução da máfia - Jayme Copstein

O mais extraordinário, neste episódio do seqüestro do jornalista Guilherme Portanova, Rede Globo, é a constatação que os bandidos aprenderam com determinados políticos o papel da imprensa. É o tambor da Nação. É onde ecoam as boas e as más intenções. Mais que necessário, em uma democracia, é vital preservar este papel, para a sociedade as conheça e decida sobre o que convém ou deixa de convir.
Nos últimos tempos, houve várias tentativas de transformar o tambor em zabumba, para anestesiar o povaréu em um forró arretado, enquanto na casa grande os donos do baile atacavam os mensalões com unhas e dentes e serviam ambulâncias a convivas especiais, tudo regado a impunidade.
A máfia dos presídios está dizendo a mesma coisa, com outras palavras: a onda de violência não é contra o povo, mas contra os governantes e a Polícia. O que trocado em miúdos significa: contra a autoridade do Estado, teoricamente a Nação organizada.
Se os governantes e a Polícia são incompetentes ou corruptos, ou as duas coisas ao mesmo tempo, cabe o debate e os caminhos da lei para consertar a deformação. Ao seqüestrarem o jornalista, os bandidos deram um recado, apanhado de ouvido dos que investem contra a democracia, apoiando ações terroristas em todos os países do mundo, depredando congresso ou invadindo propriedade privada: serão bonzinhos se forem bonzinhos com eles.
A história das tiranias, remotas ou recentes, está repleta desses exemplos. Só não vê quem não quer.

sexta-feira, 11 de agosto de 2006

Bancos e bandos - Jayme Copstein

A propósito do comentário de ontem, sobre a obscena agiotagem que dá aos bancos brasileiros, ou com filial no Brasil, o maior lucro do setor em todo o mundo, recebi mensagem de um pequeno empresário, cuja identidade preservo por razões óbvias. É mais uma vítima da gatunagem institucionalizada no país, que inclui desde mensalistas, sanguessugas, superfaturamento das despesas governamentais, mordomias e aos juros extorsivos.
Este pequeno empresário tinha uma metalúrgica que fornecia equipamentos para órgãos públicos. Como se recusou a distribuir propinas, o pouco que conseguiu vender só recebia com grande dificuldade e grande demora. Acabou tendo de recorrer aos bancos porque órgãos públicos, não pagam custas judiciais, são obrigados a recorrer até a última instância. Mesmo condenados, não podem ser executados.
O sistema favorece a corrupção. A pretexto de moralizar, criar dificuldades que só favorecem a venda de facilidades. E aí, à espreita, de rapina, estão os bancos, para extorquir o que sobrar da batalha.
O pequeno empresário que me escreveu refere-se a taxa legal de 12% ao ano, definida pela Constituição. Como está dentro dos 80% do que ainda não foi regulamentado na Carta Magna, por enquanto é letra morta. Pouco importa, entretanto, que já estivesse. A correção monetária acrescentada aos juros, para equilibrar as perdas geradas pela inflação, não guarda nenhuma relação com os números alegados pelo governo. Este diz que a inflação está entre 0,38 a 0,68% ao mês. Os bancos cobram mais de 3% a este título.
Quem está mentindo, o governo ou os bancos? O será que os dois se associaram em bando para enganar o povo?

À espera da peste - Jayme Copstein

Pode parecer piada, mas não é. Os prazos legais assegurados para a ampla defesa e a falta de quorum vão fazer com que a Câmara Federal só julgue os deputados envolvidos no escândalo das sanguessugas na próxima legislatura, quando o atual mandato já estiver esgotado.
Alguns desses ladravazes não são candidatos à reeleição, outros não se reelegerão. À primeira vista, as doideiras da burocracia sugerem que ficarão impunes.
Não é verdade, se tudo o que foi feito até agora não for apenas teatro. O processo de cassação de mandato, iniciado nesta legislatura, só se conclui com o julgamento do plenário, pouco importa em qual legislatura. Inclui também, e é o ponto principal, a cassação dos direitos políticos por três anos. Impedirá todos os condenadosde concorrer as eleições municipais de 2008. Se a condenação vier depois de junho de 2007, estarão fora, também, das eleições de 2010.
Como todos vivemos de esperanças no Brasil, pode ser que nesse meio tempo alguma coisa de bom aconteça em termos de moralidade pública. Se a desonestidade é uma doença crônica no país, quem sabe, de repente, Deus nos manda uma epidemia de decência que nos livre do mal, amén.

quinta-feira, 10 de agosto de 2006

Fumaça numerada - Jayme Copstein

Curioso como a mídia engoliu, sem tugir nem mugir, a entrevista de um dirigente do Bradesco, justificando a exorbitância dos lucros fora de qualquer bitola mundial, obtidos pelo banco. As perguntas do entrevistador era de uma infantilidade e de uma superficialidade comovedoras: diziam respeito nitidamente aos seus problemas pessoais no enfrentamento dos juros extorsivos do cheque especial ou do cartão de crédito.
O banqueiro saiu com aquele caminhão de estatísticas, cortina de fumaça inventada pelos tecnocratas nos anos 60 para esconder o pulo do gato quando se tenta abrir a caixa preta. Candidamente, mostrou os enganos do jornalista. Dos bilhões de reais investidos pelo Bradesco em financiamentos a juros que significariam longa sentença de prisão em qualquer país decente, só 2% estão no cheque especial, onde cobram quase 200% ao ano e assim mesmo porque, como todos sabem, são os maus pagadores que obrigam os coitados dos bancos a cobrar seus prejuízos dos bons pagadores.
O entrevistador limitou-se a perguntar se isso era justo e encerrou a entrevista aí. Mas, e o cadastramento de clientes, cobrado e bem cobrado, também a preços escorchantes, cuja finalidade é apurar se o postulante de um empréstimo tem capacidade para pagar a dívida que contrai, onde fica isso? E essa artimanha que transformou o comércio varejista em mero angariador de empréstimos bancários, a juros mensais de 4,8%, informação sonegada na propaganda enganosa do preço à vista ou em 10 prestações sem juros?
O banqueiro veio com outra conversa mole: 15 bilhões de reais – 25% do investimento é destinado ao financiamento de carros, a juros módicos, pasmem vocês, de apenas 2,7% ao mês. É uma taxa de agiotagem que, em país sério, daria cadeia. Não se precisa de grande pesquisa para desvendar a tramóia: a caderneta de poupança rende entre 0,66% e 0,77% - ou seja, 0,5% ao mês, taxa de juros normal para poupança em qualquer país do mundo, e mais entre 0,15 e 0,22%, correspondente à correção monetária pela inflação, que só existe no Brasil e em alguns outros países em desenvolvimento. Portanto, a taxa de juros para financiamento de carros deveria ser, no máximo de 1,22%. Como se explica o 1,48% a mais, o dobro de que legal e decentemente deveria ser cobrado?
O banqueiro disse, também, que a fonte principal desses lucros alibabescos vinha do setor de seguros. Ah! Os seguros. Há poucos dias, estava nos jornais a denúncia de que participantes de um grupo chamado de executivos, que a seguradora, após 30 anos de religiosa contribuição, havia exigido do segurado o aumento da mensalidade, de 66 reais para 931, 76 – 1.412 % para que a sua família consiga receber os mesmos 81.500 contratados da apólice.
Essa é apenas uma análise superficial deste crime, muito bem organizado e bem argumentado, que se pratica no Brasil, sob o olhar maternal das autoridades ditas políticas, monetária, fazendárias, o que rimar com isso. Em matéria de autoridade moral, isso é outra conversa.

Falta de prática - Jayme Copstein

Com toda a franqueza, não sei por que tanta alaúza com a roubalheira descoberta em Rondônia. É como se este país fosse um convento: de repente, descobriu-se que Messalina infiltrou-se entre as virginais noviças, para corrompê-las a serviço de Belzebu.
Está bem, o presidente do Tribunal de Justiça do Estado era o chefe da quadrilha. Qual a novidade de juízes envolvidos em falcatruas?. E o popularíssimo Lalau? E o expertíssimo Rocha Mattos?
Está bem, o presidente da Assembléia Legislativa de Rondônia também era capo da máfia que assaltava os cofres públicos. Grande África: e o trêfego Severino, que teve de sair correndo da Câmara Federal, por estar extorquindo o concessionário de um dos restaurantes da casa? E a vergonheira do acordo para absolver deputados envolvidos no escândalo do mensalão?
Não se discute: o candidato a vice-governador de Rondônia teve de renunciar à candidatura porque, provavelmente, teria de fazer campanha dentro de uma cela da Polícia Federal. Mas, e o ministro da Casa Civil da Presidência da República, saído depressa do cargo, para não arruinar um homem inocente que, pasmem, não sabia o que estava ocorrendo na sala ao lado.
O grande problema é o dos jornalistas que aprenderam a vida toda que o corriqueiro, não – só a anomalia, o aberrante é notícia.
Mas – e aquele homem honesto, o único entre os 24 deputados da Assembléia de Rondônia, cujo nome nem foi destaque nas manchetes? Como se vai noticiar isso - um homem honesto?!?
Não sei a resposta. É falta de prática.

quarta-feira, 9 de agosto de 2006

Um animal perplexo- Jayme Copstein

Se o homem é um animal político como disse Aristóteles, o brasileiro com toda a certeza é um animal perplexo. Ilha cercada de corrupção por todos os lados, tem diante de si aquela interrogação que pais fazem, ao descobrir filhos transviados: onde foi que erramos?
A visão é desoladora. Em uma instância superior do Judiciário, Estado de Rondônia, o chefe da quadrilha é nada menos que o presidente do Tribunal de Justiça. Não se vai falar do seu parceiro no Legislativo, presidente da Assembléia Legislativa do Estado, porque é mero aprendiz de feiticeiro, diante da roubalheira desenfreada de seus colegas sanguessugas e mensaleiros do Congresso Nacional. Claro, tudo sob a santa e universal ignorância do Executivo, apesar da tramóia ser arquitetada nas ante-salas da presidência ou ter a participação de ministros de Estados.
É evidente, esta visão desoladora não pode ser generalizada, mas não se trata só dos “grandes” lá de cima. No presídio de Avaré, Estado de São Paulo, um mero inspetor de disciplina vende aos bandidos o comando do terrorismo urbano. Em Curitiba, um simples policial militar espanta gatunos, para poder, ele próprio furtar tranqüilamente, o som de um carro arrombado.
Terá tudo isso começado agora, será sinal dos tempos? Nas suas efemérides brasileiras, o Barão do Rio Branco conta que no fim do século 17, em plena monarquia absolutista, o recém implantado serviço postal brasileiro foi desativado porque o concessionário fugiu com os valores confiados pelos usuários.
Fica a este animal perplexo chamado brasileiro, a pergunta dos pais: onde foi que erramos? A resposta é contundente: nós nunca acertamos.

Comentários:

José Carlos da Fonseca (São Francisco de Paula, RS)
: Os policias que furtaram o cd player são de Curitiba, Paraná, não do Rio de Janeiro, como pode ser visto em
http://jg.globo.com/JGlobo/0,19125,VTJ0-2742-20060807-181226,00.html.
Blog: O Fonseca tem toda a razão. Já está corrigido.

terça-feira, 8 de agosto de 2006

Canto de quero-quero - Jayme Copstein

Na sexta-feira passada circulava na Internet rumor de que o PCC estava prestes a atacar em São Paulo, em ação deliberada, conseqüente à evolução das pesquisas eleitorais. Realmente aconteceu no fim de semana, tirando de foco a reduzida assistência de eleitores a um comício em Minas Gerais, com algo jamais ocorrido antes na história deste país: dois palanques, um para os honestos nem tão honestos, pois não dispensam os votos dos corruptos, estes isolados no segundo palanque.
Como a Internet é terra de todos por ser terra de ninguém, o que, se permitido o trocadilho, põe por terra as utopias do anarquismo, não se deu crédito à advertência, creditada às quizílias eleitorais. Só que o que se pode tomar por denúncia preocupante tirou de foco outras notícia, estas, sim, alarmante, qual seja a da ação de extremistas do MST e similares doutrinando garotos em escolas do Interior do Brasil.
O modelo é semelhante a organizações terroristas do resto do mundo, como o Hizbollah, Farcs, ETA, engajando adolescentes, em versão depurada da Legião Estrangeira, instrumento da França para fazer sangrar a África do Norte, no mais brutal colonialismo que a história dos povos registra. Algumas dessas organizações, cansadas da violência que praticaram por incitamento de potências estrangeiras, acabaram integradas no processo democrático, onde concorrem opondo legalmente suas idéias às de seus antagonistas, como é caso da Grã-Bretanha..
O problema, no caso brasileiro é que o ministro da Justiça é parte da pantomima. Não há como interpretar de outra maneira a sua declaração aos jornais, que se sente amedrontado diante da situação de São Paulo. É confissão de incompetência? Por que não se demite, então, se é incapaz para enfrentar a violência?
Cheira mais a canto de quero-quero. Grita em um lado do campo para esconder o ninho que está bem longe, lá do outro do lado.

segunda-feira, 7 de agosto de 2006

Em memória de Nelson Cardoso - Jayme Copstein

Foi nosso colega Felipe Vieira, da Band, que me ligou para dar a notícia, no fim da tarde. Havia falecido Nelson Cardoso, um dos grandes nomes do rádio antigo e pioneiro da televisão no Rio Grande do Sul.
Instantaneamente me vieram à lembrança cenas daquele passado distante, na metade final dos anos 40, quando ambos, pouco mais que meninos, começávamos nossa carreira em Porto Alegre, escrevendo programas para a Rádio Farroupilha, cujo prefixo, então, era PRH.2. Logo em seguida, Nelson Cardoso projetou seu nome como criador e redator de coisas inesquecíveis, como Banca de Sapateiro, Qual o nome desta mulher, Páginas da Vida e mais uma infinidades de outras obra-primas.
Seu personagem mais popular foi o sapateiro da banca, criado inicialmente por Walter Ferreira e depois continuado até o fim por Walter Broda, tendo o contra-ponto de Pinguinho e Alda Cotrim, sucedida mais tarde por Marisa Fernanda, na pele da dengosa dona Clarinda. Mas se essas foram as figuras mais marcantes do seu repertório, Nelson Cardoso criou também bordões que se perpetuaram, como “trabalhas na casa? Descontas INPS?” Ou então, o gostoso “fritador de bolinhos em caçarola de matéria plástica”, para fustigar políticos demagogos, cujo discurso cheio de voltas não quer dizer coisíssima alguma.
Os despojos de Nelson Cardoso foram cremados ontem ao entardecer, e isso é da contingência humana. Mas a sua contribuição para um rádio e uma televisão que divertisse, entretivesse e instruísse os ouvintes e telespectadores ficará para sempre, a não ser que sejamos derrotados no desafio que nos é imposto nos dias que correm: a batalha travada contra a ignorância, a falta de ética e a mediocridade.

Atrás da máscara - Jayme Copstein

Reportagem da Folha de São Paulo de sábado mostram a distorção dos noticiosos da TV Globo, ao fazer um obsessivo balanço de “brasileiros mortos”, nos primeiros dias da guerra no Oriente Médio. A matéria, assinada por Marcelo Ninio, relata a morte de um “Brasileiro lutando pelo Hizbollah”, cuja família mora em Itapevi, no Estado de São Paulo. Chamava-se Ibrahim Saleh, tinha 17 anos, mas “vivia no Líbano desde o nascimento” – palavras textuais do repórter – sem nunca ter vindo ao Brasil. Ou seja, era libanês, mas tinha passaporte brasileiro porque sua mãe nasceu no Brasil, o que lhe deu direito à dupla cidadania, da mesma maneira que a mulher do presidente Lula, Marisa Letícia Rocco Casa, adquiriu passaporte italiano, sem saber sequer falar italiano e sem ter pisado uma vez que fosse na Itália, antes de se tornar primeira-dama..
A mãe de Ibrahim, sempre segundo a reportagem, não chora pelo filho morto. Sente-se orgulhosa porque estava preparada para isso desde que o rapaz ingressou ainda menino no Hizbollah. Como muitas crianças xiitas no sul do Líbano, apesar de matriculado em escolas libanesas, recebia treinamento secreto da organização terrorista, sem que nem mesmo os pais soubessem “onde ou como isso é feito” – palavras textuais da mãe.
Deixemos aos sentimentos de cada um a visão deste personagem da tragédia do Oriente Médio, cuja trajetória ressuscita a educação para morte com que os nazistas condicionavam as crianças alemãs. Mas noticiar fatos como este, rotulando-os de “brasileiros mortos por israelenses”, é reviver no Brasil, disfarçado de pacifismo e anti-sionismo, o velho, nojento e odioso anti-semitismo.

Comentários:

Anônimo: Só os judeus é que têm razão (...)

Blog:
1. Debater não é insultar. O restante do seu comentário foi cortado por ser insultuoso e conter palavrões. Em nenhum momento, o senhor diz que o fato relatado é falso ou distorcido. Há uma regra aqui: a veemência tem os limites da civilidade. Se prefere insultos e palavrões, está no blog errado.
2. Por que ficou tão zangado com a RBS? A reportagem sobre o "brasileiro" morto do Hizbollah era da Folha de São Paulo. Está citado no texto. A Zero Hora fez reportagem idêntica, mas sobre um adolescente que preferiu vir para o Brasil, dar curso aos seus sonhos de ser jogador de futebol. Ou seja, viver paz. Será que foi isso que o irritou?
3.

sexta-feira, 4 de agosto de 2006

A estopa do prego - Jayme Copstein

Terá sido manobra, ao estilo Hugo Chaves, para se perpetuar no poder, ou apenas factóide, com vistas às próximas eleições ou puro besteirol, a sugerida convocação da Assembléia Nacional Constituinte para superar dificuldades de uma reforma política no Brasil?
Surpreendam-se: foi mero engodo com o propósito imoral de abafar um escândalo maior que os escândalos que abalaram recentemente a Nação: as manobras do próprio governo e de sua chamada base aliada arquivar as denúncias sob o rótulo de intriga da oposição.
Nada de gratuito na afirmação. É só comparar o noticiário de ontem com a ginga de hoje do ministro Tarso Genro, dizendo que apenas se pretendeu abrir o debate. Acrescente-se a negativa da comissão de juristas, de que deles houvesse partido a sugestão, ao contrário do que o Planalto quis insinuar.
Quem levantou o assunto ao final da reunião foi o ministro Tarso Genro. A revelação é do professor Eduardo Carrion, da Faculdade de Direito da UFRGS. Alguns membros da comissão apoiaram individualmente a idéia em tese, mas ninguém falou em nome de todos ou de alguma entidade.
O que a comissão de juristas fazia, então, no Planalto, com o presidente Lula e o ministro Tarso Genro? Convocada pelo governo, foi apresentar sugestões para limitar o que o presidente Lula chamou “violência das CPIs do Congresso”. Falando claramente, castrar o Congresso, restringir seus poderes de investigar a corrupção e neutralizar os negados efeitos do mensalão, cuja impunidade foi festejada até por bailarinas.
A Constituinte entrou aí como estopa para abafar as marteladas no prego.

quinta-feira, 3 de agosto de 2006

Impunidade proverbial - Jayme Copstein

Ralph J. Hofmann, colaborador deste blog, manda mais uma contribuição interessante. Refere-se ao projeto que anda pelo congresso, objeto até de café-da-manhã da cartolagem futebolística, instituindo mais uma loteria, cujos lucros reverteriam aos clubes para pagar aquele mais de bilhão e meio sonegados à Previdência Social.
Hofmann faz uma pergunta muito oportuna: mas nos anos sessenta, já não houve a Loteria Esportiva para financiar os clubes de futebol? E não se repetiu a dose com a Lei Pelé, que liberou a jogatina dos bingos?
Há duas respostas possíveis para estas indagações: ou os anões do orçamento, os mensaleiros e os sanguessugas foram muito além dos dinheiros públicos ou a eles se juntou a cartolagem futebolística. Dinheiro houve. Aonde foi parar?
Há um problema de desigualdade de tratamento. Quando se trata de um empresário que gera empregos e movimenta a economia, qualquer transgressão, por pequena que seja, recebe nome engenhoso – operação isso, operação aquilo – e vai parar com estardalhaço na tevê, no rádio e nos jornais. Quando se trata da cartolagem futebolística, sequer a investigação é feita. Pelo contrário, inventam-se mais cornucópias para que o dinheiro ainda caia com maior abundância neste verdadeiro saco sem fundo.
A propósito, torcedores de dois clubes de futebol de Porto Alegre foram flagrados em crimes de perturbação da ordem pública. Enquanto uns somaram desacato à autoridade, agressão e tentativa de assassinato, outros portavam uma grande quantidade de explosivos, que não se compra com meia dúzia de vinténs no camelô da esquina.
Além de não se procurar identificar que financiou a compra do foguetório, não tem ninguém cadeia. Foram todos soltos para responder em liberdade, e em liberdade comemorarem a proverbial impunidade que reina no país.

Os enigmas de uma notícia - Jayme Copstein

A proposta do governo, de convocar uma Assembléia Nacional Constituinte Exclusiva, só pode ser interpretada como factóide, às vésperas das eleições, ou tentativa de golpe branco, como ocorreu na Venezuela, onde os eleitores que se têm por espertos decidiram não participar da votação e perpetuaram Hugo Chaves no poder.
Os argentinos também caíram na esparrela. O seu Congresso acaba de dar superpoderes ao presidente Kirchner para manejar o orçamento. A partir daí, a fronteira para uma ditadura legalizada é muito tênue.
Que deve ser factóide diante de algum desconforto que as pesquisas eleitorais revelaram ao Planalto, a prova está no nome: assembléia constituinte exclusiva. Se o objetivo é apenas a reforma política, deveria ser assembléia nacional específica. O termo “exclusiva” não restringe os poderes da constituinte convocada. Legalmente isso nem existe. É usado no Brasil, para dizer que os constituintes têm como missão elaborar uma nova Constituição. Depois voltam para casa porque seu mandato se esgota aí.
Não há, pois, nenhuma intenção de se convocar assembléia alguma. Intrigante é que a idéia parece ter partido do ministro Tarso Genro, jurista tão competente que até teve o nome aventado para o Supremo Tribunal Federal há pouco tempo. Depois de reunião com outros juristas, onde o presidente Luiz Luiz Inácio Lula da Silva era peixe fora dágua, a proposta foi divulgada.
Será verdade, como dizem, que a ignorância é contagiosa? Quanto enigma em uma simples notícia...

quarta-feira, 2 de agosto de 2006

Conversa mole - Jayme Copstein

De volta às páginas dos jornais, a disposição de uma minoria de eleitores – não chega a 20% - de anular o voto ou votar em branco. No seu exaspero diante de tanta corrupção e impunidade, essas pessoas não querem outra coisa senão dar recado aos políticos, como uma senhora declarou à Zero Hora ontem, sem se dar conta de que os políticos dos quais fala não estão nem aí para recados. No máximo, darão gostosas risadas porque seus cabos eleitorais lhes conseguirão os votos necessários para se reelegerem.
Esses eleitores indignados não percebem a diferença entre anular a votação e anular voto. Também, que uma eleição só é anulada se a votação anulada, não de todo os votos, somar 50,01% dos votos depositados nas urnas anuladas. Assim sendo, se não houver este número de urnas anuladas e todos eleitores anularem seu voto, havendo um único voto válido no candidato, o dele próprio, ele está eleito.
O eleitor não tem como anular a votação. Isso só acontece, como determina a legislação eleitoral, se a urna recolher votos perante mesa não nomeada pelo juiz eleitoral ou constituída ilegalmente; se a votação for feita fora do dia, hora ou local designado e quando quebrado o sigilo da urna.
Portanto, o eleitor só pode anular o seu próprio voto. Se todos os eleitores de uma determinada urna, anularem seu voto, não anulam a votação daquela urna. Apenas não serão contados como votos válidos.
O resto, do ponto de vista legal, é papagaiada. As pessoas que não se queixem depois por terem ido através de conversa.

Mágicas e milagres - Jayme Copstein

O fim da reeleição já passou pela Comissão de Constitição e Justiça do Senado e deve ser aprovada antes das eleições de 1º de outubro. É bom, ainda que não resolva os problemas do nosso presidencialismo, regime que elege uma espécie de mágico de palco para fazer milagres, que todos sabem ser pura tapeação, como a de tirar moeda do nariz de incautos, de onde a única coisa que pode sair é craca. Nos bastidores, os assistentes, de apelido “aliados”, ocupam-se em assaltar o tesouro.
Já que não se consegue o melhor, o parlamentarismo, que seja o menos pior, para evitar o que está acontecendo, com o país paralisado, enquanto o ministro da Fazenda afrouxa o controlem e arrisca a estabilidade das finanças. Advertência séria sobre a gravidade da situação vem do próprio ministro da Agricultura, Luiz Carlos Guedes Pinto, recém empossado, advertindo que a demora na aprovação de 536 projetos de pesquisa de transgênicos, boa parte deles da Embrapa, está favorecendo as multinacionais.
Festejado ao assumir a pasta pelos xiitas queimadores de lavouras experimentais, o ministro argumenta, com bom-senso, que o debate dos transgênicos se deve à falta de informação das pessoas e tem de ser posto em plano mais racional. São usados há mais de 10 anos no mundo e até hoje não foi identificado um mal decorrente deles. Esta afirmação deve ser posta entre aspas, pois é transcrição do que ele declarou à Folha de São Paulo, em entrevista publicada hoje.
É só avançar um pouco na entrevista de Guedes Pintio para ver os males da reeleição: o Brasil está estrangulado no escoamento da produção agrícola pela insuficiência e desaparelhamento das ferrovias e dos portos, o que encarece preços e tira a competitividade. O dinheiro para resolver o problema está sumido nas cuecas do mensaleiros e dos sanguessugas e também na demagogia da reeleição.

terça-feira, 1 de agosto de 2006

A recompensa - Jayme Copstein

A gente conhece pouco da Noruega e bastante do Brasil. É claro: a Noruega pode até ser uma mentira da geografia, como a gente vai saber? O Brasil, não, o Brasil é este país em que nascemos e tanto amamos.
Que coincidência: eu lia uma nota biográfica sobre o norueguês Max Manus, quando um amigo me telefona para dizer soube que José Genoíno estava sendo recompensado com mil 100 mil reais pelo seu acendrado patriotismo durante o regime militar. Não sabia onde tinha lido nem quando, mas estava indignado porque José Genoíno fora ejetado da presidência do PT na explosão do mensalão.
Que o irmão do Genoíno era o chefe do inventivo camarada que carregava dinheiro nas cuecas, e eu cortei o papo, dizendo que sem fonte, não é possível. A gente acaba propagando boatos. Que ele ouvisse sobre o Max Manus, sobre quem eu estava lendo.
Tinha sido herói norueguês da resistência aos nazistas, durante a Segunda Guerra Mundial. Foi preso, torturado, conseguiu fugir e passou do tempo sabotando o inimigo e arriscando a vida.
Quando terminou a guerra, a recompensa: pode desfilar orgulhoso, pelas ruas de Oslo, no carro ao lado rei, enquanto a multidão o aplaudia. Depois, dissolveu-se entre os demais noruegueses, ganhando a vida como vendedor de material de escritório.
Meu amigo me interrompeu: “Para de conversa mole. O que quero eu com a Noruega?”, perguntou indignado.
- De fato, respondi, é um país muito atrasado, cheio de políticos honestos e sem de vigaristas que se disfarcem de heróis para parasitar o tesouro público.
Meu amigo enfureceu ainda mais e me xingou, antes de desligar: “Andou bebendo, é !?”

A outra metade - Jayme Copstein

Sem maior destaque, alguns jornais noticiando apenas hoje, terça-feira, outros nem isso, morreu sábado na França, aos 76 anos de idade, o historiador Pierre Vidal-Naquet. Especialista em história grega antiga, Vidal-Naquet foi o grande debatedor na polêmica surgida ao fim dos anos 80, quando o anti-semitismo camuflou-se de anti-sionismo. Surgiu, então, a negação do Holocausto, o trucidamento premeditado de judeus, ciganos, homossexuais e deficientes, praticado pelos nazistas.
A tese de que o Holocausto era uma mentira sionista foi defendida por Robert Faurisson, professor universitário, também francês, cujos argumentos ainda mais deturpados são usados no lixo racista que gerou processos e condenações por difamação em vários tribunais pelo mundo afora.
Faurisson teve, a certa altura da polêmica, o apoio de Noah Chomsky, conhecido no Brasil por suas participações no Fórum Social Mundial, onde comprovou o que já se sabia antes: sua genialidade e lucidez não conseguem sobreviver fora da lingüística. Escreveu um prefácio para o livro de Faurisson, admitindo que não o lera, que sabia pouco dos temas abordados e sobre eles não tinha provas particulares. Apenas defendia a liberdade de expressão.
Vidal-Naquet liquidou a questão no livro “Assassinos da memória”, do qual existe tradução em português, da Editora Papirus. Dissecou as teses de Faurisson, mostrando que duas meias verdades não somam uma verdade inteira. Temperadas com interesses políticos e com outras meias verdades arrebanhadas pelo caminho, acabam desaguando em um oceano de mentiras com ar de verossimilhança.
O fato é que a nota biográfica de Pierre-Vidal Naquet, assinalando a sua morte recente, omite tudo isso. Fica-se com a impressão de que a outra metade da verdade, a que de fato somaria a verdade inteira, é escamoteada para que convenientemente não apareça.