quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Palavra contra palavra – Jayme Copstein

Lula, Celso Amorim e Marco Aurélio Garcia insistem na pergunta: "Vocês acreditam mais na palavra de um golpista do que na minha?", ao negar que sabiam dos planos de Manuel de Zelaya, de voltar a Tegucigalpa.

A primeira dificuldade é identificar o golpista em um quadro político que se tornou nebuloso quando Manuel Zelaya decidiu, contra decisão do Congresso e da Suprema Corte, convocar plebiscito para revogar cláusula pétrea da Constituição hondurenha, impeditiva de reeleição. A partir deste desacato, perdem-se as referências.

Celso Amorim foi ao nosso Congresso, demonstrar aos senadores que Zelaya apanhou o Brasil desprevenido. Não sabia de nada. De repente, Zelaya surgiu na embaixada. O Brasil teve de abrigá-lo – por cortesia...

Quando questionado com mais vigor por Álvaro Dias, do Paraná, Celso Amorim repetiu o bordão: "Se Vossa Excelência acredita mais na palavra de um golpista do que da minha, nada posso fazer." Logo em seguida, para mostrar que é bom menino e não faz xixi na cama, Amorim revelou que Zelaya pediu um avião para voltar a Tegucigalpa, mas o Brasil lhe negou. Amorim repetiu que o Brasil negou avião pedido por Zelaya. Por que negou? Nem perguntou para que ele queria o avião? Sequer quis saber o que ele pretendia fazer em Tegucigalpa? Simplesmente disse não? – que descortesia...

Lição antiga

"Mendaci claudus non cítius cápitur" = Mais depressa se pega um mentirosdo do que um coxo. Nada sei de latim, mas faço alkgumas exibições de preciosismo lingüístico para mostrar o valor de uma extraordinária, o "Dicionário de Expressões e Frases Latinas", do professor Henerik Kocher, obra que permanece inédita, o que é uma aberração se considerarmos as inutilidades e porcarias publicadas às toneladas no Brasil. Elaborado a partir de vasta bibliografia, o "Dicionário" tem 890 páginas e nele encontra-se tudo o que se procura em matéria de citação. Por exemplo: "Utque in corpóribus sic in império gravíssimus est morbus, qui a cápite diffúnditur". Traduzindo: "Como no corpo humano, assim também no governo, é mais grave a doença que se difunde a partir da cabeça". O autor da frase é Plínio, o Moço, que viveu no primeiro século da Era Cristã.

Esmola demais

Fico desconfiado de tanta e tão súbita popularidade. O Bradesco, do qual nunca fui cliente, preocupa-se com a minha segurança e me remete mensagem pela Internet, mandando instalar um não-sei-quê no meu computador, para evitar que fechem a conta que não tenho. Um bondoso desconhecido, cujo pai, ao que tudo indica, usufruiu de algum mensalão quando participou do Governo da Nigéria, deseja dividir comigo a fortuna herdada, mas como fiz votos de pobreza, apesar de não ser franciscano, sou forçado a recusar a generosa dádiva.

Até um delegado da Polícia Federal, em vez de me pôr logo na cadeia, certamente por suspeitar que sou um bom sujeito, resolver me avisar que vai me re-investigar, seja lá o que isto significa. Finalmente uma senhora tomada de ardente paixão, me remete fotos de uma orgia de que não participei e diz que sou muito bom de cama – imaginem, eu que estou nesta quadra da vida em que Viagra não eleva nem pensamento.

Não é de desconfiar de tanta popularidade, tão subitamente assomada? Nossos delinquentes realmente não têm nenhuma criatividade. Em plena era da informática, tentam golpes da Idade da Pedra.

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Morrer por Zelaya? – Jayme Copstein

Quem deseja morrer por Zelaya? A pergunta absurda nasce de uma idiotice levantada por alguém nos bastidores do Governo, transpirada e por fim abafada prontamente pelo ministro da Defesa, Nelson Jobim, com a declaração peremptória de que o Brasil "não pretende intervir militarmente em Honduras".

Durante todos esses anos, desde o fim da ditadura, redemocratizar significou para os patriotas de plantão sucatear as |Forças Armadas, como se a farda e não a insaciável fome de poder dos políticos fosse o obstáculo para normalizar a vida da Nação. Com alguns quartéis limitando o expediente à parte da tarde porque falta verba para o rancho, alguém falar em mandar tropas para a América Central é de rir.

O trágico em tudo é que há jornalista brasileiros brincando de correspondente de guerra, tentando impressionar leitores e ouvintes com as suas dificuldades de fazer a cobertura porque não conseguem entrar no prédio onde funcionava a nossa Embaixada. Funcionava,sim, hoje foi transformada em palanque de Manuel Zelaya, graças à trapalhada em que Marco Aurélio Garcia e seu obediente acólito, Celso Amorim, enfiaram Luiz Inácio Lula da Silva.

Seja qual for a evolução do quadro, as consequências para a imagem do Brasil são as mais desastrosas. Se Manuel Zelaya conseguir retornar à presidência, volta como ditador. A esta altura dos acontecimentos, excluindo-se uma improvável renúncia imediata de Roberto Micheletti para que o Judiciário assuma o poder, não há condições de se realizarem as eleições de novembro. O papel desempenhado pelo Itaramarti – sórdido, triste – terá sido o de contribuir para instalar uma ditadura na América Central.

Há, ainda, outra hipótese: que a crise hondurenha descambe para o confronto armado. Neste caso o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, terá deixado a marca da sua irresponsabilidade, manchando de sangue, como nenhum outro, a história brasileira.

Mural

Flávio L escreve sobre "A Reprise", coluna de ontem, em que é manifestada a falta de esperança em uma reforma política de fato. Repete sugestão que, de vez em quando, assoma entre os eleitores brasileiros e corre pela Internet: votar em branco ou anular o voto para protestar contra os corruptos. Não duvido das boas inteções de Flávio nem de muitos dos que propagam este duplo equívoco. Em primeiro lugar, voto em branco e voto anulo não anulam eleição. Apenas não são contados. Só existe uma possibilidade legal de se anular eleição no Brasil: fraude comprovada em mais de metade das urnas. Segundo equívoco: deixando de votar em candidatos honestos para castigar os corruptos, o eleitor está castigando os candidastos honestos e recompensando os corruptos.

Vamos supor que ocorresse a hipótese impossível, por tão remota, que todos os eleitores anulassem seus votos e só os candidatos votassem em si mesmos. Todos chegariam empatados com um voto cada um. Assim mesmo a eleição teria validade e estariam eleitos os mais velhos, pois a idade é o critério para o desempate. Será que as pessoas conseguem perceber a arapuca em que vão cair se derem ouvidos a esta sugestão? E só para terminar: vou deixando de votar, para protestar contra Hugo Chaves que a oposição venezuelana lhe deu maioria absoluta no Congresso, permitindo mudar a Constituição, ara se perpetuar no poder. Alguém quer fazer isso no Brasil?


 


 


 

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

A reprise – Jayme Copstein

Estava examinando a lista de futuros candidatos a deputados federais, exibidos como troféu por dirigentes políticos que desejam aumentar a representação de seus partidos na Câmara Federal. É simplesmente desanimador.

Não tenho nada contra jogadores de futebol e artistas populares. Até poderia citar nomes oriundos dos estádios ou dos palcos que mostraram liderança e capacitação para a vida pública. Ou chamar a atenção para quem jamais cantou sequer em hora de calouros ou nem gol de chiripa marcou em pelada de bola de meia, e é o que é. Preciso citar nomes?

Nada a ver, portanto, uma coisa com outra. Desanimador, porém, é assistir a reprise da cafajestada propiciada pela perversão eleitoral chamada voto proporcional, responsável por todo o quadro de putrefação da política brasileira. Bem antes de realizar suas convenções, os partidos já estão marcando as cartas, ao escolher os "puxadores de votos"     que vão garantir para a legenda a eleição dos oligarcas de sempre e o quinhão no butim. .

Veja-se, por exemplo, o caso de Romário que sequer sabia a legenda à qual estava se filiando. Se desconhecia até mesmo a sigla, que dirá a ideologia, o programa do partido? E os dirigentes do PSB acaso não sabem que Romário não tem a menor idéia do que seja socialismo?

É que nada disso entra em cogitação em partido algum neste país, por mais máscaras de idealismo e bom-mocismo que atarraxem na fachada. Um puxador de votos engorda a representação no Congresso e dá força à legenda para fazer alianças. Em conseqüência, um partido, cujo candidato a presidente da República não consegue sensibilizar a décima parte dos eleitores, adquire força para definir a administração e decidir o futuro do país..

Como se vê, é um ritual de divisão do poder, que faz políticos sentirem-se donos desta ou daquela repartição pública. O que traz de volta o debate sobre a reforma política e a mudança do sistema de voto proporcional para o de voto distrital, puro ou misto.

Mas como não desanimar se dos sacripantas que disso se beneficiam depende a reforma política? Esperar que renunciem à sacripantagem para servir o Brasil, em lugar de dele se servirem, castrando os eleitores? Mais fácil um camelo... Por favor, nem falem nisso. Acabam candidatando um corcovado – e até elegendo – qualquer só para engordar a legenda.

O lixo do Cairo

Notícia curiosa vem do Egito, onde um pequena comunidade cristãs da periferia do Cairo cria porcos, cuja carne é proibida pelo Corão tal como pelo Levítico. Tal comunidade, a dos "zabaleen", paupérrima, recolhia o lixo da capital egípcia, separava e vendia o material reciclável, destinando os resíduos orgânicos à alimentação dos seus leitões que, por sinal, matava e comia.

No semestre passado, o Ministério da Saúde do Egito, diante da ameaça da gripe suína e confundindo alhos com bugalhos, acabou com a criação de porcos. A partir deste momento, os "zabaleen" passaram a recolher apenas o material reciclável do lixo, espalhando o resto no chão. A consequência é o mau-cheiro insuportável que se desprende dos detritos orgânicos atulhando as ruas do Cairo.

domingo, 27 de setembro de 2009

Chocolate no hospício – Jayme Copstein

Pois a 2ª Cúpula América do Sul – África, encerrada ontem à noite em Ilha Marguerita, na Venezuela, dava a impressão de ser um bando de malucos, daqueles que a gente encontra em todo o hospício, cada qual fingindo que é diretor da casa.

Alguns até acham que são de verdade, porque podem explicar tudo sobre os demais loucos, sobre o funcionamento do hospício e só não conseguem convencer porque, em determinado momento, tiram uma barra de chocolate do bolso, jogam fora o chocolate e começam a comer a embalagem.

Começou com Hugo Chaves, democrático presidente da Venezuela, interferindo na política interna do Brasil. Abriu a Cúpula, com discurso, revelando que Dilma Roussef é sua candidata preferencial nas eleições de 2010: "Dilma será a próxima presidente do Brasil", ordenou Chavez, esperando ser obedecido sem discussão. Arrematou dizendo que Dilma será apenas um fantoche, como Cristina Kirchner: "Lula não irá embora, ele ficará, como Nestor Kirchner que se foi, mas não foi".

Lula, em seguida, preocupado com a política interna de Honduras – todos os problemas brasileiros já foram resolvidos – tirou a relevância do Conselho de Segurança da ONU, ao qual havia recorrido na quinta-feira, para repor Manuel Zelaya na presidência. O Conselho de Segurança só atua diante de ameaça real à paz mundial, mas como para ser presidente do Brasil não se precisa saber de muitas coisas, o Conselho condenou em linguagem cortês as tentativas de intimidação à embaixada brasileira em Tegucigalpa, esclarecendo, porém, que o problema é da alçada da OEA, a Organização dos Estados Americanos. Celso Amorim quis forçar a barra, tentando impor uma referência explícita de apoio à recondução de Zelaya. Acabou criticado pelo "tom do discurso".

Lula terá agora de explicar porque, em troca de uma fictícia cadeira no Conselho, passou quase sete anos de governo concedendo desde o status de nação de livre comércio à China comunista ao voto a um egípcio racista, sabotando a candidatura do brasileiro Márcio Barbosa à direção-geral da Unesco.

Alguém ou alguma coisa na reunião do G20 deve ter convencido Lula que a causa era perdida. Fez concessões demasiadas, e de graça, e agora desdenha do Conselho como as mulheres que se deixam seduzir com facilidade para serem abandonadas com a mesma facilidade pelos seus gigolôs.

Coisando

Fora da 2ª Cúpula, mas completando a hospício do fim-de-semana, a explicação de Hervé Morin, ministro de Defesa da França, para a queda de dois caças franceses Rafale: "O que sabemos, com base no depoimento do piloto, é que, a princípio, o avião não tem nada a ver com tudo isso". Ou como diria nosso irrevogável senador Aloizio Mercandante: "Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa."

Convocado o professor Enro Loll, catedrático da Sleevetea University of Big River e reputado especialista mundial na Teoria Geral das Coisas, em duas frases lapidares ele esclareceu a dúvida: "O avião só estava voando – isso é uma coisa. Caiu? – isto é outra coisa. E revoguem-se as irrevogáveis revogações em contrário."


 

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

As credenciais do Senado – Jayme Copstein

A cada momento, a juíza federal de Santa Maria, Simone Barbisan Fortes surpreende agradavelmente por competente, equilibrada e circunspecta. Não devia nos surpreender, mas em um país onde o espetaculoso varreu o bom-senso para baixo do tapete como se fora lixo, que bom que ela é assim.

Ninguém sabe das simpatias pessoais ou políticas da Dra. Simone, mas sua postura de eqüidistância das partes – e que partes!... - neste lio armado pelos políticos gaúchos, nos tranquilizam quanto à imparcialidade para formar convicções e assumir a decisão correta. Ela escuta todos com ouvidos iguais, como se comprova pela suspensão temporária da ação de improbidade do Ministério Público Federal contra oito réus, atendendo ponderações do advogado José Antônio Paganella Boschi, sobre o irrestrito direito à defesa.

Comentar a atuação da dra. Simone vem muito a propósito neste momento em que se polemiza sobre o destino que os políticos desta nação estão dando aos tribunais superiores, com a indicação do advogado-geral da União, José Antônio Toffoli, para preencher vaga no Supremo Tribunal Federal. Duas vezes reprovado em concurso para acesso à carreira de juiz, tem condenação suspensa por irregularidades no recebimento de honorários como advogado do governo do Amapá. Pode-se dourar esta pílula à vontade, mas Toffoli só possui uma única credencial para tão alta investidura: ser do peito de uma aliança de governo que soma figuras tão homogêneas como o erudito Luiz Inácio Lula da Silva e o impoluto José Sarney.

Não há como adivinhar se, no futuro, tal qual Ellen Gracie, Simone Barbisan Fontes chegará ao STF. Magistrada de ofício, carreira à qual deveria ser reservada, , ao menos a predominância na composição dos tribunais superiores, se disputasse a vaga com Toffoli levaria considerável desvantagem. O Senado mostra disposição de revogar informalmente a exigência constitucional da conduta ilibada e do notório saber. Vai substituí-la pelo imoral QI – quem indica – necessariamente dos políticos aderidos ao poder para garantir a perpetuidade de sua absoluta impunidade. Neste particular, ela não parece estar bem equipada.

Hino Nacional

Já houve quem quisesse mudar a letra do Hino Nacional por várias razões, desde a crítica ao "deitado eternamente em berço esplêndido" – há muito já passou da hora de acordar – à dificuldade de se memorizar letra tão comprida.

De tudo quanto foi falado até agora, a melhor sugestão é a de Carlos Heitor Cony, na Folha de São Paulo de anteontem: reduzir o hino à metade. Ele tem razão. A primeira parte do nosso hino diz tudo o que desejamos e precisamos dizer sobre a Pátria: conta as belezas naturais, a independência às margens do Ipiranga, a fibra com que a conquistamos e o quanto a amamos. Se estes sentimentos são verdadeiros. não há necessidade de repisá-los na segunda parte, como é, afora a repetição dos estribilhos, cuja dose dupla já é um excesso.

Muitos diplomatas, lembra Cony, em seus primeiros tempos no país sentam-se após a primeira parte, acreditando que seja a única porque raros são hinos nacionais tão extensos quanto o nosso. A quantidade dos versos de Osório Duque Estrada acaba tornando até repetitiva a bela melodia de Francisco Manuel – a mais bela de todas, sem dúvida.


 

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Alegria, alegria – Jayme Copstein

O auditório da Assembléia Geral da ONU serviu de palco para um concurso de comicidade, vencido com larga margem pelo especialista em humor macabro, Muammar Kadhafi.


Consagrado por explodir aviões de passageiros, matando civis inocentes, Kadhafi atualmente retém na Líbia dois cidadãos suíços, em represália por "ofensas" da polícia de Berna a seu filho Hanibal e sua nora Aline, cobrando-lhes multa pela camaçada de pau que deram em duas empregadas domésticas em Berna, onde vivem.

Depois de querer em vão acampar com tenda de beduíno no Central Park, Kadhafi discursou durante 90 minutos, rasgou a carta da ONU, propôs a mudança da respectiva sede para a Líbia, Índia ou China, isso tudo, depois de ter acusado a instituição, juntamente com os Estados Unidos, por todos os crimes do mundo, sem deixar de recomendar que Barak Obama se perpetue como presidente na Casa Branca.

O segundo lugar também teve vencedor absoluto – o duo brasileiro Amorim&Garcia que em estilo brega-sertanejo fez o presidente do Brasil convocar o Conselho de Segurança da ONU e exigir, em nome da comunidade internacional, que a comunidade internacional sentada à sua frente tomasse providência no caso de Honduras.

Já antes, o duo tentara sem sucesso trapalhada no estilo Bud Abbot - Lou Costello, apoiando a candidatura de Farouk Hosni, egípcio racista, à direção-geral da Unesco em detrimento do brasileiro Márcio Barbosa, que já era vice-diretor da entidade, tinha apoio internacional e poderia ter sido eleito se não lhe tivessem puxado o tapete no próprio Itamarati. Em consequência, o mandato de cinco anos coube à búlgara Irina Bokova.

Amorim&Garcia devem estar muito orgulhosos da façanha.

A propósito

O presidente Lula, defendendo o "presidente deposto" acusou jornalistas que lhe perguntavam sobre o "governo de fato" de Honduras, de terem dificuldade de chamá-lo de "governo golpista". Na verdade, é um "governo de fato" por não ter o reconhecimento da comunidade internacional, mas também não se pode falar em "presidente deposto", porque se trata de um "presidente destituído" pelo Congresso com o Judiciário ordenando sua prisão por desrespeito à Constituição. O resto é pura preferência ideológica, e nesse ponto Lula tem razão: quem não é por mim é contra mim.

Lula também declarou que, agora, as eleições hondurenhas marcadas para novembro, "não dá para aceitar". O que ele quis dizer com isso não é fácil de entender. Defende a volta de Zelaya ao governo, mas proíbe que os hondurenhos escolham um novo presidente, de acordo com sua Constituição... Terá o Presidente Lula declarado e vencido secretamente uma guerra contra Honduras e imposto o companheiro Zelaya como governo fantoche?

Decididamente, alguém favoreceu Kadhafi no concurso de comicidade da ONU. Lula estava muito mais engraçado.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Honduras, beco sem saída – Jayme Copstein

Leitores escreveram à coluna, manifestando-se sobre o problema de Honduras. Mas, ao contrário do que se lê nos jornais, não manifestaram maiores simpatias por Zelaya, o presidente deposto de Honduras. Muitos até chamaram a atenção para a figura escarrapachada na embaixada brasileira de Tegucigalpa, com o chapelão que ora lembra um rancheiro texano, ora sugere um caipira mexicano. Mesmo havendo divergências sobre quem é ou deixa de ser golpista, há maioria significativa de críticas à intromissão do Itamarati.

O fato é que o desdobramento da situação hondurenha conduziu a um beco sem saída, no tocante a uma solução imediata. Provavelmente, o conflito se prolongará até o fim de novembro quando eleições regulares escolherão o novo presidente para os próximos quatros anos, esgotando-se formalmente o mandato de Zelaya. Analistas comentam que tudo poderia ter sido evitado se tivesse sido aceita a proposta de mediação, do presidente da Costa Rica, Oscar Arias,.formulada um semana depois da deposição de Zelaya.

Era uma solução sensata. Previa o restabelecimento do mandato de Zelaya e a formação de um governo a unidade nacional. Zelaya se comprometia a abandonar seus planos de reeleição, não praticaria represálias contra seus oponentes e as eleições se realizariam na data prevista, sob supervisão internacional. O Congresso, o Judiciário e os militares hondurenhos recusaram, alegando que não podiam confiar em Zelaya, dada a obsessão que demonstrara em conseguir reeleger-se, desrespeitando a Constituição..

Lula e o Conselho de Segurança

Com toda a pompa e circunstância, talvez por sugestão da dupla Amorim&Garcia, o presidente Luiz Inácio Lula da |Silva não perdeu a oportunidade para deixar a sua digital na crise: anunciou em Nova York que o Brasil pediria convocação urgente da Conselho de Segurança da ONU para resolver a situação em Honduras. Alguém deve ter dito ao Presidente que maneirasse, pois o Conselho de Segurança só se reúne para decidir sobre ameaças à paz mundial – daí o nome. Honduras não se encaixa nem remotamente na hipótese. Ao fazer o discurso de abertura da Assembléia Geral da ONU, conforme a tradição que dá ao Brasil esta primazia, Lula deve ter atendido à ponderação. Enfatizou a posição brasileira em favor de Zelaya, mas deixou de fora a convocação do Conselho de Segurança.

Sarney e o trabalho

Um turista foi ao Maranhão especialmente para conhecer o memorial que, como o nome está dizendo, foi erigido em memória do ainda vivo – e muito vivo – José Sarney. O visitante, impressionado com a organização do histórico museu que pode fornecer, a qualquer momento, em rigorosa ordem cronológica, tudo o que diga respeito à vida de tão ilustre e inefável personagem, pensou em escrever uma biografia e perguntou por um documento importante: a carteira de trabalho. Surpreendeu-se com a resposta: não existe. Zé Sarney, condestável do Maranhão, Amapá e circunvizinhanças, dono de respeitável biografia segundo Luiz Inácio Lula da Silva, nunca precisou deste documento. E é só examinar sua trajetória que a pergunta se impõe: para que mesmo ele haveria de querê-la, heim?

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Chimarrão em Honduras – Jayme Copstein

Ao abrigar em sua embaixada o presidente cassado de Honduras – e ele o foi pelo Congresso, com ratificação do Judiciário, por desrespeito à Constituição – o Brasil meteu-se em bela enrascada, graças à inconseqüência, incompetência e irresponsabilidade do ministro de Relações Exteriores, Celso Amorim, e do auto-intitulado perito em Assuntos Internacionais, assessor do presidente Lula, jornalista e militante político Marco Aurélio Garcia.

A alegação de Celso Amorim que, de repente, não mais que de repente, Manoel Zelaya surgiu na embaixada brasileira de Tegucigalpa para pedir refúgio é inspiradora. Dá para imaginar, ainda sob os eflúvios da recém-finda Semana Farroupilha, Zelaya batendo palmas na porteira, gritando "Ó, de casa!!" e sendo atendido por Marco Aurélio Garcia:

- Ué, índio velho, tu por aqui?

"Iba pasando, pensé: me voy a tomar un mate con mis amigos de Brasil.

- Entre que a casa é sua, vivente!

Deixemos Simões Netto em paz. Por que alguém haveria de procurar uma embaixada nas condições em que Zelaya o fez, a não ser para pedir refúgio? Celso Amorim diz que não: Zelaya está lá instalado como presidente legal de Honduras, para reaver seu mandato, o que significa clara intervenção em assuntos internos de outro país, se não típico ato de guerra. Diplomatas veteranos do Itamaraty enfatizam que refúgio em representações estrangeiras é direito de quem se sinta em perigo, para lhe permitir a saída do país. Alguém já exilado, retornando a uma situação de risco e sendo acolhido, é inédito nos anais da diplomacia internacional.

O incidente de Havana no máximo deve resultar em vexame, mas é preciso dar uma basta nesta charlatanice ideológica, antes que nos conduza a algtum desastre. O general da reserva Luiz Eduardo Rocha Paiva, antigo comandante da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, está denunciando os equívocos da política indianista e em relação à Amazônia , graças à diplomacia brasileira. Em "Ideologia, bases colombianas e terras indígenas", cuja íntegra pode ser lida em www.jaymecopstein.com.br, graças à gentileza de Dagoberto Godoy Lima que propiciou o acesso ao documento, Rocha Paixa diz:

"Há, nitidamente, o fator ideológico na posição adotada pelo País. (...) É incoerência preocupar-se com as bases em tela [Colômbia] e não ver ameaça na demarcação de imensas terras indígenas (TI) na faixa de fronteiras, onde o índio é liderado por ONGs estrangeiras financiadas por potências alienígenas, inclusive os EUA. Nessas terras, haverá grandes populações indígenas em algumas décadas, que não se sentirão brasileiras por não estarem integradas à Nação. Há 18 anos, quando foi demarcada a TI Ianomâmi, quem alertava para o risco à soberania nacional era ridicularizado. Hoje, ONU, OEA, ONGs, líderes e povos estrangeiros já não reconhecem o indígena como brasileiro e defendem a autonomia das TI com base em Declaração aprovada na ONU com voto favorável do Brasil. Essas TI desnacionalizadas estão dentro do Brasil, ao contrário das bases colombianas."

Rocha Paiva conclui: "A reação brasileira no episódio das bases, ainda que impedisse a concretização do acordo entre a Colômbia e os EUA, pouco contribuiria para a segurança da Amazônia. O Brasil supervalorizou o periférico em detrimento do fundamental, demonstrou falta de percepção da real ameaça e desnudou seu alinhamento ideológico. A rigor, as bases e os índios, em si, não são ameaças à soberania, mas sim a miopia estratégica, a indigência militar e a ultrapassada orientação ideológica socialista-internacionalista de nossa liderança."



 

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Perdendo o latim – Jayme Copstein

Enfim, as luzes do conhecimento derramam-se copiosas sobre nós, ignaras criaturas brasílicas: o presidente do Supremo Tribunal Federal nos ensina que condenação não é motivo para o Senado recusar indicação de novo ministro da Corte. Como aconselha Eurípedes – "A sapiente viro sapientiam discere convenit" = convém aprender sabedoria com o homem sábio – aproveitemos a disposição do Meritíssimo para saber se alguém como Fernandinho Beira-Mar, caso se disponha a estudar Direito, em uma daquelas faculdades que aprovam crianças de oito anos em vestibulares, pode aspirar a tão elevada investidura.

Por favor, Sua Excelência não se zangue: atentos e devotados discípulos seus, tudo o que desejamos é varrer de nossos corações a ignorância e seus filhos diletos, o preconceito e o obscurantismo nesta época pra lá de politicamente correta. Porque, para o Zé da Silva, qualquer coisa é como coçar, basta começar – vai em português mesmo, pois se não se precisa saber "ingreis" para nada neste país, latim então nem se fala.

Imagine se o Fernandinho Beira-Mar começa a se coçar, onde é que isso vai parar? Nem de longe pode se comparar a gravidade dos seus crimes com o de advogados condenados por "jeitinhos" nas leis de licitação, mas está se perdendo de vista que o governador do Amapá, que contratou o escritório de João Antônio Toffoli, era João Capiberibe, cassado pelo STE sob acusação de corromper eleitores, pagando-lhes duas passagens de ônibus (R$ 52,00) para se eleger senador.

Claro, sempre se pode dizer, como o irrevogável Aloizio Mercadante, que um caso é um caso e outro caso é outro caso, ao menos até segunda ordem e ulterior deliberação. Contudo, por mais tênue que seja, há uma dedo mexendo na panela da vaca amarela: o de José Sarney, condestável também do Amapá, temeroso de ser ejetado do trono pela liderança de Capiberibe, antecipando o que faria com Jakson Lago no Maranhão. E como Toffoli no STF é invenção de Luiz Inácio Lula da Silva e Tarso Genro, sarneystas de carteirinha, o caso de Capiberibe é um, o de Toffoli é outro, o de Cesare Battisti é ainda outro, e não adianta apelar para Hamlet e os odores do reino da Dinamarca: o Senado vai aprová-lo sem tugir nem mugir.

Em um país onde Sarney é tão poderoso, Shakespeare não tem vez. O máximo que se consegue é perder o latim.

Ditos e achados

"Na sociedade civilizada, o mérito pessoal não lhe servirá tanto quanto o dinheiro. Faça a experiência: vá à rua e faça a uma pessoa uma conferência sobre moralidade, e a outra, dê uma moeda, e verá qual das duas o trata com mais respeito". Samuel Johnson.

domingo, 20 de setembro de 2009

A navio dos tolos – Jayme Copstein

Não era de se esperar tanto barulho com a indicação do advogado José Antônio Toffoli para preencher a vaga aberta no Supremo Tribunal Federal com a morte do ministro Carlos Alberto Direito.

Mentir e coçar é só começar, diz um velho provérbio, ao qual pode ser acrescentados todos os verbos dos vícios e dos pecados. O que temos diante dos olhos, agora, não passa de mais um repetitivo capítulo da falta de pudor deste país – e agora como nunca na sua história – onde mais nada deveria surpreender em matéria de ética.

Mas não foi assim quando Francisco Rezek deixou o STF para ser ministro de Relações Exteriores de Fernando Henrique Cardoso durante dois anos e depois retornou à Corte, nomeado pela segunda, como nunca tinha acontecido na história deste país?

Que importância tem um bacharel, reprovado duas vezes em concurso para juiz de primeira instância e cuja única aprovação, afora os arguições da faculdade, foi o exame da OAB para lhe permitir o exercício da advocacia? O presidente não vive dizendo, sob os aplausos de mais de 75% da população, que não se precisa de faculdade para governar o Brasil? Por que discriminar e exigir deste cidadão – ou de qualquer outro – que entenda do que vai fazer? Ora, o notório saber – que coisa fora de moda...

Contudo, o futuro ministro do STF, José Antônio Toffoli, foi condenado – faz dez dias agora – a devolver R$ 720 mil ao Tesouro do Amapá por vícios na licitação que lhe concedeu prestar serviços de advogado ao governo estadual.

Que importância tem isso, em um país onde José Sarney é presidente do Senado, Renan Calheiros manda no Congresso, Fernando Collor de Mello agride impunemente seus pares, o cassado José Dirceu manobra os bastidores do Planalto, os anões do Orçamento, os sanguessugas da máfia da Saúde, os mensaleiros e demais corruptos foram todos absolvidos – que importância tem a nomeação de José Antônio Toffoli para ministro do Supremo? Ora, a conduta ilibada – que coisa que nunca esteve em moda no Brasil...

Tudo isso conduz, pela semelhança com o Brasil de hoje, ao poema satírico do fim do século 15 – Das Narrenschiff” (“O navio dos tolos”), escrito pelo alemão Sebastian Brant, pouco depois da descoberta da América. Narra a viagem de 100 alienados em uma nau que busca o paraíso dos tolos. O poema é divertido, mas, fora de seus versos, a História mostra que ela jamais chegará a lugar algum. Seu verdadeiro destino é a tragédia.

Nossos tolos são bem mais de 100. Algumas dezenas de milhares instalaram-se nas cabines de primeira classe do Palácio do Planalto, do Congresso e do Judiciário, deixando ao relento, no tombadilho os milhões que trocam seus votos pelas promessas de paraíso. Uns e outros, entretanto, são passageiros de um barco que, a permanecer nesta rota, jamais chegará a lugar algum.

A propósito

Existem várias obras em muitos idiomas, inspiradas no poema de Sebastian Brant, entre elas o romance da Katherine Ann Porter, "The Ship of Fools", do qual foi extraído um filme com o mesmo nome. A primeira edição em português foi feita pela Livraria do Globo, com texto traduzido por Leonel Vallandro.

O título, porém – "A nau dos insensatos" – parece ter a marca de Érico Veríssimo. Seria interessante elucidar o pormenor. Foi caso de tradução melhor que o original. Por sua vez, tem inspirado vários escritores, muitos dos quais, com toda a certeza, nunca ouviram falar do poema de Brant.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Rosh Hashaná – Jayme Copstein

Amanhã, 19 de setembro, sendo lua nova, e porque é a lua nova mais próxima – antes ou depois – do começo do outono no Hemisfério Norte, o calendário judaico marca o primeiro dia de Tschiri, seu sétimo mês. E sendo assim, os judeus de todo mundo comemoram o inicio de um novo ano - 5770 - com a festa de Rosh Hashaná.

Pode parecer estranho que uma religião comece o seu ano pelo sétimo mês, não pelo primeiro. Não há nenhuma novidade nisso. Todos os povos têm dois calendários, o civil, de origem agrícola, e o religioso, nascido do período de inatividade e de reflexão, imposto pelos rigores do gelado inverno do Norte.

O cristianismo também é assim: o primeiro dia de seu ano litúrgico é o primeiro Domingo do Advento, que inicia o período de preparação para o Natal. É o quarto domingo antes de 25 de dezembro e pode ser cair entre 28 de novembro e 3 de dezembro, dependendo do dia semana, de segunda a domingo, em que o Natal for celebrado em determinado ano.

As semelhanças não param aí. O Advento é período de reflexão, reconhecimento dos pecados (confissão) e expiação (orações), como preparação para comemorar a vinda de Jesus.

O Rosh Hashaná também marca período de reflexão, de dez dias, chamado Yamin Noraim, ao fim do qual está o Yom Kippur, o Dia do Perdão, quando o crente presta conta de seus pecados a Deus e d'Ele obtém perdão, com seu nome escrito no Livro da Vida.

Segundo o judaísmo, por seus méritos ou deméritos, o homem tem seu nome inscrito no Livro da Vida ou no Livro da Morte. Mas vida e morte aí não têm sentido físico e sim o de estado de graça, junto a Deus.

Para o judeu este estado de graça é a razão de viver e também de morrer. A sua relação com Deus é a própria essência do judaísmo. Ela se faz diretamente, sem intermediários. O rabino não é um sacerdote. Sua palavra, acatada quando sábia, não tem força de lei e a nada obriga.

Esta relação pessoal se estabeleceu quando Deus, depois do dilúvio, firmou aliança eterna com toda a carne vivente do planeta, prometendo não mais exterminá-la. É a primeira vez na história da cultura humana, que o Direito prevalece sobre a Força. Naquele momento, o próprio Deus renunciava ao seu poder de matar para submeter-se ao direito de viver dos homens e dos animais.

Há mais direitos e deveres no judaísmo. As relações de um homem com Deus só pertencem a ele e a Deus. Daí porque os judeus não tentam converter ninguém a sua fé e relutam em aceitar conversos: seria interferência indevida nas relações deste homem com Deus.

Da mesma forma que um homem não pode interferir nas relações de seu semelhante com Deus, não pode Deus interferir nas relações entre dois homens. Cria-se, então, situação peculiar: Deus pode perdoar o pecado que alguém cometa contra Ele, mas não tem o direito (força tem porque onipotente Ele é) de perdoar o pecado que um homem comete contra outro homem.

Daí porque, nestes dez dias, que começaram amanhã com o Rosh Hashaná, os judeus examinam não só as suas faltas em relação a Deus, mas também contra seus semelhantes, judeus ou não judeus. Os que não as repararem, não obtendo a reconciliação, não terão seus nomes inscritos no Livro da Vida.

Shaná Tová Tikateiv – que os seus nomes sejam inscritos no Livro da Vida, leitores deste blog.


 

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Alô, Rio Grande! - Jayme Copstein

Moisés Mendes, dono de texto que se lê com prazer, referiu-se ontem em Zero Hora aos antigos programas de mensagens, em moda no rádio da década de 1960. Fui produtor de um desses programas – Alô, Rio Grande! – transmitido diariamente pela Rádio Farroupilha, de segunda a sábado.
O “Alô, Rio Grande” fora criado e era apresentado por Cândido Norberto, em rápida passagem pelos Diários Associados, logo após ter saído da Rádio Guaíba. por inspiração do superintendente Nelson Dimas de Oliveira, replicando um “Repórter Campineiro”, da Rádio Campina Grande, da Paraíba, de onde ele viera para o Rio Grande do Sul. Quando Cândido retornou à Rádio Gaúcha, seu lar de verdade, o programa coube a mim e se manteve no ar mais algum tempo até o Dentel (Departamento Nacional de Telecomunicações) o proibir por infringir o monopólio das comunicações que pertencia aos Correios.
Programas como “Alô, Rio Grande!” logo se disseminaram por todas as emissoras do Interior, gerando folclore, aproveitado com inteligência por Moisés Mendes. para dissecar as conversas cifradas dos “detrões”, neologismo cujo significado os leitores não terão a menor dificuldade em decifrar, se tiverem em mente a gatunagem do Detran.
Nada disso, porém, tem a ver com o sucesso daqueles programas que prestavam excelente serviço à população, suprindo a precariedade das comunicações no país. Dificilmente alguém nascido nos últimos 30 anos, capaz de falar instantaneamente com Tóquio pelo Skype, poderá imaginar a dificuldade de ligar de Porto Alegre para a Ilha da Pintada por razão bem simples: escassez dos telefones na Ilha da Pintada. Naquele tempo de telefonia estatizada, o telefone mais barato no chamado mercado negro custava 2,500 dólares, uma ligação para o Rio de Janeiro demorava de seis horas de a ser completada através da telefonista.
Imaginem vocês um seu Simplício, de Picada da Vaca, operado na Santa Casa de Porto Alegre, precisado mandar notícias para a família. Hoje, liga o celular e na hora mostra que está ao vivo e a cores. Naquela época só lhe restava o rádio: “Seu Simplício avisa que saiu tudo bem e pede para mandar a carroça esperá-lo na terça, à tardinha, no bolicho do seu Nagib”.
Naquela época, os salvadores da pátria ostentavam com grande orgulho o “nosso patrimônio”. Sempre fiquei em dúvida da abrangência deste “nosso”, pois além da multidão que não tinha acesso a telefone, conhecia uma senhora que era dona de 500 linhas telefônicas. Recebera um bom dinheiro do seguro, quando enviuvara e um consultor de negócio lhe indicou os telefones. Alugava o uso de cada linha a preços que variavam entre 150 a 500 cruzeiros, cabendo ao inquilino, é claro, pagar a conta da CRT.
Contudo, ela era lambaria em um mar de tubarões. É só ler os jornais da época, que eles estão coalhados de anúncios oferecendo a locação de telefones. Naquele tempo, que como hoje gerava sinecuras para gente do poder, tive de tirar empréstimo para conseguir arrematar uma linha em leilão judicial, por valor equivalente a 2500 dólares.
Santolin em Paris
De hoje até dia 30, horário comercial, no Press Café do Moinhos Shopping, Nilton Santolin expõe a Paris que enxergou através de sua câmera fotográfica. É um artista talentoso, capaz de descobrir o detalhe surpreendente na própria mesmice da rotina. Arte em preto e branco, rara nos dias de hoje. Vale à pena dar uma olhada.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Sarney, o ubíquo – Jayme Copstein

Não vou repetir a velha piada, perguntando se comprariam o carro usado de Zé |Sarney. Mas preparem-se para coisa igual pois se anuncia pressa no Senado, na aprovação da reforma política sob a impoluta presidência do seu caráter sem jaça.

Um dos pontos em debate, que, aliás, interrompeu o andamento da reforma na semana passada, trata do preenchimento de cargos executivos – presidente da República, governador e prefeito - quando o titular fica impedido de exercê-lo. As coisas corriam bem até alguém lembrar que Zé Sarney, o Santo do Brasil, realizara mais um milagre, demonstrando cabalmente na prática que os últimos serão os primeiros: conseguiu fazer a amada pimpolha Roseana governadora do Maranhão outra vez, apesar de ter perdido a eleição para Jakson Lago.

Incréus, não duvidem da santidade de Zé Sarney. Se São Francisco levitava e falava com os pássaros, Sarney tem o dom da ubiqüidade: vive no Maranhão, mora no Amapá e multiplica os pães do genro padeiro, isso sem falar nas bolachinhas da netinha.

Honra ao mérito

No alarde em torno da emenda constitucional que aumenta o número de vereadores, estão cometendo baita injustiça: omite-se o nome do deputado federal gaúcho Pompeu de Mattos (PDT), autor do projeto. Até é bom o deputado se alertar e pôr seu nome em todas as esquinas do Rio Grande do Sul, com a indicação – "Fui eu!". Só assim o eleitor poderá recompensá-lo com uma votação avassaladora em 2010.

A propósito

O projeto do deputado Pompeu de Matos foi tão bem feito que a partir da sanção, o TSE e o STF trabalharão em dobro. Juízes eleitorais que aceitarem a vigência retroativa da emenda, terão de recalcular o quociente eleitoral, mudando a composição das respectivas câmara municipais. Vereadores eleitos que perderem seus mandatos vão estrilar. Onde a retroatividade não for admitida, os "vereadores suplentes (?!?) reclamarão o mandato que o eleitor lhes negou, mas tão generosamente o deputado Pompeu de Matos lhes presenteou.

O dono da bola

Está com tudo e não está prosa o deputado Pompeu de Mattos: um cabo eleitoral em cada "vereador suplente". Deve bater recorde de votação em 2010.

Ditos e achados

"A Política é arte. E arte difícil que requer longo aprendizado além de alguma sensibilidade. Tomando um eminente militar que nunca fora político e entregando-lhe o poder unipessoal, praticamente absoluto, apesar da aparente manutenção do Congresso, condenou-o a praticar erros graves que, se não por patriotismo, pelo menos por habilidade, os políticos mais ordinários não perpetrariam. (...) Apesar da pouco estima que geralmente se lhes vota, por causa, principalmente do infeliz sistema de governo que não só não sabe formá-los, mas também os deseduca e perverte, os políticos são indispensáveis ao funcionamento do Estado democrático". Raul Pilla, discurso de despedida da vida pública, em 31 de agosto de 1966.

Vai acontecer

David Raskin lança hoje "Três Deuses e uma Trindade", às 7 da noite, na Livraria Cultura (Bourbon Country), edição de autor. O livro investiga fatos históricos de três monoteísmos – judaísmo, cristianismo e islamismo – procurando desmitificar conceitos religiosos tradicionais que fazem parte da cultura da sociedade.


 

domingo, 13 de setembro de 2009

Maracutaias de A a Z

Há um conto de Arthur Azevedo sobre uma donzela (naquele tempo elas se chamavam assim) para a qual nenhum candidato a marido servia. Como o tempo fosse passando e os maritáveis escasseando, para não se tornar solteirona (era o estágio seguinte do donzelato e alternativo ao de freira), aceitou casar com honrado comerciante de secos e molhados (o pitecantropo erectus dos supermercados de hoje).

Pois dito e feito. No dia seguinte ao himeneu (=casamento. Permitam: o conto é antigo) a respeitável senhora achou de tirar o atrasado e começou a colecionar amantes, arquivando os respectivos nomes por ordem alfabética. Começou pelo Amâncio, apesar de lhe lembrar de longe o marido, passou por Berilo, preferiu César a Cornélio para não esquecer definitivamente o marido, e teve alguma dificuldade para encontrar um Querubim devasso, mas quem procura sempre acha.

Quando a mulher concluiu sua alfabetização com um certo Zenóbio, o marido houve por bem (como diziam os jornais do século 19) dar um tiro na cabeça, para fugir ao ridículo. Deixou um bilhete lacônico: "Antes de casar, ninguém lhe servia. Depois, não há quem não lhe sirva".

Lembrei-me do conto, aqui reproduzido de memória, quando o PT, casado com a Presidência da República, começou a colecionar aliados cujos nomes, se não correspondiam às letras do alfabeto, compensavam portando todos os artigos e parágrafos do Código Penal. Pensei que o "zenóbio" da coleção tivesse chegado com as dadivosas biografias atribuídas por Luiz Inácio Lula da Silva a Zé Sarney, Renan Calheiros e Collor de Mello. Eram apenas o "x" da questão. A última letra do alfabeto veio mesmo com este espaventoso convite da deputada petista Stela Farias, presidente da suposta CPI do Detran, para ouvir Lair Ferst, réu principal do processo que corre na Justiça Federal.

Com toda a certeza é o Zenóbio da lista. O suicida tinha razão: "Antes de casar, ninguém lhe servia. Depois, não há quem não lhe sirva".    

A propósito

Lair Ferst, personagem e réu principal do escândalo do Detran responsabiliza quatro jornalistas – Fernando Albrecht, José Barrionuevo, Rogério Mendelski e Políbio Braga por seu infortúnio. Declarou ao Ministério Público – trechos liberados pela deputada Stela Farias, segundo Zero Hora – os "quatro jornalistas (...) eram veículos de plantar informações sempre com a característica bem clara de quem lia".

O trecho, tal como foi publicado, só permite certeza quanto ao assassinato da língua portuguesa. Contudo, é instigante. Se todos os jornais e todos os jornalistas citaram diretamente o nome de Lair Ferst na comandância do esquema, por que só os quatro jornalistas foram citados? Por que furaram todo o mundo, denunciando a roubalheira do Detran quando ainda era segredo de bastidores, bem antes de Yeda Crusius tornar-se governadora do Estado?

Ora, o Zenóbio...

Ditos e achados

"A Política é arte. E arte difícil que requer longo aprendizado além de alguma sensibilidade. Tomando um eminente militar que nunca fora político e entregando-lhe o poder unipessoal, praticamente absoluto, apesar da aparente manutenção do Congresso, condenou-o a praticar erros graves que, se não por patriotismo, pelo menos por habilidade, os políticos mais ordinários não perpetrariam. (...) Apesar da pouco estima que geralmente se lhes vota, por causa, principalmente do infeliz sistema de governo que não só não sabe formá-los, mas também os deseduca e perverte, os políticos são indispensáveis ao funcionamento do Estado democrático". Raul Pilla – Discurso de despedida da vida pública – 31 de agosto de 1966

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Chanchada Para Incautos – Jayme Copstein

Como no Brasil véspera de eleição começa no dia seguinte ao da eleição anterior, nossos parlamentos – da Câmara Federal em Brasília à Câmara Municipal de São João do Passa Quatro – não passam de meros palanques onde fazer oposição significa não deixar governar.
Quem nos ensina esta magistral lição é o atual presidente da República, Luiz Lula da Silva, com prática comprovada: foi oposição durante 16 anos, é governo há dois mandatos. Ele só tem uma queixa – que a oposição faça o que ele fazia com o Governo quando era oposição, ressalvada pequena diferença: os gatunos que acusava antes, agora o apóiam e foram recompensados com biografias de respeito.
O Rio Grande do Sul não podia fugir à regra. Mas, como não somos muito jeitosos para fazer as coisas, acabamos pondo os pés pelas mãos. Comissões parlamentares de inquérito são procedimentos para apurar desvios de conduta. Aplicam sanções às infrações da ética e denúnciam à Justiça, se comprovado, crime previsto pela legislação penal.
Pois inventaram uma CPI na Assembléia Legislativa do Estado, buscando na Justiça, antes mesmo da conclusão do procedimento judicial que apura responsabilidades penais no escândalo do Detran, elementos para depor a Yeda Crusius, cujo afastamento já foi negado pela juíza do processo. Em outras palavras: nossos ilustres deputados vão duplicar as mais de mil páginas do processo, paralisar a Assembléia e torrar uma verba montanhosa, só para acossar a governadora.
Não é mesmo uma beleza? Faz jus à sigla: Chanchada Para Incautos.
Coerência
Não acusem o ministro da Justiça, Tarso Genro, de incoerência. Está zangado com os ministros do STF que votaram pela extradição de Cesare Battisti, autor de vários homicídios na Itália. Tarso concedeu asilo ao terrorista porque, naturalmente, julgou que os crimes foram cometidos por uma boa causa. E quando extraditou os dois inofensivos boxeadores cubanos que também pediram asilo ao Brasil, foi porque não contribuíam para demonstrar que não era tão boa assim. Sempre pela causa.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

O xadrez na Justiça – Jayme Copstein

Um dos assaltantes presos pela Brigada Militar, por participação no assalto à agência do Banco do Brasil, de Monte Belo, na Serra Gaúcha, já tinha ganho notoriedade no ano passado. Detido junto com outros sete quadrilheiros, sob suspeita de planejar assaltos as bancos e a carros fortes, mas foi solto da Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas porque a Superintendência dos Serviços Penitenciários não dispunha de transporte e pessoal para conduzi-lo à audiência no Foro de Nova Prata

O incidente gerou manchetes em jornal pelos seus paradoxos: o assaltante, por ser perigoso – e justamente por ser perigoso não podia ser levado à audiência em uma viatura comum, com acompanhamento de apenas um ou dois agentes, para que não fugisse. Então, por isso, foi posto em liberdade.

Com o perdão do trocadilho, justiça seja feita ao Judiciário do Rio Grande do Sul porque a moda não foi inventada aqui. Nasceu no Supremo Tribunal Federal quando integrantes da chamada "tropa de choque" do PCC, sob o mesmo fundamento, também soltos, após prisão por planejar assalto, não a bancos ou carros fortes, mas à Penitenciária 2 de Franco da Rocha. Segundo o apurado em escutas telefônicas da polícia paulista, a ação pretendia soltar 1.279 presos. Com o grupo, após cerrado tiroteio, foram apreendidos 5 submetralhadoras, 5 fuzis, 6 pistolas, 3 granadas, 2 revólveres e 5 coletes à prova de bala.

O ministro Carlos Ayres Britto fundamentou seu voto com estas palavras textuais: "falta de efetivo estatal para apresentação de presos ao juízo criminal, tendo em vista a alta periculosidade dos agentes". Acendeu-se o debate e sobreveio a indagação lógica: por que a Justiça brasileira não adota de um vez por todas a teleaudiência, já em uso na Europa, Estados e Canadá, que poupa os deslocamentos dos delinquentes perigosos e apressa os julgamentos? Pode-se fazer idéia da necessidade e até da urgência em adotá-la com os quase 200 milhões de reais gastos anualmente no Brasil para conduzir delinqüentes aos Foros.

Há magistrados argumentando que, sem a presença física do criminoso, é impossível detectar se ele não está coagido por algum agente penitenciário, ou até por outros detentos, a assumir culpas que não tem. Na prática, contudo, essa "ausência física" não tem impedido os próprios ministros do Supremo Tribunal Federal a conversarem nas redes sociais da Internet durante julgamentos, como já foram surpreendidos.

Houve até um magistrado que preferiu jogar xadrez com o computador,o que já nos enche de esperanças. Como todos sabemos, xadrez é um jogo que ajuda a abrir a mente, a ampliar as idéias e também a lembrar que há um população ordeira e indefesa, que não pode ficar à mercê de elucubrações bizantinas mais perigosas que os próprios delinqüentes que delas se beneficiam.

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Lição de vida

O drama enfrentado pelo vice-presidente da República, José Alencar, é capítulo da vida de todos. É o cálice que nos cabe beber para arrematar a festa de existir e regressar ao Nirvana, de onde saímos para nascer.

Nunca nos preocupa saber como era antes de nascer, e a explicação simplificada de proteínas se combinando por incitamento de hormônios em nada nos afeta. Mas a mesma resposta insatisfatória, quando nos falam na decomposição do corpo em combinações de carbono, nitrogênio e fósforo, com direito à assombração do boi-tatá, nos apavora quando perguntamos o que vem depois da morte.

Como político, a trajetória de Alencar não é de chamar a atenção. Mas, justamente por ser figura pública, lega exemplo pessoal digno de se perpetuar na memória da Nação. Ele enfrenta o inevitável com coragem e equilíbrio. Não recorre a pieguices para comover e angariar a piedade nem tenta refúgio no milagre das pajelanças. Simplesmente reza o de sempre, o mesmo de quando tinha toda os seus dias pela frente – o "Padre-Nosso" que os cristãos aprendem quando crianças, como nós, os judeus, o Shemá.

Alencar não formula lições de vida e esta é a sua lição de vida. Faz dois anos que os médicos lhe disseram que a batalha contra morte estava perdida. Não se queixou, e só agora contou aos jornalistas. Dedica-se, desde então, a lutar para não perder o que lhe resta viver e se engrandece ao mostrar que teria feito falta se não tivesse nascido. É a sua vitória contra a morte. Vai sobreviver a ela.

Festa de gaúcho

O jornalista José Luiz Prévidi, dono de humor inteligente critica com toda a razão a incompetência do Rio Grande do Sul no que diz respeito a festas: "Não tenho implicância com os grandes eventos que tentam fazer no nosso Estado – diz Prévidi - mas são todos de lascar. A Expointer, por exemplo: o povo vai lá e paga uma grana preta para andar no barro, para comer mal e não ganha nem um brinde. Nem folheto (pobre sempre adorou juntar folheto). Lembram que no ano passado o principal restaurante não aceitava cartão de crédito? Nos desfiles cívicos, como o recente 7 de Setembro, é um horror! O infeliz tem que sair de casa rezando para não ter vontade de fazer xixi ou, pior, uma inesperada dor de barriga. Não instalam banheiros químicos, não tem jeito! Ainda não fui nos desfiles de Carnaval, porque não sei chegar lá e tenho medo de me perder. Mas me dizem que o local é de primeiro mundo."

Prévidi externa a insatisfação de muita gente sobre dois eventos culturais que exigiram imensos esforços de gerações passadas para alcançar projeção internacional: "O que falar do Festival de Cinema de Gramado? Virou point de sumidades que integraram o BBB. Bons tempos aqueles em que o Brasil fazia cinema, nas décadas de 70 e 80 do século passado. E a Feira do Livro de Porto Alegre? Em que virou aquilo? Bons tempos em que se podia conversar na praça da Alfândega com escritores de verdade, como Rubem Fonseca, Mario Quinta e Ligia Fagundes Telles. Hoje é um "evento cultural" – argh!!"

Sobra, na conclusão, também para o Acampamento Farroupilha: "Não gosto de criticar o Acampamento, porque o repórter e amigão Giovani Grizotti fica furioso. Todo ano oferecem novidades, tal e coisa, mas o barro é a principal característica do local. Ninguém sai de lá sem terminar com os calçados e sem sujar as calças de barro. É tarefa de gincana gaudéria."

O texto completo pode ser lido em www.previdi.com.br

terça-feira, 8 de setembro de 2009

O ovo e a galinha – Jayme Copstein

A necessidade de repor e atualizar os equipamentos das Forças Armadas, ninguém discute. Pergunta-se: não há outros setores clamando por investimentos mais urgentes, sem serem atendidos para evitar o endividamento? O presidente Lula, antes tão orgulhoso por ter reduzido a dívida externa a insignificâncias, deve estar contando com o ovo no oviduto da galinha para atrelar o país a uma nova conta de 24 bilhões de dólares que exigirá o desembolso de mais de um bilhão por ano nas próximas duas décadas.

O Presidente justificou as compras bilionárias de armamento francês com a necessidade de defender a riqueza do pré-sal. "Deve sempre passar pela nossa cabeça a idéia de que o pré-sal já foi motivo de muitas guerras e conflitos, e nós não queremos guerra nem conflito". Como a nossa própria Marinha prevê que o primeiro submarino brasileiro com tecnologia francesa só deve ficar pronto em 2015, cria-se a dúvida: o pré-sal não será "atacado" antes de 2015 ou não produzirá nada, antes desta data, que desperte a cobiça das forças ocultas?

Segundo o diretor financeiro da Petrobrás, Almir Rabassa (JB Online 1º de setembro de 2009), a exploração do pré-sal vai exigir nos próximos cinco anos investimento adicional de outros 10 bilhões de dólares, ou seja, mais dois bilhões por ano. Com o bilhão e meio dos franceses, a conta sobe para três bilhões e meio. De onde vai se tirar tanto dinheiro?

Não haverá nenhum problema, é claro, se o ovo sair do oviduto da galinha. Do contrário, todo o sacrifício dos anos 1990, para que o Plano Real desse certo, terá o mesmo destino da história brasileira sob o governo de triste memória, chefiado por Zé Sarney: - a lata do lixo.

Em 2008, tão logo surgiram as primeiras evidências do pré-sal, engenheiros da Petrobrás, falando sobre obre a viabilidade econômica da extração do petróleo àquela profundidade, não se intimidavam com cotação do barril despencando de 120 para 60 dólares. Profetizavam cotação de 200 dólares, em 15 anos no máximo. A Petrobrás tinha investido 200 milhões de dólares, a produção do pré-sal custaria apenas 25 dólares por barril, era um alto negócio, seríamos felizes para sempre – apenas precisávamos mudar a regulamentação do setor.

Veio a contradita: os 200 milhões de dólares tinham sido gastos na descoberta do pré-sal. O desenvolvimento do sistema de exploração era outra etapa, custaria bilhões de dólares, não havia – como não há até agora – saber quanto custará.

Em suma: gastar por conta deste ovo, é uma temeridade. Oxalá o Presidente saiba do que está falando. Se a galinha estiver sofrendo de prisão de ventre, que Deus tenha pena do Brasil.


Carla não veio

Notícias de Brasília dão conta de fila e pistolão na disputa de convites ao palanque para assistir o desfile de Sete de Setembro. Demonstração de civismo como "jamais aconteceu na história deste país", como nos ensinou nosso deslumbrado Guru. Depois, sabido que a modelo Carla Bruni, consorte do ilustre presidente Sarkozy não vinha, sobrou convite porque houve até devolução. Sorte nossa. Se com a Carla ausente, Lula comprou o que comprou, com ela presente os franceses teriam conseguido até indenização por terem sido expulsos do Rio de Janeiro em 1567. Aliás, talvez Sarkozy nem precisasse de tanto – era só pedir aos dadivosos Marco Aurélio Garcia e Celso Amorim, que levava. Como fez o "companheiro" Lugo em relação a Itaipu.

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Stalin e a II Guerra Mundial – Jayme Copstein

Appio Martins de Souza escreve para contestar o que foi publicado nesta coluna (Duas semanas de agosto – 24,08), "atribuindo a Stalin um papel decisivo" no desencadeamento da II Guerra Mundial, ao firmar o pacto com Hitler, para poder abocanhar metade da Polônia. Ficou chocado porque nutre devoção à figura do ditador, e repisa a tese de que Stalin, na sua clarividência, adivinhava os planos de Hitler e apenas avançou preventivamente suas linhas de defesa até metade da Polônia.

Os fatos não confirmam a tese de Appio. Um dos primeiros estudos sobre a Segunda Guerra Mundial – "Ascensão e queda do III Reich" – de William Shirer, narra a surpresa e os esforços de Stalin, tentando contado diplomático com o Berlim, para interromper a invasão da URSS. Ordenou a seus generais um comportamento adequado, para mostrar aos alemães que tudo poderia ser resolvido através de entendimentos diplomáticos.

Ainda que Norman Davies, em "Europa na Guerra 1939 – 1945" (Editora Record) afirme que houve apenas rumores nesse sentido, mas não provas, Simon Seba-Montefiore em Stalin - A Corte Do Czar Vermelho
(Companhia das Letras)" relata cena interessante, transcrita por Davies em seu livro:

"O stalinismo girava em torno da ditadura pessoal e do culto à personalidade do Grande Líder, o Vodz. E o prestígio da liderança de Stalin atingiu o fundo do poço na última semana de junho de 1941. No dia 26, o general Vorochilov foi enviado ao front para localizar os comandantes. Ele encontrou os marechais Kulik e Chapochnikov e o general Pavlov sentados na chuva, em uma espécie de "acampamento cigano", totalmente inertes. No dia 28, Stalin e seu entourage foram pessoalmente ao Comissariado da Defesa exigir uma explicação. Seguiu-se uma discussão incendiária. Jukov perguntou acodidamente: 'Camarada Stalin, temos permissão para prosseguir com nosso trabalho?' Dizem que Jukov caiu em prantos. Molotov o consolou. No caminho de volta, Stalin disse: 'Tudo está perdido. Eu desisto. Lenin fundou o nosso Estado. E nós f....... com ele'. Stalin foi para sua dacha e sumiu de vista. Ele pode ter sofrido uma recaída ouuma crise nervosa, Mas também estava testando os nervos de seus camaradas,como Ivã, o Terríuvel, costumava fazer. Quando o Politburo por fim reuniu coragem para dirigir-se até Kuntsevo, e implorar-lhe que voltasse ao trabalho, ele achou que tinham ido para prendê-lo. Em vez disso, eles disseram: `Não há ninguém mais valioso que você`. E o regime stalinista voltou aos trilhos".

A cena é típica das ditaduras sanguinárias. Até Salazar, cuja estatura política é significativamente mais modesta que a de Hitler ou Stalin, infundia tal terror aos portugueses, que nunca tiveram coragem de lhe dizer que não governava mais, quando imobilizado pelo derrame que o matou, continuou dando ordens à Nação.


 

domingo, 6 de setembro de 2009

D Pedro poeta e músico – Jayme Copstein

Não se precisa falar das estroinices de Pedro I, imperador do Brasil, mas para melhor entendimento, é preciso considerar que era muito jovem quando se tornou personagem da História. Com apenas 24 anos, proclamou a Independência. Morreu aos 36, após governar o Brasil durante nove anos, ter abdicado do trono Português, onde foi Pedro IV, em favor da filha Maria II, e liderado uma revolução para repô-la no trono usurpado pelo irmão D Miguel.

Segundo filho de D. João e Calota Joaquina, D. Pedro só se tornou herdeiro da coroa portuguesa após a morte do irmão mais velho, D. Antônio. Repelido pela mãe, que não escondia preferências por D Miguel, criou-se no convívio de criados, crescendo como uma planta selvagem, vigorosa e ouriçada de espinhos. Nele, tudo era instinto, e impulso. Quando se enfurecia. Explodia em palavrões de arrepiar, sem olhar onde estava ou quem estivesse por perto. Em compensação, derramava-se em versos e também em música quando se sentia enternecido ou motivado pelas pessoas e pelos fatos.

A bem da verdade, seus versos eram muito ruins. Poucos dias após a Independência, já completamente apaixonado por Domitilia de Castro e Canto Melo, enfureceu-se ao saber dos comentários de damas paulistas sobre a vida leviana da amante. Escreveu um soneto: " "Filha dos Césares / Imperatriz Augusta / Tu abateste altiva soberbia,/ Com que tuas damas de raça ímpia / Abater queriam quem deles não se assusta. // Vede, aristocratas cafres quando custa / Espezinhar aquela cuja alegria / Consiste em amar a Pedro e a Maria. / Titilia bela, a tua causa é justa, // O mérito, a verdade, em todos os países, / Apareceram sempre em grande resplendor / Sustentem-nos os soberanos:são suas raízes. // Conta com Pedro, pois ele é defensor / Do pobre, do rico, do Brasil, dos infelizes. / Ama a justiça, para seus amigos é vingador.

Se como poeta não podia ser levado em conta, já sua música era melhor. É dele a melodia do nosso Hino à Independência, executado na mesma noite de 7 de setembro, no Teatro Ópera de São Paulo, onde se comemorava o grande acontecimento. Como o Grito do Ipiranga foi proferido às 4 e meia da tarde, não haveria tempo para compô-la. Já estava elaborada há algum tempo.

O fato tem sido usado como argumento para defender a tese de que D; Pedro tivesse premeditado a Independência, proclamando-a tão logo a oportunidade se ofereceu. A verdade é que, à noite, no Teatro, só havia a melodia. O alferes Thomaz de Aquino e Castro, pior poeta que o Imperador, tentou preencher o vazio com esta bajulação: "Será logo o Brasil mais do que Roma / Sendo Pedro seu primeiro imperador".

Logo em seguida, o secretário pessoal do Príncipe, Souza Chichorro, declamou um poema, com destaque para os versos: "Ou ficar a pátria livre / Ou morrer pelo Brasil". Como não foi dito na ocasião quem era o autor, julgou-se ter sido escrito por D. Pedro. Como casava bem com a melodia, o poema acabou incorporado como letra ao Hino da Independência. Só muito anos mais tarde, já depois de 1831, quando D Pedro já abdicara do trono e saíra do Brasil, a verdade veio à luz: era letra de outro hino – Brava gente brasileira – composto pelo jornalista Evaristo da Veiga.

Nos degraus do Trono – Assis Cintra

Nota: Talvez já não haja mais quem estranhe o comportamento desbragado dos nossos políticos. Entretanto, aos que acham ser coisa dos "tempos de hoje", eis como o príncipe D. Pedro conheceu Francisco Gomes da Silva, malandro de botequim que atendia pelo apelido de "Chalaça". O episódio é narrado pelo escritor ASssis Cintra em "Nos degraus do Trono", do qual extraiu-se o capítulo ora transcrito.

Pedro I fez de Chalaça amigo do peito, conselheiro dileto, "ghost writer|" e figura de influência nos destinos da Nação. Quando o ex-malandro de botequim morreu, em 1852, deixou aos filho fortuna calculada em 1,250 milhões de mil-réis fortes, valendo algumas centenas de milhões de reais de hoje.

Em 1820 havia na rua da Viola (depois Teófilo Ottoni), uma casa de hospedagem de Maria Pulquéria, cognominada – "Maricota Corneta", porque dava o sinal das refeições com uma corneta que pertencera ao seu defunto marido, corneteiro do antigo corpo de infantaria da Corte.

Depois das ave-marias, ali se encontrava o que havia de melhor, na pândega e na valentia, o Rio de Janeiro desse tempo. De vez em quando a polícia do intendente João José da cunha dava uma batida na espelunca e levava para o calabouço meia dúzia de desordeiros.

Às vezes era a polícia que fugia, deixando na dobrada das esquinas alguns mortos e feridos. Tão famosa era essa hospedaria que, um dia, o príncipe D. Pedro resolveu conhecê-la de perto. Disfarçado com uma grande capa paulista, acompanhado de um valente e robusto camareiro, foi, à noite, visitar a "Hospedaria da Corneta".

Entrou. Discutia-se política e marafonices. Já se percebe que o vocabulário e as frases eram bocagianas, capazes de fazer corar o mais resistente frade de pedra. Chalaça trocava versos, dedilhando sua viola, com um pretalhão de olhos esbugalhados, ex-escravo do Paço, alforriado por ter salvo a vida de Carlota Joaquina, num acidente de cavalo. Chamava-se ele José Januário.

Aboletado numa das mesas de madeira rústica, D. Pedro assistiu à disputa dos dois turunas. De repente, José Januário, encarando o pseudo paulista, abriu a boca num sorriso alvar e cantou:


 

Paulista é pássaro bisnau,

Sem fé, nem coração:

É gente que se leva à pau,

A sopapo ou pescoção.


 

Toda a assistência olhou para o homem do capote paulista e riu numa estrondosa gargalhada. D. Pedro, rubro e nervoso, levantou-se. Afastando colérico a ponta do seu grande capote, com que ocultara a face ao entrar na espelunca, gritou ao companheiro, dando-se a conhecer:

- Meta o pau nessa canalha...

O negralhão branqueou ao reconhecer o príncipe e... fugiu na mais desabalada das carreiras. Os valentes sumiram, com exceção de um: "O Chalaça". Para ele investiu o companheiro do príncipe, de cacete erguido. Esperto como uma raposa, Chiquinho Chalaça evitou o golpe e com uma rasteira, pôs o agressor no chão, de pernas para o ar. Tomou-lhe o pau e, segurando-o pelo casaco, atirou-o por uma porta, para o quintal da hospedaria.

Maricota Corneta escondeu-se debaixo da mesa. Defrontaram-se apenas dois homens: o Chalaça e o príncipe. Este último tremia de furor. Então, calmo e sereno, o barbeiro tirou o largo chapéu catalão que usava, e, numa reverência de gentil-homem e um sorriso nos cantos dos lábios, murmurou:

"Francisco Gomes da Silva apresenta a Vossa Alteza os seus respeitos e os seus serviços".

D. Pedro não se conteve. Estrondou numa formidável gargalhada, dessas que só os portugueses sabem dar depois de um bom vinho de Trás-os-Montes e de uma bacalhoada minhota. Em seguida, alegre e aceitoso:

- Chalaça, tu és um homem...

"Permita Vossa Alteza que eu lhe conte o prognóstico de minha tia: chamava-me ela sr. comendador."

D. Pedro, de braços abertos, caminhou para o Chalaça e, apertando-o num grande amplexo, exclamou:

- Muito bem, comendador Chalaça...

Depois disso, D. Pedro fizera dele um amigo do peito e companheiro de aventuras amorosas.

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Histórias de Bocaccio – Jayme Copstein

Velava-se ainda o corpo do ministro Carlos Alberto Menezes Direito, quando surgiu nos jornais a nominata de uma dezena de candidatos para preencher sua vaga no STF. De alguns se dizia mais, de outros se dizia menos, logo a Internet explodiu em maledicências, apontando o nome de alguém como reprovado duas vezes no concurso para juiz substituto de primeira instância.

Se tudo o que foi dito tem fundamento ou não, é o que menos importa. A sociedade brasileira perdeu qualquer referência de convivência civilizada. Não se respeitou nem a solenidade do momento nem a dor da família de Menezes Direito. A ninguém ocorreu que o processo de aceitação da morte de pessoa próxima é sempre difícil e só aos poucos aqueles que o amam conseguem realizar a sua partida. A voracidade com que arrivistas se jogam na disputa de sua vaga soa como profanação.

Não há de faltar quem atribua à imprensa a responsabilidade da deselegância. Com toda a certeza, um editor equilibrado não permitiria tal exercício adivinhatório de mau gosto, mesmo porque não passa de mera charlatanice. Ressalve-se, porém, que a imprensa não é nem a origem nem detém o monopólio da vulgaridade. Apenas reflete o mar imenso do descalabro, estendido até o próprio STF, onde, revela-se agora, navegam advogados militantes como funcionários administrativos, desmoralizando a legislação que proíbe o exercício da advocacia a "ocupantes de cargos ou funções vinculadas direta ou indiretamente" a qualquer órgão do Judiciário e aos "que exercem serviços notariais e de registro".

A Folha de São Paulo, onde a denúncia foi publicada originalmente, identificou quatro funcionários de gabinetes de ministros do STF nesta situação. Como é exigida, na posse do funcionário, declaração de que conhece as restrições do Estatuto, está caracteriza a falsidade ideológica e o exercício ilegal da profissão de advogado. Na teoria, multa e até cinco anos de cadeia.

Na pratica, bem, na prática também é exercício de profecia tecer qualquer consideração. No início da semana, a Corte julgou a violação do sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa. É um episódio grotesco, gerado na sem-cerimônia com que um ministro de Estado, Antônio Palocci, associado a lobistas, decide protagonizar um episódio vulgar, digno do Decameron. Flagrado na estroinice, para eximir-se da responsabilidade, usa o aparato do Estado contra um humilde caseiro que posara de Bocaccio caboclo para imortalizar os costumes deste República.

Como Palocci tem foro especial, o julgamento subiu ao STF apenas para decidir se a denúncia podia ser aceita e iniciar-se o respectivo processo. Três anos depois, nove ministros reconheceram que houve indício de crime, porém cinco deles, somente em relação a Jorge Mattoso, ex-presidente da Caixa Econômica Federal, que violou o sigilo bancário de Francenildo a pedido de Palocci.

Ele, Palocci, foi excluído do processo. Como disse Demétrio Magnoli, em artigo publicado no Estadão, "Uma frágil maioria, de cinco contra quatro juízes, alinhou o Judiciário com o paradigma do Executivo, expresso por Lula: no Brasil, o Estado distingue os "homens incomuns" dos "homens comuns".

A todas essas, o STF retirou do caseiro Francenildo Costa todas as referências que ele tinha sobre convivência civilizada e o condenou a desacreditar do Brasil..

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Wilde e a América Latina- Jayme Copstein

Oscar Wilde, autor de frases antológicas, referindo-se à hipocrisia da sociedade inglesa do século 19, escreveu em "Lady Windermere" que a virtude das mulheres dependia de uma boa costureira e que se pode resistir a tudo, menos às tentações. Parece sob medida para a política latino-americana, onde todos se vestem de democratas, logo após enxotarem os ditadores de plantão, mas, logo adiante, não conseguem resistir a tentação de se perpetuar no poder.

Desde o fim dos regimes militares, no final dos anos 1980, entusiasmava e comovia o ardor com que se retomava o processo democrático no continente. Nenhuma das novas constituições, justamente para garantir a alternância no poder e afastar o fantasma do totalitarismo, permitia reeleições. Éramos todos democratas da cabeça aos pés, enrolados em nossas bandeiras, cantando hinos pátrios e bradando palavras de ordem. E, naturalmente, indenizados generosamente por nossas frustrações libertárias.

Nem 20 anos se passaram e já temos, na Argentina, 10 anos de Carlos Menem (1989-1999) e Casal Kirchner (1999 em diante); no Peru, de Alberto Fujimore (1990-2000); na Venezuela, de Hugo Chávez (1999 em diante); no Brasil, oito anos de Ferrnando Henrique Cardoso (1995-2002) e quase outro tanto de Luiz Inácio da Silva (2003 em diante).

Pois agora, quase um nada depois de terem deposto o presidente de Honduras, por desrespeito à Constituição e desacato à Suprema Corte, festejam a vitória de Álvaro Uribe, na Colômbia, obtendo de seu congresso, também contra dispositivos constitucionais, mais um mandato de quatro anos, ele que já está há oito no poder. Se comprou votos, como dizem os adversários, ou apenas garantiu a "governabilidade", como dizem os integrantes da "base aliada" de lá, pouco ou quase nada importa. O essencial é que Uribe, caso vença o referendo – 70% de probabilidades, correspondentes aos seus índices de popularidade – iguala-se a Hugo Cháves, ainda que faça praça de convicções políticas opostas.

Em resumo, a América Latina continua a mesma. Pouco importa que se lhe façam os mais belos vestidos jamais trajados na história de qualquer democracia. O problema são as tentações. Resistir quem há de? Dá até hino para a próxima "desdemocratização".

Irrevogáveis revogações

Se o senador Aloizio Mercante, conhecido por irrevogável firmeza na revogação do irrevogável, disse que a urgência pedida por Lula para os projetos do pré-sal não tem objetivos eleitoreiros, podem todos ter certeza que... tem. De certa forma, sua coleguinha e correligionária, senadora Ideli Salvatti, já começou a preparar a irrevogabilidade da revogação, admitindo que o Congresso não conseguirá votar os projetos do pré-sal antes da metade de 2010.

Ditos e achados

O economista Dagoberto Lima Godoy escreve, destacando o editorial de anteontem do jornal O Estado de São Paulo – o Palanque do Pré-sal, sobre os modelos que o presidente Lula quer impor à Nação sem debatê-los. Vale a pena ler. Apenas como amostra, este achado, bem no final da matéria: "No seu discurso, Lula falou que a 'dádiva de Deus' do pré-sal pode virar uma 'maldição', se não se souber administrar os seus proventos. Estatizar a economia num país em que a privatização do Estado avança a galope - basta ser namorado da neta do presidente do Senado para obter um emprego público - é tornar o risco da 'dádiva de Deus' virar maldição uma alta probabilidade."

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

A porta da geladeira – Jayme Copstein

O presidente Lula, em manifestação anteontem, criticou o que chama de "oposição" pela ameaça de obstruir o projeto do pré-sal. O primeiro equívoco é incluir no mesmo chavão quem deseja tempo para examinar com mais profundidade o modelo proposto, cujos eventuais defeitos demandarão décadas para serem corrigidos, tal como aconteceu no próprio setor energético, isso sem falar na telefonia e nos transportes, cujas mazelas ainda estão patentes em nossa memória.
Na sua simploriedade, Lula, apesar das espertezas eleitoreiras, é incapaz de distinguir, na chamada "base aliada", quem não sofre da mercadântica carneirice que consegue revogar até o irrevogável, e deseja saber se o modelo é realmente o mais adequado. Por ter diante dos olhos apenas a eleição presidencial de 2014, quando espera regressar triunfalmente ao Planalto, Lula tem dificuldade de separar a riqueza do pré-sal do céu mais azul e das matas mais verdes ostentados orgulhosamente em nosso Hino. Daí comportar-se como o torcedor de futebol, com o rádio no ouvido, que abre a porta da geladeira para ajudar o goleador do seu time a converter um pênalti e acusa o juiz de ladrão porque deixou o goleador nervoso com a exigência das regras.
Não é outra a fonte da acusação de Lula, de que opositores estão sempre "achando que as coisas não devem dar certo porque acham que quem perde é o governo." No Sul temos um provérbio a calhar sobre as preocupações do Presidente: praga de urubu não mata cavalo gordo. Se a viabilidade econômica torna o pré-sal tudo isso que estão dizendo, não será a reflexão mais demorada sobre o modelo de exploração que nos impedirá de sermos felizes para sempre. É bem o contrário do que pensa e deseja quem tem pressa de se tornar o Rei do Brasil.
Eduardo Weiss escreve: "Na fábula de Esopo, A Lebre e a Tartaruga, a lebre subestima a tartaruga e resolve dar uma cochilada. Acaba perdendo a corrida. Moral: 'quanto mais devagar estamos, mais rápido chegamos à linha de chegada'. Alguém pressupõe que os engenheiros e demais especialistas da Petrobras vão dormir ao invés de pesquisar e planejar? A pecuária leiteira evoluiu bastante desde o século V a.C. Já as questões políticas, estas são inevitáveis, pois a empresa é hoje a 6ª mais lucrativa do mundo e a 34ª em porte (algumas fontes variam). Envolve e envolverá grandes emoções e interesses nos próximos 200 anos, época em que o petróleo se manterá como principal matriz energética. Política a parte, interessa-me muito mais o que os engenheiros da empresa têm a dizer, seja no contexto do governo atual ou dos próximos, independente dos resultados das eleições. Particularmente, prefiro opinar sobre a escalação da Seleção Brasileira: fatores de risco em prospecção de petróleo no pré-sal ainda é assunto que me foge ao intelecto, inclusive apenas para especular hipóteses. Sendo a Petrobras empresa de capital aberto, qualquer projeto mal engendrado ou falacioso causaria quedas vertiginosas nas ações. É pagar pra ver."