quinta-feira, 28 de setembro de 2006

A magia dos pajés - Jayme Copsterin

O país terá hoje a oportunidade, talvez única em muitos anos, de assistir a um debate entre candidatos à presidência da República.
É única pelas circunstâncias, não pela forma. É necessário esperar para ver se o passionalismo e a malandragem que se sobrepõem à pratica política no país não a inutilizarão, como fizeram sistematicamente com as tentativas anteriores.
Debate político no Brasil não passa de uma batalha de marqueteiros, torneando da frase à gravata, a postura de quem os contratou. Confronto de idéias nem pensar.
Soma-se a isso a charlatanice que contribui, mesmo involuntariamente, para sacramentar jogadas de marketing com dados de pesquisas eleitorais. Temos, os brasileiros, irreprimível paixão por predizer bom ou mau tempo, resultado do futebol, o bicho que vai dar, enfim, substituir a razão e o conhecimento pela magia do pajé.
Não se leva em conta a dificuldade de qualquer certeza em um universo de 123 milhões de eleitores, onde os levantamentos contam com margens de erro entre 2 e 3 por cento: significa mais de dois milhões de votos indecifráveis, somando-se a 9 por cento – em torno de outros 12 milhões de eleitores – dispostos, ao menos é o que dizem, a abster-se ou anular o voto. Em outras palavras, não há como predizer nada quando nada se sabe de 11 por cento da votação, o dobro da diferença que nos separa da possibilidade de segundo turno.
Todos esses pecados podem, de novo, inutilizar a oportunidade de hoje e transformar o confronto de idéias em exibições circenses: o dono da melhor piada, o boxeador da melhor pancada e até o vigarista da melhor cantada.

quarta-feira, 27 de setembro de 2006

Os talentos do ministro - Jayme Copstein

Chama a atenção neste escândalo do dossiê, a atuação do próprio ministro da Justiça. Desde o princípio, Márcio Thomaz Bastos manobra inequivocamente para abafar o caso.
Não bastasse a determinação de impedir a publicação das imagens do dinheiro apreendido, para “evitar exploração eleitoral”, segundo a esdrúxula explicação do próprio ministro, a Polícia Federal alardeia hoje que os dólares encontrados entraram legalmente no país.
Ora, isso só tem um significado: é que esses dólares não foram encontrados nas cuecas de ninguém, como no caso do mensalão. Mostra, no máximo, avanço em matéria de transporte de valores por parte do crime desorganizado que se instalou confortavelmente no poder.
Contudo, não dá origem legal ao dinheiro apreendido. Nem esta é a questão principal. Seja qual for a resposta, não atenua a gravidade do escândalo do dossiê em si. A origem do dinheiro apenas acrescentaria, se ilícita a fonte ou a origem, mais um crime aos muitos já praticados pelos envolvidos.
O sr. Márcio Thomaz Bastos de novo exibe seu exuberante talento de advogado criminalista.
Como ministro Justiça, nem tanto...

terça-feira, 26 de setembro de 2006

Razão e fanatismo - Jayme Copstein

O jornalista e escritor Eduardo Weiss, que honra o nosso Brasil na Madrugada com sua audiência, escreve sobre reação de determinados setores do islamismo às palavras do Papa Bento XVI.
São procedentes as considerações do Eduardo Weiss. Ouçam:
“Sem dúvida há que se manter a serenidade: sem ela não existe diálogo e entendimento. Parece-me que a tese de Caio Blinder, exposta no programa Manhattan Connection, faz sentido: João Paulo II notabilizou seu pontificado promovendo a crítica ao marxismo, à época da Cortina de Ferro. Ratzinger pretende marcar sua passagem propondo debate aberto com o Islã. Portanto, seu discurso ácido teria sido proposital, a fim de repercutir e provocar reações.
Em teologia, os debates costumam ser passionais, mas quando a razão é abolida, abre-se a seara do fanatismo, nefasto seja qual for a religião. O Papa não se retratou publicamente em relação a seu discurso, mas pode e até deve explicar seu ponto de vista pessoalmente junto a cada líder islâmico inteligente que aceitar o desafio sadio de argumentar e defender idéias à luz do espírito democrático. Concordar ou discordar, mais que um direito, é um príncipio. Trata-se de condição fundamental para o diálogo e o entendimento.”
O noticiário recente nos dá conta de reunião de Bento XVI com líderes islâmicos, para debater a questão da coexistência pacífica de todas as religiões. O que chama a atenção são as distorções da natureza do incidente, com o claro objetivo de tornar as religiões instrumento de luta pelo poder.
A advertência do jornalista e escritor Eduardo Weiss toca no fundamento da questão: “quando a racionalidade é abolida, abre-se a seara do fanatismo, nefasto seja qual for a religião”. Ao que pode ser acrescentado: também quando a razão é substituída pela safadeza, seja qual for a ideologia.

Fatuidade - Jayme Copstein

Por mais que busque, não se encontra palavra tão adequada para a atual tendência da mídia como fatuidade. Não há outra maneira de se conceituar o destaque dado pelos jornais, revistas, rádio e tevê, às cenas de sexo explícito, protagonizadas por Daniela Cicarelli na Espanha.
A revista IstoÉ, por exemplo, dedica generoso espaço, no qual a hipocrisia substitui o moralismo: teria ou não havido invasão de privacidade na filmagem de uma exibição pública onde se desconsidera que testemunhas ocasionais – quatro famílias, segundo a notícia – sequer teriam como dizer se queriam ou não ver aquilo.
Bacharéis bizantinos foram chamados a opinar e naturalmente atualizaram a discussão sobre o sexo dos anjos para anjos fazendo sexo, mesmo que sejam pura construção da propaganda. Só faltou, para completar tão edificantes elucubrações, algum rábula para levantasse os prejuízos dos sites profissionais de pornografia, alegando concorrência desleal, pela disponibilidade gratuita da desprendida Cicarelli.
O que não está sendo falado no suposto escândalo é o proveito comercial que dele resultará. Dizem que a General Motors cancelou uma campanha em que Cicarelli promovia seus mais recentes carrões. Em compensação, o que ela vai faturar com roupas íntimas, cosméticos, perfumes e similares não está na mídia.

segunda-feira, 25 de setembro de 2006

O nome da crise - Jayme Copstein

Teremos muita sorte se, neste escândalo que abala a democracia brasileira, não forem de novo jogados no lixo, além de mais 20 anos de história, os sacrifícios que todos fizemos para chegar à estabilidade financeira. De alguma maneira, parecemos formigas que passam o tempo inteiro reconstruindo o formigueiro pisoteado.
Não há como fugir da realidade. A economia mundial começa a entrar em recessão. Graças à corrupção que se instaurou nas próprias entranhas do Estado, estamos novamente em situação de fragilidade.
Além do impacto crescente, pois jamais no passado um governo mergulhou tão fundo na imoralidade, é possível identificar-se a crise como a mesma que se faz presente desde a proclamação da República, quando um golpe de Estado baniu o bom e velho parlamentarismo, para despencar na ditadura presidencialista. Desde então, o país só tem mergulhado em uma encarniçada e inesgotável luta pelo poder, que entremeia ditaduras ferozes com roubalheiras desenfreadas. Isso quando não casa ditadores e corruptos no mesmo saco de gatos.
A solução é retornar ao passado, mas sem a figura mitológica de um imperador, em cujo DNA foi gerada a depravada imagem do pai da pátria que nos mantém algemados ao atraso e à pobreza. Parlamentarismo com voto distrital haveria de resolver rapidamente a crise, com a demissão sumária de governantes corruptos e a retomada do mandato de parlamentares que com eles se acumpliciam.

quinta-feira, 21 de setembro de 2006

A arte de sofismar - Jayme Copstein

Merece análise a queixa do líder petista gaúcho Raul Pont, em relação à imprensa, publicada em Zero Hora de hoje. Segundo Pont, a cobertura da mídia ao caso é parcial porque dá mais ênfase à barafunda do dossiê que às denúncias de envolvimento da oposição com as sanguessugas.
Há um equívoco de grandes proporções, de parte de Raul Pont. Quem deu a hierarquia aos acontecimentos foi o ministro Márcio Thomaz Bastos, sob cuja batuta age a Polícia Federal. Bastaria, tão logo sabidas as denúncias do dossiê, que fossem ordenadas as investigações. Pode ter certeza o professor Raul Pont que nada seria tão ruidoso quanto tal noticiário.
Não foi o que aconteceu. O que remete a outra pergunta embaraçosa: por que não foi feito? Acaso as provas não são consistentes, não vão além de fotos de entregas solenes de ambulâncias?
O equívoco de Raul Pont conduz a uma certeza: o acerto da oposição que se fez quando o governo pretendeu subjugar a liberdade de expressão, a pretexto de impor limites éticos à atividade jornalística.
Sem essa liberdade, não há democracia. A moralidade se converte em mero ponto de vista.
O que é mais importante: as denúncias ou o dossiê?
A resposta é simples: o que for verdadeiro. O resto é sofisma.

quarta-feira, 20 de setembro de 2006

Pior a emenda - Jayme Copstein

Há gente furiosa com os jornalistas de maneira geral, acusando-os de não darem a devida ênfase às acusações à oposição, contidas no dossiê que deflagrou o mais recente escândalo a abalar esta Nação.
Essas pessoas não estão prestando a atenção a os pormenores do noticiário, e por isso mesmo endereçam equivocadamente suas críticas. Com a demissão de quase todos os envolvidos na tramóia, restam dois pontos a investigar: 1) se as denúncias do dossiê tinham fundamento; 2) a origem da montanha de dinheiro que pagaria os vendedores do dossiê.
É à Polícia Federal que cabem as investigações. O ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, entretanto, em suas declarações de ontem, não mostrou nenhuma pressa em desvendar quer a origem do dinheiro, quer o fundamento das denúncias. Acha difícil chegar a alguma conclusão antes das eleições.
Ora, com os meios de que se dispõe hoje para o rastreamento, não há justificativa para a demora. Já se sabe até em que bancos o dinheiro foi sacado. Sobre os fundamentos da denúncia nem se precisa pedir as provas aos Vedoin, atolados até o pescoço na gatunagem dos sanguessugas. Oswaldo Bargas, ex-secretário do Ministério do Trabalho ao tempo de Ricardo Berzoíni, e responsável pelo capítulo de Trabalho e Emprego do programa de governo da campanha petista, há duas semanas, na presença do churrasqueiro Jorge Lorenzetti, afirmou ao repórter Ricardo Mendonça, da revista "Época", que possuía denúncias fortes, suficientes para desmoralizar o candidato da oposição ao governo do Estado de São Paulo.
É só mostrar as provas. Do contrário, quem fica em maus lençóis é o ministro da Justiça. Já sobre ele pesa a acusação de ter inutilizado o flagrante da compra do dossiê, prendendo os implicados ante de realizarem a transação. Adiar para depois da eleição a investigação sobre a origem do dinheiro e o fundamento das denúncias do dossiê permite especular que as denúncias são infundadas, mas a desconfiança sobre elas deve ser mantida, e que a origem do dinheiro é tão escusa que não pçode ser mencionada. Como se vê, pior a emenda do que o soneto.

Comentários:
Marcos Ferreto: em um dos seus artigos recentes, Hélio Schwartsman, FSP, escreveu que se aborrecia toda vez que abordava temas políticos. Segundo ele, toda vez que comenta algum assunto, "cada um lê o que bem entende - independentemente do que esteja escrito - e chega às conclusões que já tinha." Por isso,alguns preferem ignorar o incêndio que toma a casa para assistir à atração imperdível na tv. O problema é que, ao final, morremos todos juntos queimados, não só eles.

terça-feira, 19 de setembro de 2006

A gangorra - Jayme Copstein

Um dinheiro grosso da Secretaria de Comunikcação da Presidência da República desaparece no superfaturamento de cartilhas que não são impressas. Um dinheiro grosso aparece para comprar um dossiê fajuto contra a oposição.
É como em uma gangorra. Desce aqui, sobe lá. Cai acolá, trepa aqui.
O ministro da Justiça levanta como troféu a ação rápida da Polícia Federal para prender ratazanas miúdas para encerrar prontamente o escândalo. O outro lado da gangorra desce para esconder a participação de habitantes das ante-salas da Presidência da República.
Como sacrifício e martírio só é bonito em biografia de santo, alguém dá o serviço. A gangorra sobe e mostra o envolvimento de gente do alto escalão do governo e da direção do PT: Ricardo Berzoini e auxiliares.
Não há como desviar os olhos do lado baixo da gangorra.
Se as pesquisas mostram favas contadas, por que tamanha calhordice?
Ou será que as favas estão mal contadas?
Quando a gangorra subir, algo deve vir à tona.

Comentários

Rodrigo: A conclusão que cheguei depois dos dois últimos escândalos (compra de dossiês e grampo clandestino nos telefones dos juízes do Tribunal Superior Eleitoral) que aconteceram na campanha eleitoral para presidente é de que toda vez que se acha que já se viu de tudo, é por que vai acontecer coisa ainda pior do que se já viu até agora.


Marcos Ferreto: De quebra surgem depoimentos que alguns deles já praticaram o "serviço paralelo de inteligência" na campanha de 2002, como mostra entrevista do consultor sindical Wagner Cinchetto ao jornal Folha de São Paulo de hoje (21/09).
O pior é ter que escutar que as notícias são "uma tentativa de golpe."

As moscas, não. O esterco - Jayme Copstein

O ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, afirmou que o Brasil mudou. Não se fazem mais imagens para a televisão mostrar, disse o ministro, e prejudicar candidaturas de opositores.
Há controvérsias. Aqueles que ao longo dos anos cansaram de repetições, tanto de frases de efeito como da corrupção pertinaz, acham que a zelosa preocupação do Ministro da Justiça, neste caso que envolve a tentativa de chantagem contra a oposição, tem mais em mira preservar o presidente da República, em cuja copa ou cozinha os responsáveis pela tramóia moviam-se com liberdade.
Zero Hora de hoje – sempre esta inoportuna e importuna imprensa que não nos deixa mentir – alinha em rodapés de algumas páginas, oito homens de confiança do Presidente, de Waldomiro Diniz a Duda Mendonça, aos quais agora se incorpora Freud Godoy, todos envolvidos em escândalos cabeludos, nenhum deles demitidos pela indignação que seria natural, mas renunciados com direito a afagos e consolações.
Diante deste quadro, cabe a pergunta respeitosa ao ministro Márcio Thomaz Bastos:
Excelência, data vênia, o Brasil mudou em quê? Nas moscas?
Pode ser. O esterco continua o mesmo. Só mudará, de verdade, o dia em que alguém sair algemado, de dentro de um palácio governamental, para ser levado à cadeia.

segunda-feira, 18 de setembro de 2006

Risos do Manoel - Jayme Copstein

Uma senhora iraniana, Anushed Ansari, empresária do setor de comunicações nos Estados Unidos, acaba de se tornar a primeira turista espacial. Tirou da bolsa 20 milhões de dólares para pagar a passagem e embarcou ontem na Soyuz TMA-9, rumo à estação orbital.
Ela não precisou dourar a pílula, com experienciazinhas escolares de terceira categoria, aquelas de plantar feijão em pedaço de algodão molhado. Também não posou de heroína, não se comparou aos irmãos Wright nem vai receber a mais alta condecoração do governo americano pela simples razão de que não está praticando nenhuma façanha. Só vai a passeio, não intervém no vôo.
Quem quiser ser turista espacial, basta ter dinheiro para a passagem. Se não tiver, aí sim, é necessário nascer e viver em um país de políticos demagogos e ridículos, que não hesitam em torrar 20 milhões de dólares dos impostos para obter dividendos eleitorais com a fabricação de um herói carnavalesco. O turista terá direito a comparar-se a Santos Dumont e a ostentar no peito a Ordem do Cruzeiro do Sul.
Mais ainda: pode-se aposentar com vencimentos integrais da função pública e sair por aí, faturando conferências em que fala de seu pioneirismo e heroísmo na odisséia espacial.
Encontrando na rua o Manoel, o grande filósofo português, ele me disse que tinha uma anedota de brasileiro para me contar. Por mais tentativas que fizesse, porém, não conseguiu contar até o fim. Começava: “Era uma bez um aschtronauta brasilairo...”. E caía na gargalhada.
Como será que termina essa anedota?

O Papa na alça de mira - Jayme Copstein

É evidente que Joseph Ratzinger, padre alemão, hoje papa Bento XVI, está na alça de mira de determinados setores da política internacional. Sofre a campanha denigratória, desde sua convocação pelo antecessor João Paulo II, para preservar e promover a doutrina católica como prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé.
O então cardeal Ratzinger foi escolhido porque João Paulo II tinha de enfrentar a indisciplina que ameaçava a unidade da Igreja de Roma, no fim dos ano 70. Foi a época de grandes rebeldias na Europa, com destaque na Alemanha, do movimento liderado pelo teólogo Hans Küng, que na América Latina pretendia adotar o marxismo como método de análise da realidade política e religiosa.
Assessor dos bispos progressistas alemães durante o Concílio Vaticano II, chegando a ser tido como teólogo de vanguarda, ao considerar excessos, como a utilização do Sermão da Montanha para embasar a pregação da luta de classes, Ratzinger recuou em suas posições e passou a ser considerado um ultraconservador.
Data de então, em torno de 1980, o apedrejamento impiedoso a que vem sendo submetido, culminando às vésperas de sua eleição para o papado, com uma nota biográfica que o aviltava, lida por dóceis repórteres de uma grande rede de tevê, apesar de ter circulado dias a fio pela Internet.
O espantoso de tudo isso é a cumplicidade do silêncio com que se assiste à insultuosa arremetida de alguns fundamentalistas islâmicos – não é todo o Islã – alguns fundamentalistas, repita-se, devidamente manejados pelos mesmos setores da política internacional, especialistas em incitar fanáticos em qualquer parte do mundo.
O que todos deveríamos exigir, neste momento, é um mínimo de respeito ao líder religioso de maior importância do mundo ocidental. Chega de tão abjeta submissão.

Comentários:
Eduardo: Li e reli o seu texto, e concluo: não sei por porque, o senhor omitiu a causa desta reação muçulmana. O Sr. pelo menos, deveria, a bem da verdade, citar o que foi dito por Ele, o Papa, na Alemanha, acerca do credo muçulmano. Já vivemos, este período delicado nas relações entre oriente e ocidente, e pessoas como o Papa, deveriam, pelo menos, manter a serenidade.

A.H:Parabéns por teu "O Papa na alça de mira". Realmente, chega de tanta submissão ao 'politicamente correto' que enaltece todas as culturas não-ocidentais EM DETRIMENTO da nossa.

a.h

sexta-feira, 15 de setembro de 2006

Gatos e pulos - Jayme Copstein

A propósito do comentário de ontem – O FTGS e a falta de cadeia – um executivo de alto padrão, cujo nome é omitido por razões óbvias, acrescentou um depoimento valioso à denúncia feita.
Ele conta: “A empresa em que eu trabalhava estava em dificuldades. Selecionou as pessoas que ganhavam os maiores salários, demitiu-os, liberou o FGTS, mas recebeu de volta e por fora, o pagamento da multa de rescisão. Recontratou todos, alguns dias depois, com os salários anteriores reduzidos em 20%. “
Como a empresa citada chegou a esta solução, ou a este subterfúgio, como quiserem chamar. O nosso depoente conta: “Um alto funcionário do Ministério do Trabalho esteve na conosco, ensinando a fazer.”
O nosso depoente conclui: “Foi a segunda vez que assisti a este tipo de coisa. Um ano antes, em outra empresa, eu aprendera a fazer o pagamento de comissões acima do permitido pelos regulamentos da época. Estávamos com dificuldades de fechar na negócios na Argélia nem no Irã sem pagar as comissões exigidas, maiores que as permitidas. Foi no próprio Ministério da Fazenda, por ordem superior, que aprendemos a quebrar o galho.”
Até aí o depoimento do executivo. O que dá seriedade a uma frase espirituosa, antiga como as barbas do profeta: no Brasil, a burocracia cria dificuldades para vender facilidades. Os regulamentos são feitos de graça. Mas há de se pagar, e muito bem pago, pelo pulo do gato.
Falando português claro: não é só cadeia que falta neste país. Falta, também, pôr na cadeia muita gente boa que nem em sonhos cruzou pelas vizinhanças.

O dito e o não-dito - Jayme Copstein

Abraham Lincoln, presidente norte-americano, dizia que “pode-se enganar todo mundo por algum tempo, e algumas pessoas, durante o tempo todo, mas não se pode enganar todo mundo por todo o tempo”.
Se o eleitor tiver em mente as palavras de Lincoln, não terá dificuldades maiores em desatar o nó de certas polêmicas. Todos trazem consigo um passado, no qual se deve procurar uma única certeza: a das coisas que alguém jamais será capaz de fazer.
Todo o resto é acessório. Pouco importa, na verborragia desatada, a mirabolância dos delírios ou as indignações da hipocrisia. O comportamento pessoal é um padrão repetitivo. Quem fez, sempre fará. Mais importante é aquilo que nunca fez, que nunca foi capaz de fazer.
É só olhar com atenção para se descobrir, em promessas de candidatos carimbados, que nunca farão aquilo que falam. E jamais deixarão de fazer aquilo de que não falam.

quinta-feira, 14 de setembro de 2006

O FGTS e a falta de cadeia - Jayme Copstein

O Fundo de Garantia por tempo de serviço está completando 40 anos. Sua história conta muito da esperteza burra da população somada à indecência dos costumes políticos do país.
O FGTS nasceu com múltiplos e louváveis objetivos. Afora desatar o nó da antiga estabilidade, após 10 anos na mesma empresa, sem tirar do trabalhador a indenização que lhe cabia pelo tempo trabalhado, captava dinheiro barato e abundante para financiar projetos de grande repercussão social. Graças aos seus financiamentos, muitos deles a fundo perdido, foi possível levar água, esgotos e rede elétrica a vilarejos, cujos recursos não permitiriam, em termos de saneamento básico, emergir da Idade Média.
O conceito básico, entretanto, era o de fundo, de um capital para proporcionar ao trabalhador que se aposentasse, recursos para adquirir a casa própria, fazer outros investimentos para lhe aumentar a renda, deixar pecúlio aos dependentes ou até mesmo gastar inconseqüentemente em qualquer fantasia alimentada ao correr da vida.
Como na prática a teoria é sempre outra, o primeiro assalto ao FGTS foi do Governo, para custear suas gastanças bandalhas. Logo em seguida, vieram os bancos aproveitando-se da hiperinflação. Com prazo de até 90 dias para liberação os pagamentos do fundo a demitidos sem justa causa, os banqueiros investiam o dinheiro dos trabalhadores durante um trimestre, e embolsavam os 30% correspondentes aos juros e à correção monetária correspondente.
Depois vieram os demagogos, a distribuir benesses. Sacava-se o fundo sob qualquer pretexto. Foram comuns nos jornais, anúncios de propostas de casamento, apenas para retirar o fundo, com o divórcio já pré-fixado. Não há como enumerar todas as fraudes cometidas com o mesmo objetivo sem se escrever uma biblioteca de muitos volumes. Ainda hoje há gente simulando condição de aidético para embolsar o FGTS.
Nada disso teria acontecido se, desde o princípio, banqueiros e todos os demais fraudadores, incluindo aí quem vende falsos atestados de doenças graves, fossem capinar poeticamente nas hortas dos presídios.

O sol e a peneira - Jayme Copstein

Não se consegue entender como alguém do gabarito de Marcos Vilaça, intelectual cuja folha de serviços à cultura o levou à Academia Brasileira de Letras, tenha se equiparado a políticos do jaez do maranhense Demóstenes Torres, presidente da Comissão de Ética do Senado, que pretendeu amorcegar a punição de três colegas sanguessugas.
Ministro antigo do tribunal de Contas da União, Vilaça quis também, nem mais nem menos, pôr em banho-maria outra monumental falcatrua protagonizada pelo atual governo da República. O escândalo envolvendo no mínimo 11 milhões e 700 mil reais, pagos por um milhão e 900 mil revistas de promoção pessoal do presidente da República que nem teriam sido impressas, de um total encomendado de 3 milhões unidades.
Afora o superfaturamento – em torno de 2,25 reais por revista acima do preço de mercado, tentando um versão tipo Operação Uruguai de Fernando de Collor de Mello, o por demais conhecido ministro-chefe daSecretaria de Comunicação da Presidência da República, Luiz Gushiken, envolveu o Partido dos Trabalhadores, alegando que seus diretórios regionais e municipais distribuíram quase um milhão dessas publicações evaporadas. Pior a emenda que o soneto: implica outro crime, qual seja o da utilização da máquina pública para promoção pessoal.
Neste panorama, a tentativa do ministro Marcos Vilaça, de sustar o processo, antes mesmo que Tribunal de Contas da União discutisse o caso, é uma façanha que ele não tinha direito de incluir em sua biografia. O próprio TCU repôs tudo nos trilhos: o ministro Luiz Gushiken e as agência de Duda Mendonça e de Paulo de Tarso Santos receberam o prazo de 15 dias para devolver ao Tesouro a montanha de dinheiro escamoteada.

quarta-feira, 13 de setembro de 2006

O trem fantasma - Jayme Copstein

O senador Ney Suassuna é um ator consumado. Quem o assistiu ontem, na Comissão de Ética do Senado, haveria de ficar condoído de seu papel de mero joguete nas garras de uma imprensa impiedosa, decidida a massacrá-lo.
O senador alegou falsificação de assinatura e exagero de cálculo, da Folha de São Paulo, dos seus proveitos na roubalheira das sanguessugas. Com isso posou de vítima. O difícil, entretanto, é compatibilizar a fortuna derramada em propaganda, para manter o feudo na Paraíba, com a participação que alega ser modesta no escândalo em questão.
O senador admite ser proprietário de mais de 40 carros de sons e ainda ver-se obrigado a alugar outros tantos, para manter-se à tona em um estado pequenino como o seu. Fosse ele político do Estado de São Paulo, teríamos, então, a indústria automobilística trabalhando 24 horas por dia para dar conta das suas encomendas.
Não é só aí que pega o trem fantasma do senador Suassuna. A alegada falsificação de assinatura, por alguém do seu próprio gabinete, que ele diz não saber de quem se trata e não ter sequer se preocupado em apurar, também não se sustenta. Desaba diante da constatação que um de seus assessores, uma mulher, por sinal, tinha por rotina imitar a sua rubrica, e o fez em muitas emendas do ilustre senador para a compra das ambulâncias.
O aspecto mais grave de toda essa questão é a facilidade com que o senador encontrava nos ministérios, para fazer o dinheiro fluir sonante e generoso para os bolsos das sanguessugas. O que está a indicar que a investigação não devia ter como algo apenas deputados e senadores envolvidos. É preciso medir até onde o próprio governo está atolado em tanta imundície.

terça-feira, 12 de setembro de 2006

A tragédia de Abel - Jayme Copstein

O pior do linchamento de um assaltante, ocorrido ontem em Caxias do Sul, afora a tragédia em si, é a certeza de que todo o sistema político brasileiro acaba de ruir. O episódio de Caxias do Sul não é o único – apenas o primeiro de grande repercussão publica porque ocorrido em um dos principais centros urbanos desenvolvidos do país. Mas, sobretudo, é como o sintoma de uma doença grave que corrói em silêncio um organismo e finalmente explode, quando as resistências começam a sucumbir.
Quando se fala em sistema político, não significa a balbúrdia, a vulgaridade, o bate-boca destemperado, a marcar como única atividade partidária visível a olho nu, o em período eleitoral. Sistema político é uma coleção de valores que repousa na exigência de deveres cumpridos para usufruto de direitos. Algo assim como uma prática que se realimenta de si mesma: mais deveres cumpridos, mais direitos disponíveis, a exigir mais deveres e assim infinitamente..
O sistema político, na democracia, repousa em um tripé: o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. A eles cabem, através do exercício da autoridade pública, a exigência do cumprimento de todos os deveres e a administração e a defesa de todos os direitos. Mas, no Brasil, nos tempos mais recentes, o Governo e o Parlamento dedicam-se de tempo integral a uma roubalheira sem precedentes na história pátria. E o Judiciário se refugia em discussões bizantinas, como pretexto para olhar para o outro lado e lavar as mãos como Pilatos.
Em resumo, cada qual em seu pequeno castelo, responde como Caim a interrogação divina: “Acaso sou guarda do meu irmão?” E porque não o são, apesar de jurarem formalmente dedicar suas vidas a esse dever, renunciam à sua autoridade e a delegam a quem dela sentir dono.
Foi o que aconteceu em Caxias do Sul.

segunda-feira, 11 de setembro de 2006

Procura-se - Jayme Copstein

Esta é uma segunda-feira realmente surpreendente: a mesa diretora da Câmara Federal, eleita graças a conchavos que teve hurras e vivas do mensaleiro-chefe José Dirceu, não consegue localizar 23 deputados implicados na gatunagem das sanguessugas, para citá-los e abrir o processo de cassação de mandato e suspensão de direitos políticos. Só nos falta agora, para completar a vergonha em que essa gente mergulhou a nação, é um cartaz nos postes de todo o Brasil com o célebre: “Procura-se”.
Não pára aí o conto da moralização, espécie nova de trampa de vigário que se tenta passar no eleitor incauto.
Outra surpresa desta segunda-feira é a notícia de que a Polícia Federal mandará à Justiça, em breve, a denúncia contra o ex-ministro Antônio Palocci, acusado de uma extensa relação de crimes.
Ora viva. Com toda a certeza, muito ocupada em investigar outras corrupções ou outros corruptos, como queiram, a Polícia Federal parece não ter tempo para concluir o inquérito e remetê-lo ao Judiciário, seja para confirmar a culpa ou a inocência. No caso de Palocci, faz cinco meses que o inquérito parou. Não fosse o colunista da revista Veja, jornalista André Petry, ter levantado ao assunto, não teria havido esta notícia que, em breve... muito em breve... etc. etc. etc. Com toda certeza, depois das eleições, para garantir a Palocci, eleito deputado, foro privilegiado e alguns séculos de prazo até o julgamento definitivo.
Em tudo isso, ressalte-se o papel da imprensa. Ninguém há de negar excessos cometidos por jornalistas. Mas há de se lhe reconhecer os serviços que prestam, para impedir a escamoteação da verdade.

sexta-feira, 8 de setembro de 2006

Tiro pela culatra - Jayme Copstein

O que foi dito e repetido nestes comentários ao longo do tempo, com reações descabidas e até grosseiras de parte de alguns poucos ouvintes, confirmou-se anteontem. O Tribunal Superior Eleitoral liquidou a questão: eleitor anulando voto, não anula eleição.
Os fundamentos foram os mesmos usados aqui: anulam a votação, fraudes e irregularidades que falsificam a intenhção do eleitor. Se ele está dizendo, porém, que não deseja votar em ninguém, apenas está se abstendo, não está anulando nada.
A interpretação do Tribunal Superior Eleitor, entretanto, não esclarece outro ponto importante da questão, se o eleitor conseguisse aquilo que parece ter em mente: anular sucessivamente todas as eleições, até que se lhes apresentassem candidatos considerados aceitáveis.
Já que estamos lidando com ficção, suponhamos que acontecesse. Eleição anulada, sem candidatos eleitos para novos mandatos, para evitar que o país desandasse no caos, sem nenhum governo e, portanto, sem nenhuma autoridade para o governar, a única solução seria manter justamente personagens que ele tanto deseja varrer de cena.
Seria, sem tirar nem pôr, o autêntico tiro pela culatra.

Comentários:

Eduardo Weiss (Porto Alegre, RS)
: A apologia ao voto nulo,por certo,não é promovida por pessoas humildes,aquelas que de boa fé esperam que as casas legislativas atuem com decência e trabalhem em prol de melhorias para o cidadão.Aqueles que promovem o voto nulo sabem que a civilização é dividida em duas eras:antes e depois da Política.É muito ardilosa a tentativa de ridicularizar um Congresso carunchado tentando dissociá-lo da sociedade que o elege,como se esta fosse um grandioso e belo fruto cujo sumo fosse o bem comum.Passar a faca no Congresso e expor suas chagas é,também,felizmente,um exercício próprio da Política.Criticar,aperfeiçoar,defender interesses individuais e coletivos- sempre complexos e heterogêneos em uma sociedade democrática e plural - e insistir em evoluir como nação civilizada são atitudes que enobrecem a prerrogativa de votar e assumir a resposabilidade de ser um ator dentro deste processo.É muito mais doloroso cortar o tecido da sociedade e perceber que este fruto dá cria lá em Brasília e é urgente denunciar a razão pela qual a corrupção tornou-se endêmica e "ùtil" para muitos.Se a árvore é a mesma,então urge que melhoremos seus frutos,começando por fortalecer suas raízes e seu caule,votando e assumindo nossas escolhas.Se partirmos ao meio o fruto dos apologetas do voto nulo,lá estará a pior de todas as chagas,aquela que debocha da democracia fazendo-se passar por inofensiva,quando na verdade é um mal que propõe a autofagia do sistema político democrático,o único,aliás,que permite tal apologia estúpida e irresponsável.

Dois passos à frente - Jayme Copstein

Afora o Tribunal Superior Eleitoral ter esclarecido, de uma vez por todas, que eleitor invalidando o voto não anula eleição, o Supremo Tribunal Federal tomou outra importante decisão anteontem: declarou ser inconstitucional a proibição de divulgar pesquisas de intenção de voto nos 15 dias anteriores às eleições.
Nos dois casos prevaleceu a seriedade e o bom-senso. Anular eleições pela recusa do voto era mito nascido nas ruas, como tantos outros, e absolutamente sem sentido. Mas absolva-se o eleitor. A culpa é da própria Justiça Eleitoral, que continuou mantendo o que já não existe mais na urna eletrônica: a impossibilidade de identificar o desejo do eleitor, resquício da época em que se depositavam cédulas ou escreviam-se números para apontar os candidatos favoritos. Hoje, com o aviso da tela, de que números digitados eventualmente não correspondem a nenhum candidato, ao confirmar que o fez de propósito, o eleitor só está dizendo que não deseja votar.
A segunda decisão, que revogou a proibição de divulgar as pesquisas, afora restabelecer a plenitude do direito de informação, sem o qual a democracia capengueia, acaba com ridículo nascido com toda a certeza na cabeça dos velhos coronelões, useiros e vezeiros em casuísmos, para preservar seus feudos. Como bem disse o ministro Ricardo Lewandowski, é "tão impróprio como proibir-se a divulgação de previsões meteorológicas ou boletins de trânsito”. A proibição "apenas contribuiria para a circulação de boatos e dados apócrifos".

terça-feira, 5 de setembro de 2006

A língua de Betti - Jayme Copstein

Em artigo na Folha de São Paulo de hoje, intitulado “A ética da hipocrisia”, o ator Paulo Betti, o homem das mãos onde não deviam estar, queixa-se de linchamento moral, o que deveria preocupar os democratas de nosso país.
Preocupação tardia, a de Paulo Betti. Ela deveria ter estado presente há muitos anos, quando o cantor Wilson Simonal, alegria do povo como Garrincha, foi moralmente linchado por uma calúnia, ao defender-se de um larápio politicamente correto que lhe furtava cachês. Ou então, mais recentemente, quando a sua colega Regina Duarte expressou o receio do que estava por vir. Só faltou ser lapidada em praça pública, como é dos regimes fundamentalistas, contra os quais o ator também não se rebela.
Na democracia, à qual Paulo Betti agora apela com ardor, não há duas medidas. Ou todos têm o direito de expressar ou de se opor irrestritamente a qualquer idéia, ou deixa de ser democracia. Não é admissível tentar usurpando o direito alheio de fazê-lo, através de frases feitas, como este do choroso linchamento moral. Ou de citações deslocadas de Fernando Pessoa. Só faltou o apelo ao Pequeno Príncipe.
Cada um assuma suas responsabilidades. Da próxima vez, já que não se importa tanto com as mãos, que Paulo Betti cuide pelo menos da língua. Um pequeno equívoco, e lá vai ela ladeira abaixo.
Afinal como dizia o grande filósofo corintiano, Vicente Matheus, quem sai na chuva é para se queimar. Ou seja: quem está na água ou no fogo, não é muito dono do que fala.

Santa autoridade - Jayme Copstein

O novo ministro da Agricultura já está aí há tempo, mas como não disse ainda a que veio, vai continuar novo até que mostre serventia. Quando visitou a Expointer na semana passada, porém, não alimentou esperanças de que tal aconteça tão cedo. Afora irritar o presidente da Farsul, com a obsessiva e obcecada arremetida contra o agronegócio, fez lembrar, também, uma história ouvida nos anos 40.
Um fazendeiro, entusiasmado com a potencialidade do linho como cultura, coisa lida em jornal, decidiu contratar o autor do artigo, ainda mais porque ele defendera tese com distinção passara a ser considerada a maior autoridade nacional sobre o assunto.
A contratação do grande especialista não foi difícil nem demorado. Bastou o fazendeiro ir a São Paulo, oferecer-lhe um salário generoso.
Lá se tocaram os dois para o interior, naquela época de trem, e para amenizar a monotonia da viagem, entraram a conversar sobre o abençoado linho. O especialista jorrava conhecimentos. Não precisava sequer de varinha de condão para o prodígio. Apenas faltava, sim, descer em terra firme e ordenar o “crescei e multiplicai-vos” do Linum usitatissimum, nome latino do linho de que se faz papel, pano, corda, forragem do gado, e óleo para fabricar verniz, tintas e sabão.
Pois a coisa deslizava sobre o trilho da bem-aventurança, quando o trem começou a atravessar um lindo campo, pejado de pequenas flores azuis e cápsulas globosas, raro espetáculo de cores e luzes que haveria de fazer as delícias dos gênios da pintura,
Calou-se o grande especialista. Extasiado, perguntou com a voz\ embargada de emoção, como nos velhos romances: “Essas flores!... Que lindas! Que flores são essas?
O fazendeiro olhou incrédulo, achando que o especialista estava gozação. Mas quando se convenceu de que não, de que falava sério, fechou a carranca e ordenou: “O senhor vai pegar a sua bagagem, descer na próxima estação e sumir dos meus olhos sem dar um pio. Essa florzinha azul que o senhor não sabe o que é, é justamente a da sua especialidade – a flor do linho”.
Tenho a impressão de que, quem contou essa história, falou que a estação onde o especialista desceu, chamava-se 1º de outubro. Em homenagem ao padroeiro São Gastão, um jovem francês de família nobre que, no século 16 – faz tempo isso – foi ordenado padre sem saber nada de cristianismo. Nem batizado era. É que havia muita falta de sacerdotes.
Bom, essa história está comprida demais. Só serve mesmo para mostrar que o novo ministro da Agricultura, com seus conhecimentos da matéria, é um homem muito inspirador.

segunda-feira, 4 de setembro de 2006

O Cristo esquecido - Jayme Copstein

O espetáculo pode ser visto em qualquer cidade brasileira, infalivelmente nas maiores: crianças maltrapilhas, expostas ao frio, ao vento, à chuva, altas horas da noite esmolando à saída de boates ou à porta de bares e restaurantes de clientes tardios, ambientes que ninguém pode considerar saudável para sua formação moral.
Apesar das verbas milionárias, consignadas em todos os orçamentos, o federal, o estadual e o municipal, não se vê uma ação dos órgãos criados especialmente para assistir a estas crianças e tentar protegê-las dos delinqüentes que as exploram, com a omissão e, portanto, a cumplicidade do Poder Público.
O que se vê é o contrário. É a exibição alvar, como feito histórico, de uma ou outra instituição de assistência – uma gota no oceano – com o despejo de toneladas de propaganda politicamente correta, ardilosamente capitalizada às vésperas de eleições.
O contraste é brutal. Faz-se alarde com uma furibunda lei da palmada, que mais parece calcada no nazismo e no estalinismo, para estimular filhos a denunciarem pais inconformados com a sua manipulação.
Teorias há de sobra. Demagogos disputando encarniçadamente a suculenta remuneração de conselhos e parlamentos, também. Uma política pensada para a execução permanente, como é o caso da saúde – nem pensar.
Tudo remete aos versos de um poetisa gaúcha, cujo nome acabou esquecido no tempo:
Vinde a mim as criancinhas, disse-o Cristo.
Tão poucos se lembram disto.