quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Pesquisas- Jayme Copstein

A coluna de ontem, analisando os números da pesquisa Data/Sensus sobre a corrida presidencial, provocou manifestações de leitores, desta vez até me deixando pasmado, unânimes em relação ao que um dos leitores chamou de "atrevimento" da imprensa, analisando estatísticas como se tratasse de um jogo de futebol. "Nem no futebol acertam, que dirá de eleição", ele escreveu.

Sou obrigado a concordar que, já há algum tempo, temos um problema sério, na imprensa, qual seja o de ter descambado para o terreno da profecia aquele desejo muito saudável do furo ou da informação privilegiada, única, que os concorrentes não deram. Contudo, informação não é adivinhação. Confundir intenções declaradas de voto com voto válidos foge da mera interpretação, podendo ser confundido com preferência por um ou outro candidato e até engajamento em algum partido político. Esta é queixa dos nossos leitores.

O raciocínio mais simples nos diz que, se pesquisa de opinião pudesse antecipar resultado de eleição, para que eleição? Bastaria contratar o mais simpáticos dos institutos de pesquisas, poupando a dinheirama que se gasta e também a trabalheira insana de mobilizar mais de 100 milhões de votantes, como fazemos a cada dois anos neste país.

Há pontos básicos em uma pesquisa de intenção de votos que parece não serem levadas em conta. Em primeiro lugar, não há pesquisa no mundo que possa prever o índice de abstenção. Tomem, por exemplo, o segundo turno da eleição para governador do Rio Grande do Sul em 1988. A diferença entre Olívio Dutra, o eleito, e Antônio Britto, que disputava a reeleição, foi de 80 mil votos. A abstenção chegou a 15% do eleitorado, mais de um milhão de votos. Quantos desses eleitores não queriam nem Olívio nem Brito, quantos caíram na cilada do não precisa e do não adianta votar, porque "ele já ganhou ou já perdeu, meu voto não faz diferença?" Se as pesquisas permitissem aos jornalistas entrar na alma das pessoas, aí, sim, ele poderiam, com base em seus números, antecipar o resultado de um pleito.

Outro equívoco cometido nas redações aos interpretar os dados de uma pesquisa é tomar parte pelo todo. Foi o que aconteceu em 1988, quando um redator da revista IstoÉ, com base nos 14% da intenção declarada de votos de eleitores portadores de diploma universitário afirmou que Mário Covas estaria no segundo turno, disputando a presidência contra Fernando Collor de Mello. Covas chegou atrás de Luis Inácio Lula da Silva e Leonel Brizola.

Há um detalhe pouco conhecido do grande público em relação às pesquisas eleitorais: não são prioritárias na vida dos institutos de pesquisa. O seu forte é a mídia – teste de novos produtos, de embalagens e necessidades de consumidores para a criação de novos serviços e consequente expansão dos negócios. Pesquisas eleitorais entram aí como uma atividade quase acessória, de propaganda da competência de identificar situações.

Dinheiro novo

Enfim! Pela primeira, desde que me conheço por gente – e olha que isso faz tempo! – o Brasil muda as cédulas do seu dinheiro não porque a inflação as inutilizou, mas para dificultar a falsificação, facilitada pelo fácil acesso à tecnologia de impressão. O Governo aproveitou a oportunidade para resolver as dificuldades dos cegos de identificar o valor de cada nota, pois todas tinham o mesmo tamanho. Com os novos modelos, as de maior valor serão maiores, o que também vai impedir falsários de transformarem um real em até 100 reais.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Sob os bigodes de Sarney – Jayme Copstein

Com toda a certeza, depois desses anos todos, devo ter desaprendido a interpretar pesquisas de opinião. Daí a minha perplexidade diante do alvoroço causado pelos números da última Pesquisa Data/Sensus, com direito a vaticínios sobre o resultado do pleito.

Tenho a mesma posição de Paulo Santana, quanto ao próximo presidente da República, limitada a escolha a Dilma Roussef ou José Serra, mas não por indiferença. Ambos têm mostrado ao longo do tempo, não serem suscetíveis ao banditismo utópico que ainda não encontrou porta aberta cá no Brasil.

Há uma segunda razão para o "tanto faz, tanto fez". Se alguém tem alguma dúvida do que é uma herança maldita, o fim de novembro vai ensinar: está à espera do sucessor de Lula uma bomba de várias gigatoneladas, facilmente detectável com o dólar que começa a fugir e principalmente com a inflação que começa a subir, deixando para trás os números de 2003, quando Fernando Henrique Cardoso transmitiu a presidência.

Portanto, Serra ou Dilma, Dilma ou Serra, tanto faz como tanto fez. O legado é muito semelhante ao de Orestes Quércia, quando faliu o Estado de São Paulo – ele só admitiu ter quebrado o Banco do Estado – para eleger seu sucessor, Luiz Fleury. Todos sabemos do que custou ao povo paulista e a Mário Covas repor a locomotiva nos trilhos, o que, aliás, já induz a uma reflexão: como teria sido escrita a História do Brasil, se em lugar de se distraírem com a briga do sindicalista com o caçador de marajás – os dois agora são tão amigos! – os eleitores tivessem prestado atenção aos que lhes dizia Mário Covas.

Mas voltemos à última Pesquisa Data/Sensus. Se depois de toda a exposição dos últimos meses, a tiracolo de Lula, de Seca a Meca, Dilma só conseguiu 27,8%, enquanto Serra, sem sair de São Paulo, ainda subiu 1,4%, onde está a transferência dos 81,7% da popularidade do presidente Lula à sua candidata? Se ele lhe repassasse apenas 40%, menos da metade, ela já estaria abrindo um boqueirão sobre todos os outros competidores. Mesmo a pesquisa espontânea mostra a resistência do eleitor à candidata: toda a exposição lhe valeu 9,5% das indicações, apenas 0,2% acima dos 9,3% de um Serra que só estará presente e mostrando sua plataforma a partir de abril.

Chama a atenção que a diferença mais apertada de 6,9% só aparece quando Ciro Gomes é apresentado ao eleitor, também como candidato à Presidência da República. Quando não acontece, Serra dispara para 40,7% enquanto Dilma tem de se contentar com meros 28,5 – raquíticos 0,7% de transferência.

Ciro Gomes tira votos de Serra, mas não os transfere para Dilma? Ou será que os 11% de Ciro – correspondem a 10 milhões de eleitores – são aqueles mesmos votos que foram negados a Lula, no primeiro turno de 2006, quando ele achou que sua popularidade poderia reelegê-lo sem necessidade de aliados? E que retornaram ao seu cantil, após a apressada visita de penitência a São Luiz do Maranhão, Belém do Pará, e, principalmente, Belo Horizonte?

É um enigma cuja solução, do alto de seus bigodes, Zé Sarney & Cia Ilimitada podem falar com autoridade.

Ditos e achados

Fernando de Barros e Silva, sobre o Forum Social Mundial, na Folha de São Paulo: "Que esquerda é essa que vira as costas aos estudantes venezuelanos e não se manifesta contra a escalada autoritária de Chávez? Que esquerda é essa, para quem o mensalão não existiu ou acha que 'a vida é assim mesmo'? Que esquerda é essa, capaz de defender a barba de Fidel Castro e o bigode de José Sarney?"

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

A revogação da Anistia – Jayme Copstein

No debate em torno do que fazer com a história dos anos de chumbo, vale o fato de que criança, depois de fabricada, não tem como ser devolvida. A história também não pode ser revogada. Ela é uma lição com advertências para que os erros do passado não se repitam.

No Brasil, porém, o que se está discutindo não é o que fazer com a história, se deve – e deveria – ou não ser contada agora, mas a revisão parcial da Lei da Anistia, o instrumento que a sociedade brasileira encontrou, nos idos de 1980, para resolver seus impasses políticos e reingressar na normalidade democrática.

O jurista Sepúlveda Pertence, em 1979, argumentou que anistiar significa "esquecer o passado e viver o presente, com vistas ao futuro". O verbo adequado seria relevar o passado, para que se possa pensar o futuro. Não se pode perder de vista o truísmo atribuído a Brecht, de que o esquecimento do passado é condenação a revivê-lo amanhã. A Lei da Anistia não nem tem nenhuma permissão em seu texto para sepultar o relato dos crimes que foram praticados por todas as partes envolvidas.

Contudo, este é o seu limite. A ditadura militar, em 1979, já sob a presidência de João Batista Figueiredo, quis excluir da anistia o que alguns chamava "crimes de sangue". A sugestão tinha a mesma perversão ideológica de quem hoje sacraliza os assassinatos cometidos por Cesare Battisti, só que partia do lado contrário. Não há diferença, a não ser a torpeza do motivo, na verdade puro sadismo, entre o carrasco ainda não identificado que fraturou o pescoço do jornalista Vladimir Herzog e Carlos Lamarca que esmigalhou a coronhadas o crânio do tenente PM Alberto Mendes Junior. Crimes foram e continuam sendo, apenas sua punibilidade ter sido extinta pela Lei da Anistia.

Contra esta perversão ideológica, desde o início os movimentos de retorno à democracia falaram em "anistia ampla, geral e irrestrita". Em 1979, o Movimento dos Artistas pela Anistia Ampla, Geral e Irrestrita dizia com coragem: "(...) justamente quando o Presidente "jura" fazer de nosso país uma democracia, é concebida uma anistia repleta de parágrafos, de itens que restringem e, portanto, reprimem novamente. Não podemos admitir, sobretudo, que quando se pretende uma conciliação Nacional sejam anistiados uns e marginalizados outros".

O Instituto dos Advogados e o Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil na ocasião também reagiram à anistia capenga que o regime pretendia impor à Nação. Foi nesta ocasião que Sepúlveda Pertence, escreveu: "A Anistia, representando reconciliação da nação consigo mesma, deve ser ampla, deve ser geral e deve ser irrestrita. (...) Não deve ter limites, já que as características do ato político, se variaram de caso a caso tiveram um mesmo fator motivante. Sendo ato de conciliação da nação consigo mesma, não deve ser feita nenhuma forma de gradação ou consideração da natureza do ato político. Significa esquecer o passado e viver o presente, com vistas ao futuro".

Não tem, pois, muito sentido, falar-se em revogação da Lei da Anistia, menos ainda em revogação parcial, para punir apenas uma das partes. E não faz nenhum sentido quando se tem presente que, mesmo sem a Lei da Anistia, todos cometidos até 1980, já estão prescritos.

Só faz sentido uma hipótese. Que a manobra esconda, como alguém que recua, caminhando sobre seus próprios passos, desmoralizar as forças armadas para imobilizá-las moralmente diante de um golpe que falhou lá atrás e foi por elas impedido.