sexta-feira, 30 de julho de 2010

Curiosidades – Jayme Copstein


 

O noticiário sobre a corrupção no Brasil, envolvendo milhões de reais, tornou-se tão banal que o brasileiro acabou perdendo o entendimento do que seja um milhão.

O que significa realmente um milhão? Se alguém contasse em voz alta, 24 horas por dia, sem parar – 1.... 2.... 3.... até um milhão – de maneira a dizer um algarismo ou número por segundo, gastaria nada menos que 12 dias para terminar a enumeração.

O passo normal de uma pessoa, contando do calcanhar do pé que fica para trás à ponta dos dedos do pé que avança, mede em torno de 75 centímetros.

Significa que, se alguém se dispuser a dar um milhão de passos, quando acabar terá percorrido nada menos do que 750 quilômetros.

O exemplo mais contundente refere-se às moedas de um real que manipulamos todos os dias. Têm espessura de dois milímetros (cálculo arredondado para menos, para facilitar o cálculo). Se conseguíssemos empilhar um milhão de moedas de um real, uma em cima da outra, formaríamos uma coluna de 2 quilômetros de altura, ou seja, um edifício de 10 andares.

O dinheiro dos mortos

Mas já que foi referido o dinheiro dos "vivos", falemos também no dinheiro dos mortos – sem aspas. Ainda persiste o hábito, em pequenas cidades do interior, de colocar moedas nos olhos dos defuntos, sob o pretexto de manter suas pálpebras cerradas.

O costume foi herdado dos portugueses, nos tempos coloniais, e mudou com o correr dos anos. Primitivamente se colocava um pão e uma moeda debaixo da cabeça do morto. O pão era para mostrar que não morrera de fome. O dinheiro, para entregar a São Pedro, a fim de que abrisse as portas do céu.

Os portugueses não inventaram esta superstição. Foi herdada dos gregos que acreditavam em um rio subterrâneo,o Aqueronte (Rio das Dores)m separando o mundo dos vivos do mundo do além. Um cão de três cabeças, Cérbero, guardava a porta do reino da morte.

Os gregos punham moedas na boca do defunto e um bolo nas suas mãos. As moedas serviam para pagar Caronte, o barqueiro que fazia a travessia do Aqueronte. O bolo era para acalmar a fúria de Cérbero.

Como a corrupção é tão antiga quanto o homem, as famílias mais ricas enchiam a boca do finado de moedas, na suposição de Caronte o faria passar antes dos demais defuntos.

Com o correr dos tempos, a religião dos gregos, povoada de deuses e deusas muito humanos, foram cedendo lugar a outras crenças. Mas as superstições ficaram, com algumas modificações no ritual e profunda transformação nas justificativas.

A linguagem dos leques

Não se sabe ao certo quem inventou o leque, mas foram os italianos que o introduziram na França no século 17. A partir de então, espalhou-se por toda a Europa e o resto do mundo, predominando majestoso até ser substituído pelos prosaicos ventiladores e condicionadores de ar.

Durante seu reinado, os leques desempenharam papel importante na etiqueta social. Eram instrumento de comunicação secreta entre namorados, na época em que a moral não permitia momentos de intimidade, mesmo que fosse só verbal, entre jovens do sexo oposto.

Em um baile, se um homem olhava uma mulher e ela se abanasse, movendo lentamente seu leque, isso significava – "Você me é completamente indiferente".

Se a moça surgisse à janela, abanando-se, ela estaria dizendo ao namorado que logo iria sair à rua. Se apenas exibisse o leque fechado, era um aviso: – "Não saio hoje".

Se a jovem agarrasse o leque pelo meio, era sinal de alerta. Queria dizer: "Mamãe descobriu tudo. Cuidado!"


 


 

 

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Fim de uma história – Jayme Copstein

O calendário histórico assinala como efeméride na data de amanhã, 31 de julho, a volta de Pedro Álvares Cabral a Lisboa em 1501, encerrando a viagem que resultou no Descobrimento do Brasil. Se a partida do Tejo, em 8 de março do ano anterior fora majestosa, com o próprio Rei D. Manuel indo entregar a Cabral a bandeira de Cristo, o regresso da expedição foi sombrio.

Festa, nenhuma. Glórias, muito menos. Pelo contrário, Pedro Álvares Cabral foi relegado ao ostracismo, perdendo, inclusive, o comando de nova expedição projetada para 1502 e que de fato partiu, mas com Vasco da Gama.

Nenhuma explicação clara pôde ser oferecida, até o presente, para a mudança de atitude da Coroa Portuguesa em relação ao Descobridor que lhe tinha acrescentado tanto território. As versões são muitas, indo desde a recusa do próprio Cabral em aceitar um comando cuja autoridade seria dividida com outros capitães, até a ingratidão de D. Manuel.

A versão mais provável, mas pela qual os historiadores não mostram apego, é apenas sugerida por Jaime Cortesão, ao atribuir a Cabral "prudência chegando ao extremo limite que ultrapassado se torna em cobardia". É referência ao fato de que "tendo as naus quase de todo carregadas, evite o combate com as naus do Samorim", e indica que o Descobridor do Brasil descumpriu a finalidade principal da expedição. Em vez de demonstrar a força que asseguraria o monopólio comercial em Callecute, nas Índias, criou problemas que só seriam resolvidos mais tarde por Duarte Pacheco. Para que a bravura dos portugueses não pudesse perdoar a falta, a "prudência" deveria estar muito bem caracterizada.

Que existiu motivo justo para a destituição, pode ser deduzido da carta que Afonso Albuquerque, tio da esposa de Cabral, endereçou a D. Manuel em dezembro de 1514.
O documento está incompleto em virtude de se acharem alguns trechos apagados pelo tempo, mas no que restou, pode-se ler:

"(...) como obra de minha obrigação que neste caso tenho a minha irmã e aos meus sobrinhos e a meus parentes; e por isso hei por pedir Pedro Álvares meu cunhado casado com minha sobrinha... eu fui o que concertei e ordenei este casamento... era mui bom fidalgo e merecedor disto... e acredito que Vossa Alteza tinha de sua pessoa o contentamento dos seus serviços e de sua bondade... agora Senhor vejo esta quebra sua ante Vossa Alteza durar muitos dias em tempo que Vossa Alteza se serve geralmente dos cavaleiros e fidalgos do vosso Reino... os quais recebem mercês e rendas... segundo cada um faz e merece... Assim o tendes lançado de vosso serviço e quanto a mim mais parece que a culpa deste feito era sua... hei de crer que ele tem certo o perdão e galardão de Vossa Alteza como vimos por experiência em outras pessoas serem lhe seus erros perdoados... eu Senhor vos beijarei as mãos por ele ser chamado de Vossa Alteza aconselhado e repreendido e tornado em vossa graça e serviço...".

Por que haveria Afonso de Albuquerque dizer que lhe parecia culpa de Cabral o "ter sido "lançado" do serviço do rei". E por que haveria de pedir perdão para ele, de pedir para que fosse chamado, repreendido e aconselhado e, depois disso tomado novamente a serviço?

Se El-Rei respondeu, não se sabe. Mas que não atendeu, isso é certo. Cabral ainda continuaria vivo por mais três anos, sem que nenhum outro encargo lhe fosse confiado.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

A peruca de Dilma – Jayme Copstein

A política é realmente arte de iniciados, fora do alcance das pessoas comuns. Satirizado como "Indio-quem?" logo que seu nome surgiu como candidato a vice-presidente, em poucas semanas o deputado Índio da Costa (DEM-RJ) fez mais estragos na campanha de Dilma Roussef que os marqueteiros de José Serra em todos os meses anteriores. Até agora a candidata de Lula e os petistas não conseguiram descolar o rótulo de intimidade com as Farc que ele lhes grudou.

Dilma e os petistas acusaram o golpe. Dilma, em entrevista a uma emissora do Rio Grande do Norte, tentou retomar a comparação do Governo Lula com FHC, desqualificando Índio e acusando Serra de usá-lo como menino de recados, para infundir medo ao eleitorado, como "ocorreu com Lula em 2002". Não adianta falar da careca de Serra porque ele não diz uma palavra sobre a peruca de Dilma. E Índio da Costa já não pode mais ser devolvido ao anonimato.

De qualquer maneira, o pior não veio de Serra, cavalheríssimo em suas colocações, nem mesmo do exuberante Índio da Costa. O pior veio do aliado Ciro Gomes, enraivecido por ter sido usado, ele sim, como menino de recados de Lula. A recente declaração de que vai votar em Dilma apenas dá o dito pelo não dito, mas não apaga o desabafo anterior, de quando afirmou que ela é menos preparada que Serra para exercer a Presidência. Ciro apenas ganhou lugar de honra no Bloco dos Revogáveis Irrevogáveis, na boa companhia de Aloizio Mercadante, o obediente tarefeiro do Presidente.

Alem de Índio da Costa e Ciro Gomes, Dilma devia responder a Helio Bicudo, vice da chapa de Lula na eleição para o Governo de São Paulo em 1982 e que em 2005 deixou o PT, desiludido com os rumos do Partido. Em entrevista no início deste mês ao jornal O Estado de São Paulo (http://tinyurl.com/3y3dtay), Bicudo ao declarar seu voto em Marina Silva, após afirmar que "Lula quer Dilma Rousseff no poder para continuar mandando no País", acrescentou:

"Acho José Serra um homem competente. Plínio (Arruda Sampaio, candidato pelo Psol) é meu amigo e um homem de grande valor, que deixa tudo de lado para atender ao interesse público. Mas, Marina Silva expressa o ideário de um país onde todos são iguais, comprometido com os direitos humanos, não só relacionados à pessoa, mas ao meio ambiente."

Por sua vez, os petistas também "encheram a bola" de Índio da Costa e da oposição, ao ameaçar processar uns e outros para obrigá-los a se calar. É beco sem saída. Como poderia prosperar qualquer medida judicial nesse sentido, se não há como negar a intimidade, documentada por fatos, como a hospitalidade ao ex-Padre Medina, o embaixador da Farc no Brasil, ou por registros no Foro de São Paulo? É só acessar http://tinyurl.com/23hdoe9, para ler a relação dos "Partidos Membros". Ou http://tinyurl.com/272e9hv
para ver e ouvir o auditório inteiro do Foro São Paulo, do qual participavam José Eduardo Cardozo, Valter Pomar e Marco Aurélio Garcia, aplaudindo a solidariedade e as condolências de Daniel Ortega às Farc, pela morte de seu fundador e principal líder, Pedro Antonio Marin, o comandante Manuel Marulanda Vélez da guerrilha colombiana.

Ademais, a esta altura dos acontecimentos, negar ou escamotear tal intimidade, não só com as Farc, mas com outras facções similares – Cesare Battisti está aí, lépido e faceiro – não parece um sólido exercício de lealdade, ao menos com o eleitorado.


 

terça-feira, 27 de julho de 2010

Que mal tem? – Jayme Copstein

Já arrefece o impacto da morte, no Rio de Janeiro, do adolescente Rafael Mascarenhas, filho da atriz Cissa Guimarães. Vai cedendo a outros personagens o lugar que ocupou momentaneamente na tragédia brasileira, cuja extensão pode ser medida pelo número de vítimas em ocorrências de trânsito.

Os números são aterradores. Nos dias seguintes ao do episódio os jornais publicaram estatísticas, relatando um acidente de trânsito a cada dois minutos, só computados os ocorridos nas rodovias. No total, 42 mil pessoas morrem por ano (uma a cada 15 minutos) no tráfego das estradas e das ruas do Brasil, porque em mais de 99% dos casos alguém comete imprudências. Ou seja, pequenas transgressões, "que mal não têm porque prejudicam ninguém".

Quando as autoridades sofrem acessos de moralização (sempre fugazes) e fingem agir com rigor, o país é unânime contra a "indústria das multas". Um estacionou "só cinco minutinhos" em fila dupla, outro passou "ligeirinho" o sinal vermelho, não tinha ninguém no cruzamento, um terceiro até dirige melhor quando entorna umas que outras, todos botam o pé na tábua quando não tem pardal à vista. Nada além de pequenas transgressões que mal não têm porque não prejudicam ninguém.

No Rio de Janeiro, funcionários municipais interditam alternadamente, da uma às cinco da manhã, uma e outra das entradas do Túnel Acústico, nas terças e quintas-feiras, para reparos e conservação. Se as obras vão ou não se realizar, não lhes diz respeito. É com outro departamento. Interditam e vão embora.

Naquele dia, não havendo manutenção no Túnel Acústico, à uma da madrugada três adolescentes decidem aproveitar o declive da pista para praticar skate. A hora e o local são inadequados para a prática de qualquer esporte, havia a interdição, mas como fazer em outra hora e em outro lugar, se só naquele lugar, com aquele declive, não passavam carros porque estava interditado e sem policiamento? Que mal tem se não prejudica ninguém?

Por sua vez, os PMs escalados para o local, não se colocavam na entrada do túnel para impedir a violação. Punham-se na saída para cobrar "pedágio" dos transgressores. Rapazes ricos, a quem não falta o dinheiro do papai, que mal tem extrair-lhes alguns "trocados" se não prejudica ninguém?

Apostando na impunidade, jovens bem aquinhoados vão fazer "racha" no túnel interditado. Não havia ninguém, os PMs eram "compreensivos", por que não? Que hora e lugar melhores, se não nada passava, nem gente, nem carros etc. etc. etc. Que mal tem se não prejudica ninguém?

Acontece o atropelamento, mas ainda não é tragédia porque o "alguém" atropelado ainda não foi identificado. Ele ainda é "ninguém". E sendo "ninguém", o pai do atropelador sente-se autorizado a negociar com os PMs a impunidade do filho. E a teria comprado se, de repente, não viesse a notícia de que o "ninguém" era "alguém", filho de Cissa Guimarães e de Raul Mascarenhas, dois nomes de expressão do mundo artístico.

A Nação entrou em choque. As pessoas indignaram-se, bradaram por justiça, mais uma vez quiseram a pena de morte, a prisão perpétua, o linchamento, esquecendo que, lá atrás, sobraram de episódios semelhantes os despojos do mendigo andrajoso, do índio embriagado, da "baixa" prostituta, do biscateiro sem-teto, de trabalhadores humildes nas paradas de ônibus, enfim, da fauna do mundo-ninguém, este mundo sem rosto por onde a tragédia passa antes de chegar a "alguém".

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Dia de Mariana – Jayme Copstein

De certa feita, pedi a Mário Quintana que me decifrasse o enigma: como diferenciar o poeta maior do poeta menor? A pergunta tinha sentido. Na época, andava em curso a maior das pequenas asneiras ditas todos os dias neste país: Manuel Bandeira era o maior dos poetas menores.

O que queriam dizer com isso? Todos sabemos a diferença entre mais talento e menos talento. Não era o caso, era questão de "estatura", demolida por Quintana com uma frase: "Acho que um fala de gansos, o outro, de patos."

Lembrei-me da cena porque hoje é dia de Mariana Bertolucci autografar seu excelente "Bailarina sem breu", na Praça de Eventos do Barra Shopping Sul, às 8 da noite. Mariana assina Vip RS, a coluna social de Zero Hora, área do jornalismo também incluída quando rolam besteiras sobre o "maior" e o "menor".

Aqui não se precisa da ironia demolidora do Mário Quintana para resolver a questão porque ela se simplifica. Não há temas maiores ou menores, mas bons e maus jornalistas, os que sabem catar a notícia até em narizes vermelhos quando sopra o primeiro vento do inverno e os que não conseguem enxergar a destruição de Herculano e Pompeia porque as cinzas do Vesúvio taparam a visão.

É assim tão simples porque há um metro preciso para se avaliar o talento de quem escreve: o manejo da palavra. Basta ler no jornal as frases com que Mariana Bertolucci conta o que vê para se descobrir a jornalista competente e a escritora de talento. Mas como as notícias de sua coluna sempre deixam gosto de "quero mais", ela passou a escrever "o mais" em seu blog, de onde colheu as crônicas de "Bailarina sem breu":

"A neve castiga, a água aterroriza, o sol queima. Ainda há quem reclame de que não é mais possível pagar por raios cancerígenos em câmaras de bronzeamento artificial. Ao contrário do que se esperava, não vivemos a revolução tecnológica. A revolução contra tudo o que temos feito por aqui é a natureza que protagoniza. Sem arcas, nem Noés. A hora é de colher o que não foi plantado. Sem que se roube a esperança. Porque ela não tem desvio. Não se vende, não dá status, não tem versão genérica." (Desejos mais simples, página 13).

E tem mais, muito mais: "Não estou pregando o fim do 'e foram felizes para sempre'. Só acho que as pessoas, mesmo que não tenham obrigação de ser felizes,
não têm sido." É só ir só ir buscar logo à noite, às 8 em ponto, na sessão de autógrafos, na Praça de Eventos do Barra Shopping Sul.

Mural

Carlos Brickmann, em "Este coqueiro que dá coco", sobre a violação do sigilo fiscal do tucano Eduardo Jorge Carlos Pereira,:

"Um dia, ao acordar, uma alta funcionária da Receita Federal em Mauá, SP, sentiu uma tremenda vontade de violar o sigilo fiscal de alguém. Foi para o escritório, um nome lhe chamou a atenção: Eduardo Jorge Caldas Pereira. Pera em calda, imaginou. Que engraçado! Com um nome desses, e ainda por cima tucano, tem mesmo de ter o sigilo violado. (...)

Não acredita? Então, vamos às perguntas concretas: se a moça violou o sigilo fiscal do tucano, agiu sozinha ou recebeu ordens de alguém? No caso, de quem? Violado o sigilo, para quem foram entregues os dados indevidamente obtidos? Com que objetivo? Em latim, a pergunta é: Cui Prodest? Em português, "Quem se beneficia?" A frase é pronunciada por Medéia numa tragédia de Sêneca: quem se beneficia do crime é quem o cometeu. Não é a moça. No máximo, ela é instrumento. Os criminosos, ou criminosas, devem ser procurados mais acima."


 


 

domingo, 25 de julho de 2010

Be-a-bá da democracia – Jayme Copstein

Discute-se agora na Inglaterra se a burka e outras peças do vestuário feminino árabe devam ser proibidas. Há um ministro de Estado dizendo que a restrição contraria a tradição democrática do país, mas as pesquisas de opinião revelam que 65% dos cidadãos apoiam a proibição por temerem que terroristas islâmicos possam usá-las como disfarce.

A quem tenho colocado a questão não me dá contribuição válida ao debate. Uns são incondicionalmente favoráveis à "cultura deles", outros, incondicionalmente contrários a ela. Aos que sobram, é questão muito distante. A maioria maciça da nossa população de origem árabe é cristã maronita ou católico-romana e o número de islâmicos não é chamar a atenção.

É extraordinário, porém, que um país como a Inglaterra, já tendo sofrido na carne as agressões do terrorismo, ponha no debate, em igualdade de condições, a liberdade de expressão religiosa e a segurança da população. É parte de uma fascinante tradição democrática que tive ocasião de testemunhar e de com ela me deslumbrar quando estive em Londres pela primeira vez, em 1974.

Com exceção de período 1945-1964, em que houve relativa liberdade no Brasil – oposição consentida até certo ponto, repressão a adversários e conspirações para depor o governo – eu vivera sempre sob ditaduras, a do Estado Novo de Getúlio, até 1945, e a dos militares, começada em 1964 e então sem fim à vista.

A maior experiência prática, em termos de democracia, eu a vivera um mês antes, nos Estados Unidos, ao me deparar, em uma esquina da Broadway, com um sujeito instalado em uma mesa, junto a um poste onde colara um cartaz em que pedia, com letras garrafais, assinaturas para requerer do Congresso o impeachment do presidente Richard Nixon.

Temeroso, disse ao meu guia: "Vamos sair daqui antes que a Polícia chegue para encher todo o mundo de porradas!" Ele caiu na gargalhada e me olhava e não conseguia parar de rir. Alguns meses depois, Nixon renunciou para evitar o impeachment.

Quando cheguei em Londres, um mês depois, fui assistir em Hyde Park aos comícios dominicais. O Park é o espaço reservado a qualquer cidadão, britânico ou não, que deseje expor suas ideias, sejam elas quais forem. Mas como é proibido falar mal da Rainha com pés no solo da Inglaterra, a Municipalidade providenciou pequenos pedestais nos quais os oradores sobem para dizer o que bem entenderem, até mesmo em relação a Sua Majestade, sem infringir a lei.

Naquele domingo, havia um comício de gays e afora os militantes e simpatizantes – não eram muitos – havia mais quatro pessoas, entre elas uma dupla de bebuns que lembrava muito Mutt & Jeff das histórias em quadrinhos: um deles era baixinho, caladão, o outro alto e palrador, que a todo momento contestava as teses do orador. O meu inglês mendigo não me permitia entender tudo o que diziam, a não ser quando o bebum perguntou: "Como é que pode, homem com homem, mulher com mulher?"

De novo, não consegui entender a resposta, mas pude intuir qual teria sido porque ele puxou o bebum baixinho para junto de si – mais lhe deu uma gravata do que um abraço – e berrou: "Arranjei uma namorada!"

Neste momento, a Polícia interveio. Foram advertidos de que estavam impedindo a livre manifestação do pensamento. Ou guardavam os limites ou iam embora. A dupla escolheu a segunda hipótese e lá se foi, cambaleando, um apoiado no outro, na direção do horizonte, protagonizando uma cena chapliniana.

Foi o meu be-a-bá da democracia.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

O baixinho do bar – Jayme Copstein

Sempre há um baixinho pelos cantos de qualquer bar, que não incômoda ninguém, desde que ninguém o incomode. Bom é tomar tento e não querer descontar valentia no seu lombo. Quase sempre dá errado.

O tema, aliás, nem é novo. Simões Lopes Neto já o imortalizou em "Deve um queijo!", cujo personagem, o velho Lessa, "homem assinzinho... nanico, retaco", foi cobrado em um queijo por um castelhano, só porque era baixinho e de Canguçu. Pois o velho Lessa, abaixo de pranchaços de facão, tanto empanturrou o castelhano de queijo que o atrevido saiu ventando porta afora, todo se vomitando e mais, que não foi dito, mas ficou subentendido. No tempo de Simões Lopes Neto, certas coisas não se mencionavam em nome do bom gosto.

Pois tudo me veio à cabeça lendo a insistência de Hugo Chávez em bancar o fanfarrão de bar. Até nem vou dizer que ele devia se mirar em outro valentão, Manuel Noriega, o onipotente caudilho do Panamá, dado a intimidades com o pessoal do pó e que depois de curtir 20 anos de cadeia nos Estados Unidos, começou agora a cumprir mais sete na França.

Pela enésima vez Chávez briga com a vizinhança depois de flagrado dando abrigo a terroristas das Farc e do ELN. Tantas vai fazer que um dia o velho Lessa vai lhe enfiar o queijo pelas fuças adentro.

A flecha do Índio

Desde que a campanha eleitoral começou no Brasil, informalmente como tudo neste país, leio nos jornais os abalizados analista políticos dizendo que José Serra estava caindo na cilada do PT, querendo partir para a briga. Por mais que tenha procurado, não encontrei ainda uma notícia que disso me convencesse.

De repente, surge do nada um Índio da Costa para ser o vice de Serra. Meio minuto depois dos abalizados analistas políticos repetirem a velha piada do "Indio, quem?!?", o Índio-Quem soltou um flechaço que tonteou os adversários. O colunista do Diário do ABC, de São Paulo, Carlos Brickmann, gozou a situação em "Tem curare na flecha do Índio":

"Metralhadora giratória? Erro de cálculo? Não: a flecha de Índio da Costa tem a ponta envenenada e alcançou exatamente os alvos que queria. Primeiro, fez o PT mudar de agenda: os petistas abandonaram os ataques a Serra e passaram a atacar seu vice (que não tem problemas com isso: vice não é votado).

E ampliou uma declaração anterior de Serra, que acusou o Governo petista de não cuidar das fronteiras com a Bolívia, que seria frouxa na repressão ao tráfico de drogas para o Brasil. O presidente boliviano Evo Morales é, como o PT brasileiro e as FARC, o grupo de narcoterroristas colombianos, membro do Foro de São Paulo, grupo que reúne forças latino-americanas que se declaram de esquerda.

Processos contra Índio? Bom para ele, bom para a candidatura Serra. Chances de êxito, pequenas: a ligação entre o PT e as FARC, via Foro de São Paulo, existe, é oficial, está no site do Foro. Basta clicar http://tinyurl.com/23hdoe9 e, depois, escolher Partidos Membros.

Em http://tinyurl.com/272e9hv, assista a um encontro do Foro, com altos dirigentes petistas: José Eduardo Cardozo, Valter Pomar e Marco Aurélio Garcia".

quinta-feira, 22 de julho de 2010

A pena do ganso na Copa da África – Jayme Copstein

Na sexta-feira passada, mais uma vez me lembrei do "velho" Archymedes Fortini, com quem convivi por mais de 15 anos na Redação do antigo Correio do Povo. Fortini foi ás de reportagem em seu tempo (idos de 1910-1920) e trazia um furo por dia, praticamente sem sair da Rua da Praia, enquanto os colegas viravam o mundo pelo avesso, mas em vão.

Certa manhã em que estávamos apenas os dois na Redação, perguntei-lhe pela "mapa da mina". Não havia segredo, conforme me explicou e relatei no livro Ópera dos Vivos: "Eram uns trouxas. Saíam correndo como bando de marrecas alvoroçadas, enquanto eu ia para a rua buscar o feijão com arroz. Se o caviar caía no prato, quebrava a rotina".

Pois me lembrei do Fortini na sexta-feira passada, ao encontrar, depois de muitos anos, o casal Hajimu e Ceci Hirano, colegas de jornalismo ainda na velha Zero Hora da Rua Sete de Setembro, antes de ser incorporada ao Grupo RBS. O casal já se aposentou das redações. Ceci, especializada em saneamento, hoje dá assessoria de imprensa a empresas e repartições do setor. Hirano encerrou a carreira de repórter fotográfico quando fechou a revista Manchete. Hoje é tradutor juramentado e se dedica voluntariamente ao intercâmbio Brasil-Japão.

Foi reencontro de abraços apertados e ruidosas manifestações de apreço como acontece entre amigos após longo tempo de ausência. E também por um segundo motivo: estávamos ali para aplaudir um "guri" que praticamente víramos crescer, o Dr. César Boeira da Silva, naquela festa empossado como presidente da Agadie, a Associação Gaúcha dos Advogados de Direito Imobiliário e Empresarial.

Quando jornalistas veteranos se encontram é inevitável a comparação das épocas. Nada sobre as vantagens ou desvantagens da pena de ganso, da máquina de escrever ou do computador, apenas sobre o que era e continua sendo notícia. Hirano me conta da Seleção do Japão, a grande surpresa da Copa da África do Sul e que só foi eliminada nos pênaltis pelo Paraguai. O goleiro Yoshikatsu Kawaguchi devia ser muito conhecido dos gaúchos. Só não é porque ninguém se deu conta de que, ainda adolescente, ele aprendeu a jogar na posição, sendo treinado pelo finado Schneider, preparador de goleiros do Esporte Clube Internacional.

Kawaguchi e outros jovens vieram a Porto Alegre em um programa de intercâmbio firmado com o Colégio Shimizu (Kiyosho), da Província de Shizuoka, onde o futebol recebe atenção especial. Vários de seus alunos têm se profissionalizado e três deles, contando Kawaguchi, integraram a Seleção Japonesa deste Mundial.

Se Hirano não tivesse me contado, não teria sabido. Ao menos os jornais que li não trouxeram uma linha a respeito. O "velho" Fortini tinha razão, quando escrevia seus textos com pena de ganso, há quase 100 anos: a rotina ainda é uma boa fonte de notícias – o furo é como o caviar que cai no feijão com arroz.

A propósito

O time do Shimizu volta a Porto Alegre na terça-feira da semana que vem e fica 10 dias no Rio Grande do Sul. São 18 atletas que vêm acompanhados do treinador Masayoshi Otaki, por sinal também professor de Contabilidade do educandário. Cumprem programa que inclui jogos com equipes do Grêmio, Inter, São José, Juventude e SER Caxias.

terça-feira, 20 de julho de 2010

Cadê o nosso apito? – Jayme Copstein

Os jornais de Porto Alegre dedicaram ontem grandes espaços ao assalto contra a médica Cláudia Hilbig, dentro do Posto de Saúde Vila dos Coqueiros, baleada na perna mesmo sem reagir – sequer com palavras – à exigência de entregar as chaves do carro aos bandidos.

O caso teve repercussões: o Presidente do Sindicato Médico do Rio Grande do Sul, Dr. Paulo Argollo Mendes, revelou que há quase uma década está alertando o Poder Público sobre a insegurança de alguns postos. O Coronel Antero Batista, Comandante do Policiamento da Capital, repetiu o comentário de décadas de seus antecessores: não pode colocar um PM em cada posto. O Secretário Municipal da Saúde, Dr. Carlos Henrique Casartelli decidiu suspender o funcionamento do Posto, o que equivale à velha prática de tirar o sofá da sala, coisa que se faz, sem adiantar grande coisa, desde que o cacique Taparica viu sua filha Paraguaçu engraçar-se pelo fogo que saía do trabuco de Diogo Álvares, o Caramuru.

Aliás, o Caramuru entrou nesta história porque tudo parece conversa de índio, como diz aquela velha canção de carnaval – "Índio quer apito". Será que as ilustres autoridades se sentirão ofendidas se perguntarmos onde estão os nossos apitos?

Questão de geografia

A Polícia de São Paulo prendeu na semana passada um casal de estudantes (ele é peruano), sob acusação de pirataria. Mantinham um site na Internet, o Brasil Séries, para revelar onde obter acesso gratuito e gravar filmes e séries populares da televisão, como o chatíssimo House, mais o Friend e o Big Band Theory, a respeito dos quais não dou palpite porque nunca os assisti. Segundo a notícia, o Brasil Séries recebia 800 mil usuários (não confundir com acessos, o que já seria movimentação respeitável).

Com toda a franqueza, não sei se o casal cometeu realmente algum crime, como alega a Polícia de São Paulo, pois recebia doações para manter o site. Os políticos brasileiros também recebem doações para indicar o "mapa da mina" e a Polícia não anda atrás deles, a não ser que cometam a imprudência de estar do "outro lado".

A Polícia também alegou que o site recebia patrocínio comercial. Mas no fim de 2009, segundo noticiou a revista Exame, os técnicos do Tribunal de Contas da União identificaram superfaturamento de 120 milhões de reais em obra do governo no setor de energia, orçada em 309 milhões de reais.

Os responsáveis sequer negaram o superfaturamento, mas alegaram que técnicos do Tribunal de Contas são uns exagerados: eram "só" 78 milhões de reais. Não se sabe quantos são os "usuários" do "patrocínio", mas não sejamos exagerados: bem menos que os 800 mil do Brasil Séries serão estes "beneficiários" do Brasil Nada-Sério.

A propósito: o TCU mandou reduzir a conta nos 120 milhões, mas a Polícia não foi atrás de ninguém. Pura questão de geografia: são todos do lado de cá...

Mural

Nosso colega Alexandre Garcia, da Rede Globo, acrescenta a "O telefone que o Brasil não ligou" (Coluna do dia 16): "Meu xará Graham Bell já era, como inventor do telefone. O Congresso dos USA reconheceu, há uns cinco anos, como verdadeiro inventor (lá prá eles) o Antonio Meucci, um italiano de Nova Jérsey, que fez antes, mas não havia registrado. Era o Landell de Moura deles. Aqui, a gente não liga mesmo. País grande e bobo".

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Polanski e o Bispo – Jayme Copstein

Leitores me chamam a atenção para o que lhes parece semelhança entre os crimes do cineasta Roman Polanski e do religioso Roger Vanheluwe, ex-Bispo de Brugges (Bélgica), e também sobre a diferença de tratamento que a mídia deu aos dois casos.

Por mais insistências que receba, não tenho como me arvorar em juiz das pessoas e da mídia na cobertura dos casos específicos, não porque me sobre a religiosidade do "como julgares, assim serás julgado", mas por me faltarem dados essenciais para a análise correta. Tudo que sei é o que todos leram nos jornais e na Internet, ou ouviram no rádio e na tevê.

Acho que alguns leitores têm razão quando se queixam do aproveitamento do crime do Bispo como pretexto para atacar rudemente a Igreja, mas a perdem quando argumentam, a meu ver absurdamente, que ninguém vincula o crime de Polanski à arte cinematográfica.

Nem teriam como fazê-lo. Há uma diferença substancial entre um artista, a cuja conduta pessoal não se vincula a obra, e a natural ascendência que um sacerdote de qualquer religião exerce sobre seus devotos, marcadamente sobre crianças. Ademais, o crime de Polanski tem estado na mídia há duas décadas, desde que foi cometido. No contraponto, os abusos sexuais de sacerdotes católicos têm sido ocultados por tempo bem maior.

Não saberia dizer quantas vezes a publicidade em torno de Polanski evitou que ele ou outro gênio de qualquer arte tenham reincidido no crime. Da mesma maneira que é impossível dizer quantas crianças teriam sido poupadas da violência sexual se a hierarquia da Igreja não tivesse ocultado os abusos de alguns de seus sacerdotes.

Polanski já foi denunciado, preso e julgado nos Estados Unidos. Pode ser deportado se for a qualquer lugar, fora da Polônia, da França ou da Suíça, cuja Justiça negou extradição por "falhas na instrução do processo". Roger Vanheluwe, o ex-Bispo de Brugges, está recolhido voluntariamente a um mosteiro. Mas não há ordem de prisão para ele em nenhum país do mundo. Sequer foi denunciado à Polícia.

Estes são fatos que posso recolher do noticiário. Quanto aos filmes de Polanski, continuarão a ser aplaudidos, assim como as peças de Jean Genet ou os contos de O. Henry. Com toda a certeza também qualquer produção artística do ex-Bispo de Brugges será apreciada se ele se mostrar talentoso.

Mural

Sobre "A esquerda em baixa" (coluna de ontem) James Masi escreve: "Digo isso há décadas, apenas observando os EUA: os republicanos põem a casa em ordem, para depois virem os democratas e gastarem toda a riqueza acumulada durante o período republicano, muitas vezes criando despesas que não podem mais ser diminuídas quando saírem do poder. Levam o país próximo ao abismo da bancarrota econômica ou deixam bombas armadas para mais adiante, como essa crise imobiliária, criada no governo Carter. Leia sobre CRA em http://tinyurl.com/2cadzhq.
Essa ideia "brilhante" forçou os bancos a emprestarem a quem não teria recursos, levou 30 anos para explodir devido à pujança econômica dos EUA. Mas explodiu, um dia esses "almoços-grátis" explodem, inevitavelmente".


 

domingo, 18 de julho de 2010

A esquerda em baixa – Jayme Copstein

Enquanto na América Latina, a esquerda só conseguiu progressos eleitorais aliando-se a manjados caudilhos populistas e a corruptos de todas as roupagens ideológicas, na Europa comentaristas políticos especulam se qualquer vertente do socialismo tem futuro.

As indagações nascem do desastre econômico a que partidos de esquerda produzem quando governam, como atualmente em Portugal, Espanha e Inglaterra, ou já governaram, como França e Itália, onde continuam a sofrer pesadas críticas.

Mesmo diante da crise que assola o mundo capitalista, a opinião pública europeia não se mostra condescendente com a esquerda. É que os anos de austeridade e contenção dos conservadores no Governo têm sido sistematicamente desbaratados em benemerências sociais sem pé na realidade. Aliás, é o que está acontecendo no Brasil de hoje em que os esforços do governo anterior, para alcançar solidez à economia e equilíbrio às finanças, têm sido malbaratados em projetos de perpetuação no poder da aliança que nele se aboletou para saquear o Tesouro.

O declínio político da esquerda europeia foi registrado sob o dramático título de "Os últimos dias do socialismo", em matéria do International Herald Tribune, a edição internacional de The New York Times. Mas Bernard -Henri Lévy, ícone do socialismo francês, foi mais contundente: "Já está morto. Ninguém, ou quase ninguém, se atreve a dizê-lo. Mas todos, ou quase todos, sabem disso".

A matéria publicada pelo International Herald Tribune resume artigo do próprio The New York Times, intitulada "Europe's Socialists Suffering Even in Downturn" (Socialismo europeu sofre declínio)." É uma longa análise da situação político-partidária europeia. Dela se depreende que contribui para a agonia do esquerdismo europeu o fato de ser doutrina inspirada pela realidade do Século 19, mas superada por avanços tecnológicos do final do Século 20, como a globalização, por exemplo. Enrico Letta, jovem líder da esquerda italiana, confrontado com o populismo nacionalista de Berlusconi, assinalada a necessidade de "construir um centro-esquerda pragmático, como alternativa atraente e não mera oposição".

Há certa semelhança com a situação brasileira, onde os partidos de esquerda, após anos de recalcitrante oposição, aliaram-se ao que havia de pior na prática política, para um projeto anfíbio de poder. Na superfície, a submissão aos corruptos e inescrupulosos sob o pretexto da governabilidade. Nas águas profundas, o aparelhamento do estado e as repetidas tentativas de impor uma ditadura dissimulada sob a máscara de "democracia direta", criando de "conselhos" para controlar a justiça, a educação e a livre manifestação do pensamento através da censura à imprensa.

É evidente que Tony Judt, diretor do Instituto Remarque da Universidade de Nova York não leva em conta nem faz referência à evolução da esquerda brasileira ao se mostrar pessimista em relação à receita de Enrico Letta, mas a observação da coincidência de situações se legitima no comportamento semelhante dos "militantes", aqui e na Itália. Judt é taxativo: "Não acho que o socialismo na Europa tenha futuro, e dado que é parte essencial do consenso democrático europeu, é uma má notícia ".

Resta saber para quem, se para a esquerda ou para todos nós, que devemos nos preparar para a violência do terrorismo, tal como ocorre quando esta gente não consegue impor-se pela convicção das ideias.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

A noruega de Lula – Jayme Copstein

A ortografia da "noruega" do título, com inicial minúscula, está absolutamente correta. Não é o país da fantasia que pretendem nos incutir. É o lado sombrio, onde há pouca luz. Por fora, muita cor, muito brilho. Por dentro...

Quem gostava da expressão era Monteiro Lobato; Ele a usou várias vezes em seus contos e crônicas:

"Sabes o que é uma face noruega? Cá tens uma. Não bate o sol. Muita folha, muito viço, verdes carregados, mas nada de flores ou frutas." (Trecho de O Estigma).

Pois a face noruega das andanças internacionais do Presidente Lula acaba de receber alguma luz neste assunto da libertação de presos políticos cubanos. Se Luiz pretende ser, como comentam, o próximo secretário-geral das Nações Unidas, não leva cartas de recomendação dos dissidentes políticos. As pesadas críticas que lhe fizeram em Madri, onde estão exilados, desmentem as insinuações do assessor de política internacional, Marco Aurélio Garcia, e seu acólito, Celso Amorim, nominalmente o Ministro das Relações Exteriores, de que a libertação se alcançou por interferência de Lula.

A crítica mais contundente diz respeito a Orlando Zapata, morto em greve de fome de protesto ao regime cubano. Pela condição de Presidente do Brasil, de amigo pessoal dos dois ditadores e também pela afinidade política, Lula poderia ter feito um apelo para que os Irmãos Castro considerassem aquela vida em risco e libertassem os presos políticos, como estão fazendo agora.

"Só que o Lula se aliou ao crime e não à justiça", declarou o dissidente cubano Omar Rodríguez. "Lula é um mal-agradecido. Esqueceu-se de sua essência humana.", acrescentou o jornalista Guillermo Fariñas, que fez greve de fome durante quatro meses, pela libertação dos presos políticos.

A tentativa de capitalizar a libertação dos dissidentes para a imagem internacional de Luiz Inácio Lula da Silva revelou-se mais um fiasco da dupla Garcia & Amorim. O próprio Lula declarou que desconhecia as tratativas do acordo entre os governos de Cuba e da Espanha, por intermediação da Igreja Católica. O próprio Presidente Lula, mais honesto que seus assessores, declarou que nada sabia a respeito.

De fato, nada sabia. Segundo o jornal espanhol El País, os Estados Unidos, inimigos jurados da dupla Garcia & Amorim, é que foram informados das negociações, não o Brasil. Por que, não foi dito. Provavelmente tenha algo a ver com a declaração de Julio Rodríguez, outro dos dissidentes: "No caso do Brasil, era uma tentativa de reafirmar o papel de negociador global de Lula para ganhar votos nas próximas eleições. Mostra que Lula adotou um discurso populista para dar continuidade ao seu partido no poder".

Mural

Heitor de Paola acrescenta ao "Telefone que o Brasil não ligou" (coluna de ontem): "Esta do telefone eu não sabia. Mas sei de outra: a caixa 'hidramática', inventada por um mecânico de beira de estrada, especializado em transmissão, no Município de Iguaba, Região dos Lagos, RJ. Tentou vender aqui e ninguém se interessou. Ora o Brasil nem fabricava carros! Mesmo nos USA, não conseguiu, a princípio. Até que um grupo de engenheiros que projetara o Studbaker Rocket e que não fora aceito pela GM por ser muito esquisito, topou e comprou a patente por um bom dinheiro. Mas ganharam muito mais".

O telefone que o Brasil não ligou – Jayme Copstein

O telefone que o Brasil não ligou – Jayme Copstein

Assisto a uma discussão antiga: por que os Estados Unidos são a potência industrial de hoje e o Brasil ainda luta para consolidar sua posição no cenário internacional.

Talvez seja mais simples do que se pensa, como pode ser demonstrado por inúmeros exemplos. Escolho, porém, o mais cabal dentre as muitas oportunidades que o país desperdiçou para crescer em tecnologia.

Inventado em 1894 pelo padre gaúcho Landell de Moura, o telefone brasileiro tinha sobre o aparelho criado por Alexandre Graham Bell a vantagem de não precisar de fios. Era o antepassado remoto do celular de hoje.

Em 1886, bem antes de Marconi, quando voltava para o Brasil após ordenar-se padre no Seminário Pio Americano e estudar física e química na Universidade Gregoriana de Roma, Landell de Moura já tinha concebido um sistema de radiotelefonia que utilizava propriedades do movimento vibratório.

Entre 1893 e 1894, passou da teoria à prática. Pároco em Campinas, demonstrou na cidade de São Paulo um de seus muitos inventos, o telefone sem fio, numa distância de 8 quilômetros, do alto da Avenida Paulista ao alto de Sant'Anna.

Tudo o que o padre Landell de Moura ganhou foi a fama de maluco, de espírita, de "partes com o demo". Um dia, quando chegou em casa, vindo da igreja, encontrou a porta arrombada e seus aparelhos sem fio - o telefone, o telégrafo e o transmissor de rádio) completamente destruídos.

Contraste

Ernani Fornari, em "O incrível padre Landell de Moura" (Editora Globo, 1960), contou a saga deste inventor cujo pecado era o de ser brasileiro. Mas há um pormenor curioso e contrastante que deve ser acrescido à história: foi um brasileiro, o imperador Pedro II, quem chamou a atenção para o telefone de Alexandre Graham Bell e salvou o inventor da obscuridade.

Pedro II, amigo das ciências e das artes, não perdia oportunidade de se pôr em contato com o que de mais moderno a tecnologia da época sugerisse. Na ocasião, visitava uma feira de amostras em Filadélfia, Estados Unidos.

Era domingo, 25 de junho de 1876. Estava quase anoitecendo. Cansados, os juízes da exposição queriam encerrar as atividades do dia. Não tinham levado muito a sério a "coisa", cuja invenção era disputada na Justiça por aquele escocês de nome comprido e pomposo que a trouxera, Alexandre Graham Bell, professor em uma escola de surdos-mudos, e Elisha Gray, inventor de Chicago. Um dos juízes apanhou o fone, examinou-o com pouco caso e o pôs de volta em cima da mesa. Fez uma piada a respeito e seus colegas caíram na gargalhada.

Neste momento, chegou ao estande o imperador Pedro II, que já conhecia Graham Bell e admirava seus métodos de ensino aos surdos-mudos. Os juízes, talvez por cortesia ao imperador do Brasil, talvez por curiosidade, mantiveram-se ali, assistindo ao desenrolar da visita.

Graham Bell estendeu um fio por todo o comprimento do salão e pediu a Pedro II que pusesse o fone no ouvido, enquanto ele ia para a outra ponta. Fez um silêncio que os romancistas da época com toda a certeza diriam "mortal", só rompido pela exclamação de Pedro II:

– Meu Deus, isto fala!

Quando Graham Bell voltou para casa, não encontrou a porta arrombada nem suas coisas destruídas. Em compensação, menos de um ano depois a Bell Telephone Company já explorava 800 aparelhos em Boston. Dez anos mais tarde, o serviço chegava ao Rio Grande do sul, terra do padre Landell de Moura. À custa de divisas, naturalmente.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Os piratas do Rio Amazonas – Jayme Copstein

Recebo uma das muitas mensagens que circulam pela Internet, com a recomendação de repassá-la ao maior número de pessoas, para alertar sobre os graves riscos a que corre o Brasil diante da cobiça internacional.

Jamais abro mensagens com tal tipo de recomendação. Estão programadas diretamente para a lixeira, mas esta me chamou a atenção porque falava em piratas das águas da Amazônia e pensei que estivéssemos reproduzindo em nossa selva o que andam fazendo no litoral da Somália.

Mas não. Era apenas uma dessas histórias fantasiosas, de navios carregando seus porões com o "precioso líquido" na Foz do Amazonas, para levá-lo sei lá aonde, provavelmente ao Oriente Médio ou aos desertos da África, onde a natureza não é tão generosa como no Brasil.

Não fui o único a receber a mensagem porque, faz poucos dias, li artigo de Antônio Félix Domingues, da Agencia Nacional de Águas, abordando o mesmo assunto e derrubando tais mitos, espalhados pela Internet para assustar ingênuos, como já aconteceu no passado, com aranhas venenosas escondidas sob os assentos sanitários dos banheiro femininos ou a Gangue do Palhaço que raptava crianças para lhes extrair órgãos destinado ao mercado negro dos transplantes.

No artigo aludido (O Estado de São Paulo, 10 de julho), Domingues demonstra a falácia da denúncia, com cálculos simples: só o frete do navio, sem contar as despesas posteriores para torná-la potável, acrescentaria ao custo de cada metro cúbico (uma tonelada) da água furtada entre US$ 0,25 e US$ 0,50 (R$ 0,44 e R$ 0,88, câmbio de ontem) por dia nos porões dos navios-tanque de grande porte, capazes de transportá-la em grandes quantidades para compensar viagem.

Como o percurso marítimo até o Oriente Médio leva em torno de 10 dias, o metro cúbico de água não chegaria em nenhum porto daquelas paragens por menos de US$ 3,00 (R$ 5,28) dólares, cinco vezes mais que a obtida por dessalinização, como já acontece, por exemplo, em Israel, onde três usinas (Ashkelon, Hadera e Sorek) fornecem água já tratada a 3,5 milhões de pessoas, por US$ 0,60 ( R$ 1,06) o metro cúbico.

Não só em Israel funcionam estas usinas de dessalinização, lá implantadas para substituir a água importada da Turquia, que deverá cessar completamente nos próximos anos. São 380 em todo o mundo. No Brasil, temos uma em Fernando Noronha, produzindo água potável a US$ 1,00 (R$ 1,76) por metro cúbico. Mesmo considerando-se a curta distância até lá, é mais barato do que se tivéssemos de continuar a trazer a água do continente, como se fazia antes.

O artigo de Antônio Félix Domingues, este sim, mereceria ser reproduzido por todos os veículos de comunicação social e também ser amplamente divulgado pela Internet, não só pelos mitos que derruba, também pelas advertências que faz, sem nenhum apelo ao atentado ao "patrimônio nacional", com seriedade, alertando para os riscos que corremos, poluindo os nosso mananciais – os mais abundantes do planeta – importando inclusive fauna alienígena com a água trazida de plagas distantes como lastro de navios mercantes.

A propósito: da próxima vez que alguém em Porto Alegre vir o cadáver de um cavalo boiando no Arroio Dilúvio, lembre-se de que temos aqui quem mais mal nos faz que os fictícios piratas da água do Rio Amazonas.

Fúrias e faniquitos – Jayme Copstein

Futebol não faz muito o meu gênero. Alijado o Brasil pela Holanda, não teria maior interesse na Copa do Mundo da África do Sul não fosse o “marketing” de que vinha precedida a Fúria, a seleção da Espanha, proclamada campeã com antecedência pelos cultores do futebol “bonito, alegre e espiritual”, como disse um desses gurus da televisão.

Terminada a Copa, com tantas as louvaminhas, fico desconfiado de algum defeito no meu televisor que se recusou terminantemente a me mostrar o esplendor da Fúria.

Assisti à Espanha perder de 1 a 0 para a Suíça, “golear” de abundantes 2 a 0 a lendária seleção de Honduras, aplicar mais três “memoráveis surras” de 1 a 0 no Paraguai, em Portugal e na Alemanha, e sagrar-se campeã contra a Holanda, com um gol nascido depois de um escanteio que o juiz não viu e de um impedimento que o bandeirinha não deu.

Tenham paciência, mas isto está mais para faniquito que fúria.

Copa 2014

Por falar em futebol, Carlos Brickmann escreveu, sobre a Copa 2014:

Já há reclamações supostamente nacionalistas contra as exigências da Fifa para a Copa de 14. Jérôme Valcke, o cartola que não é exatamente um diplomata, disse que é preciso construir estádios, estradas, aeroportos, ampliar muito o sistema de telecomunicações e verificar se há hotéis suficientes.

O presidente Lula se irritou: ‘Se o Brasil não tiver condições, garanto que volto da África a nado’. O cartolão da Fifa pode ser grosso, mas o que se discute não é etiqueta: o que é preciso saber é se tem razão, não se Lula sabe nadar. E o fato é que tem. É preciso construir e reformar estádios, estradas, aeroportos, melhorar telecomunicações, tudo isso. E até agora nem se sabe onde será a abertura da Copa de 2014
”.

Nepotismo em Israel

Em Israel, nepotismo vai mais além dos parentes até 2º grau e inclui até quem não é da família. O jornal Haaretz noticia que Tzachi Haneghi, deputado no Knesset, acaba de perder o mandato no processo a que respondia por nepotismo.

Haneghi não nomeou parentes para o Ministério do Meio Ambiente que ocupou em determinado momento como membro do Likud, mas incluiu 50 “companheiros” na folha de pagamento, desafiando a proibição de novas nomeações no quadro de 500 funcionários. Desta acusação foi absolvido por dois dos três juízes que o julgaram, mas o fato de ter mentido ao depor, valeu-lhe a punição por perjúrio.

Nahum Sirotsky, que é correspondente de Zero Hora e do Portal IG no Oriente Médio, foi quem me chamou a atenção para a notícia do Haaretz. Falamos pelo Skype e ele me disse que o episódio põe em risco a estabilidade do Gabinete de Benjamin Netanyahu. Haneghi, apesar de ter trocado o Likud pelo Kadima, era amigo próximo do Primeiro-Ministro. Parecia ter boas possibilidades nos esforços para convencer sua líder, a ex-Chanceler Tzipi Livni, à integrar coalizão governista. Agora, tais possibilidades se tornaram remotas.

Ditos e achados

Frase que anda rolando pela Internet: “O PT e o PMDB não tem amigos nem aliados – são apenas sócios em rendosas empreitadas.”

segunda-feira, 12 de julho de 2010

Convergências e divergência - Jayme Copstein

O vereador João Carlos Nedel (PP) discorda em parte da coluna “O voto que falta” (sábado, 10 de julho):

“Recebo sua newsletter e a leio com muita atenção. Na maioria das vezes concordo com suas opiniões. Já divergimos fortemente no assunto do pontal do estaleiro e que resultou numa área desocupada quando poderíamos lá ter um belo cartão postal de Porto Alegre com 50% de área pública.

Agora sobre o seu comentário “O voto que falta”, o senhor generalizou a critica sobre a democracia representativa, chamando-a de farsa, o que não concordo absolutamente.

A democracia ainda é o melhor sistema político e a representativa ainda é muito melhor do que a democracia direta. Generalizou escrevendo que os políticos não têm obrigação com o eleitor porque não sabem quem é o seu eleitor.
Discordo, pois, depois de eleito o político tem obrigação e responsabilidade para com todos eleitores do município.

É assim que me sinto como vereador de Porto Alegre e eu presto contas quinzenalmente das minhas atividades. Portanto a generalização não é boa. Depende muito do eleitor que muitas vezes vota mal, elegendo representantes sem condições, ou também não cobra dos políticos.

Com relação ao voto distrital, concordo plenamente. Para que isso aconteça o ideal é passarmos para o sistema parlamentarista, e aí sim o voto distrital puro ou misto é certamente muito melhor, diminuindo custos de campanha e a possibilidade de corrupção. Hoje uma eleição a deputado custa uma fortuna tornando impraticável um pobre disputá-la. Gostaria que me permitisse enviar minha newsletter. João Carlos Nedel, vereador do PP de Porto Alegre.”

O vereador João Carlos Nedel, por cuja integridade nutro respeito, comete equívocos:

1º - Não divergimos - na essência – sobre o Pontal do Estaleiro. Transcrevo o que escrevi na ocasião (“Do sim e do não”, 25 de agosto de 2009), coluna na qual, em outro tópico, criticava também o senador Aloizio Mercadante por revogar o irrevogável:

Confesso que o debate havido não conseguiu me convencer nem dos prejuízos nem dos benefícios que haveria com o projeto residencial. Como sempre, foi mera troca de desaforos apaixonados, sugerindo que a questão talvez se resolvesse melhor em um Grenal. Desde o princípio, porém, desagradou-me a sede com que foram ao pote, no atropelo do processo legislativo, na tentativa de aprová-lo na Câmara Municipal. Era preciso dizer “não” àquilo, pela mesma razão que se exige do senador Mercadante: nenhum fim justifica o meio”.

2º - Escrevi, na coluna de sábado, que no Brasil, como consequência do voto proporcional, temos uma farsa, o sistema do voto proporcional, “ (...) apelidado de democracia representativa. De democracia e de representatividade, nada tem.” Em momento algum chamou-se a democracia representativa de farsa, menos ainda fez-se referência à anarquias a que também apelidaram de “democracia direta”.

De mais a mais, o vereador João Carlos Nedel escreve: “Hoje uma eleição a deputado custa uma fortuna tornando impraticável a um pobre disputá-la.” Então, convergimos: se apenas rico pode concorrer a deputado – e a qualquer cargo eletivo, convenhamos – de democracia representativa o que se tem no Brasil é uma farsa.

Democracia é isso - o livre debate e a livre expressão das ideias. Alguns o fazem com menos pressa, outros, com mais pressa. É onde residem convergências e divergências

sexta-feira, 9 de julho de 2010

O voto que falta – Jayme Copstein

Estamos começando mais uma campanha eleitoral. Desde já nota-se que não há nem o entusiasmo nem a repercussão das vezes anteriores. É como se fosse jornal de ontem, filme repetido mil vezes na tevê,

A apatia será atribuída a muitas causas , mas, como sempre, ninguém querendo ver o sistema eleitoral do voto proporcional, perversão que frauda a vontade do eleitor, a esgotar a paciência de todos. O cidadão sabe em que desejou votar, mas ignora em quem votou realmente e acabou elegendo.

O próprio candidato nem sabe quem é seu eleitor. Ignora a quem representa. Logo, não tem compromissos com quem quer que seja.

Resulta da distorção o que no Brasil é apelidado de democracia representativa. De democracia e de representatividade, nada tem. É uma ficção. Eleitores e candidatos se encontram a cada quatro anos, o eleitor passa um cheque em branco a um partido que o usa a seu bel-prazer, favorecendo apaniguados da oligarquia confortavelmente instalada em sua direção.

Onde está a democracia? Onde está a representatividade neste ritual que elege pequenos ditadores com mandato fixo de quatro anos, sem obrigação de prestar contas a quem quer que seja?

Está na hora de mudar para o voto distrital puro. O País, o Estado, os Municípios são divididos em distritos, onde os candidatos só disputam os votos dos eleitores daquele distrito e só daquele distrito. Onde terão de defender um programa que, se não for cumprido, pode lhes custar o mandato, no processo de retomada. Onde, também, a cada momento podendo ser chamados para explicar porque fizeram ou deixaram de fazer.

Como os candidatos só precisam dos votos de um só distrito, o custo da campanha se reduz drasticamente. O que os torna independentes de doações e reduzem a possibilidade de que se corrompam.

Das duas uma: ou reformamos o exaurido e pervertido sistema eleitoral do voto proporcional ou daqui a algum tempo teremos de mandar a Polícia para obrigar o brasileiro a se interessar pelas eleições e dar caráter legal a esta farsa a que chamamos de democracia representativa..

Batalha da Inglaterra

A Copa do Mundo obscureceu a efeméride redonda de 70 anos de vários acontecimentos cruciais da Segunda Guerra Mundial, como a epopeia da Retirada de Dunquerque e a tragédia da Rendição da França.

Pois este dia 9 de julho, também de 1940, marca o início de outra epopeia, a chamada Batalha da Inglaterra, quando a Alemanha Nazista submeteu as cidades britânicas a bombardeio aéreo maciço, não poupando áreas civis, com o pretexto de destruir o moral da população e levá-la a exigir do governo que se rendesse.

Os nazistas tinham o dobro de aviões de combate e contavam com isso para eliminar a resistência dos ingleses. Surpreendeu-os a bravura e o heroísmo retratados por Winston Churchill na frase: "Nunca tantos deveram a tão poucos". Ajudados pelo radar, tecnologia que só eles conheciam na época, os ingleses puderam identificar o local preciso onde podiam dispor com vantagem seu poucos aviões contra os muitos dos alemães.

Quando a Batalha da Inglaterra terminou em novembro daquele mesmo ano, as perdas da Luftwaffe, a Força Aérea Alemã, tinham sido tão graves, que não puderam mais ser refeitas totalmente e colocaram Hitler em desvantagem, a partir de então, no curso da II Guerra Mundial.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

Questão de estatura – Jayme Copstein

As pessoas têm me perguntado sobre este caso de violência sexual de Florianópolis, envolvendo crianças recém-entradas na puberdade. Percebo que não estão realmente interessadas no que aconteceu, já narrado de sobra na Internet e também em noticiário de jornal, rádio e tevê, mas em versões que lhes permitam formular opiniões segundo se identifiquem com as famílias dos agressores ou da vítima. Houve até quem reclamasse do meu "silêncio", e a ele atribuindo razões equivocadas que aqui não reproduzo por respeito aos leitores.

Não me lembro, ao longo do exercício profissional, mesmo antes da proibição legal de identificá-los, ter alguma vez esmiuçado delitos praticados por menores. Tenho isso, sim, manifestado minha simpatia pelo sistema inglês que os julga como se fosse adultos, a partir dos 11 anos de idade, os faz cumprir medidas socioeducativas até a maioridade e, então, suspende – não extingue, como aqui – a execução da sentença. Se tornar a delinquir, volta a ser recolhido, agora, sim, em prisão de adultos, para cumprir o resto da pena. Acabaria com o sentimento de impunidade que tem parcela importante na delinquência juvenil.

Como eu não mudaria de opinião, ainda que se tratasse de meus próprios filhos, não tenho por fazê-lo em relação a este caso de Florianópolis, mesmo nutrindo afeto especial por membros da família de um dos envolvidos. Mas não deixo de externar a eles a minha solidariedade, a mesma que os amigos de Pelé lhe hipotecaram quando seu filho envolveu-se em atividades ilícitas.

Ninguém estava aprovando a conduta criminosa do rapaz quando aplaudiu a grandeza de Pelé solidário ao filho, mesmo tendo ele lhe posto na boca, para que emborcasse até o fim, um cálice de fel. É nesse momento que se conhece a dimensão de alguém. Da mesma maneira que se mede a dignidade de quem fica à espreita de brechas para dar vazão aos seus recalques ou servir a interesses outros.

Que pena que as paredes não falam. No velho Correio do Povo, fui testemunha de um ato de grandeza que merecia ser contado e recontado em cada aula do curso de jornalismo, como lição de ética.

Em determinado momento, alguém ligado à ditadura militar, trouxe como furo jornalístico o envolvimento de um familiar de Leonel Brizola em ocorrência policial, aliás, repetido posteriormente, quando foi governador do Rio de Janeiro.

Brizola, ao tempo em que ocupara o Palácio Piratini, teve graves desentendimentos com a velha Caldas Júnior. Foi uma guerra feroz, e os arroubos de sua juventude foram responsáveis por alguns excessos dos quais ele não tinha motivos para se orgulhar.

Sobrevindo o regime militar, Brizola no exílio virou saco de pancadas, sem condição de revidar. Mas havia dentro da Caldas Júnior a máxima de que não se tripudiava sobre o vencido. O mensageiro do suposto furo de reportagem saiu com o rabo entre as pernas, quando lhe foi dito, com todas as letras, que os jornais de Breno Caldas não desciam a tais baixezas.

Brizola soube do incidente. Quando voltou do exílio, ao visitar o Correio do Povo, cumprimentou Breno Caldas com esta frase: "A Neusa me disse que não deixasse de visitar o dr. Breno." E mais não disse, ficando tudo subentendido.

Breno Caldas tinha estatura. Nem todos a têm.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

As mulheres e a Presidência – Jayme Copstein

Esta é a primeira eleição presidencial em que duas mulheres – Dilma Roussef e Marina Silva – candidatam-se à Presidência da República e são levadas em conta pelo eleitorado. É também a primeira vez em que uma delas – Dilma - tem chances concretas de se eleger. Desde já as pesquisas de opinião mostram que a votação de Martina será significativa.

Da outra vez em que aconteceu – 2006, Heloísa Helena (PSOL) e Ana Maria Rangel (Partido Republicano Progressista) – só Heloísa Helena ganhou votação consistente. Em compensação, Ana Maria foi a primeira a ter também uma mulher como candidata a vice-presidente: Delma Gana e Narcisi.

A eleição de 2010 mostra a presença da mulher tomando corpo na política. É também a primeira vez que se registram candidatas em eleições consecutivas. Lívia Maria Ledo Pio de Abreu concorreu em 1989 pelo Partido Nacional e Thereza Tinajero Ruiz, pelo Partido Trabalhista Nacional em 1998. Só homens concorreram em 1994 e 2002.

A trajetória da mulher na política brasileira é consequência de que só depois de 1932 o direito ao voto a elas foi estendido; Antes, elas não existiam para a legislação eleitoral;

As pioneiras na luta pelo voto feminino foram as irmãs Virgilina e Anelina de Sousa Sales, em 1914, através da sua "Revista Feminina". Quem deu corpo ao movimento, foi a paulista Berta Lutz, fundadora e presidente da Liga de Emancipação Intelectual da Mulher.

Obtido o direito de voto, as mulheres candidataram-se à deputação, pela primeira vez, quando se realizaram as eleições para a Assembleia Constituinte de 1934. Elegeu-se uma mulher, também paulista, a médica Carlota Pereira de Queirós, responsável pela incorporação dos direitos eleitorais femininos na Constituição de 1934. Quanto à pioneira Berta Lutz, com ela cumpriu-se o velho ditado: o bom bocado não é para quem faz. Só bem depois é que conseguiu eleger-se deputada, perdendo a primazia que lhe cabia por mérito.

Primeiras damas

Dentro deste contexto histórico, tem restado às mulheres, até agora, o papel de coadjuvante, como esposas de Presidente – a Primeira Dama. De maneira geral, foram pessoas comedidas, vivendo à sombra dos maridos.

A campeã da discrição é com toda a certeza a atual, Mariza Letícia da Silva, da qual se conhecem apenas poucas frases que não revelam muito a seu respeito. A mais culta e brilhante, sem dúvida alguma, foi Ruth Cardoso que se valeu da posição para desenvolver programas sociais, sem tentar interferir nos rumos do Governo.

Duas se destacaram pela filantropia: Darcy Vargas, mulher de Getúlio, e Sara Kubistchek, mulher de Juscelino. A mais alegre foi Nair de Teffé, segunda mulher de Hermes da Fonseca, por sinal a primeira chargista da imprensa brasileira.

A que mais se destacou por interferir na política foi Ana de Castro Belisário Soares de Sousa, a Anita, esposa de Nilo Peçanha. Não tinha papas na língua. Quando se tratou da sucessão presidencial de 1914, preterido por Venceslau Brás que surgiu como candidato de conciliação, Pinheiro Machado zangou-se. Acusou Nilo da manobra: "Houve o dedo do Nilo. Hei de cortar a cara desse moleque a chicote", disse para quem quisesse ouvir.

Quando Anita soube disso, revidou na hora: "Digam ao Pinheiro que eu quebro o guarda-chuva na cabeça dele." Só não quebrou porque nunca mais se encontrou com ele.

terça-feira, 6 de julho de 2010

Os presidentes – Jayme Copstein

Recebo e-mails sobre "O Carnaval da Petalhada", curiosidades da campanha presidencial de 1919 relatadas ontem na coluna. Vários leitores ficaram curiosos sobre a história brasileira. José Flávio Mendes quer saber quem é o "campeão presidencial" do Brasil: "Se tivemos mais presidentes que qualquer outro Estado, porque o Rio Grande do Sul não foi favorecido por eles?", ele pergunta também.

Se considerarmos todos os ocupantes da Presidência da República, independentemente de terem sido ou não eleitos, por voto direto ou indireto, se for o caso, o Rio Grande do Sul governou 40 anos, Minas Gerais, apenas 18; empatam, porém, em 6 a 6 no número de presidentes: gaúchos – Hermes da Fonseca (4 anos), Getúlio Vargas (19 anos), João Goulart (3 anos) Costa e Silva (2 anos), Emílio Garrastazu Médici (6 anos) e Ernesto Geisel (6 anos); mineiros – Afonso Pena (3 anos), Venceslau Brás (4 anos), Delfim Moreira (1 ano), Arthur Bernardes (4 anos), Juscelino Kubistchek (5 anos), Tancredo Neves e Itamar Franco (2 anos). Os cálculos foram arredondados para facilitar a exposição, mas se aproximam estreitamente do valor exato.

Se excluirmos João Goulart por ter sido vice-presidente guindado à presidência pela renúncia de Jânio Quadros, o empate permanece porque Delfim Moreira também o foi, por morte de Rodrigues Alves, e Itamar Franco, por cassação de Fernando Collor de Mello. A diferença de tempo de exercício deve-se ao fato de que Getúlio governou durante 19 anos, primeiro como ditador, depois como presidente constitucional, enquanto Tancredo Neves não chegou a assumir o Poder.

Aliás, não foi único nestas condições. Rodrigues Alves que já governara de 1902 a 1906, faleceu de gripe espanhola antes de assumir um segundo mandato para o qual fora eleito em 1918. Também o paulista Júlio Prestes não pôde envergar a faixa, em 1930, impedido pela Revolução de Outubro.

Morreram no exercício da presidência, Afonso Pena (em 1909, problemas cardíacos), Getúlio Vargas (em 1954, suicídio), e Arthur da Costa e Silva (1969, derrame cerebral).

Se considerarmos apenas os presidentes eleitos por voto direto, sem contar vice-presidentes que assumiram o cargo, os gaúchos foram apenas dois: Hermes da Fonseca (1910 a 1914) e Getúlio Vargas (1951 a 1954), mas pode-se dizer que Hermes da Fonseca nasceu em São Gabriel, porque seu pai servia na guarnição local, em 1855. Quando estourou a Guerra do Paraguai, Hermes tinha 10 anos e família mudou-se para o Rio de Janeiro onde ele cresceu, ingressou na vida militar e fez carreira política. Caso semelhante ao de Washington Luís (1926 a 1930), nascido em Macaé, Rio de Janeiro, e também o de Fernando Henrique Cardoso (1995 a 2001), nascido na cidade do Rio, mas os dois com carreira política toda ela transcorrida em São Paulo

Não contando vice-presidentes, nem Tancredo Neves e Júlio Prestes, um de cada lado, por não terem governado, paulistas (Prudente de Moraes, Campos Sales, Rodrigues Alves e Fernando Henrique Cardoso) e mineiros (Afonso Pena, Venceslau Brás, Arthur Bernardes e Juscelino Kubitschek) estão empatados em 4 a 4. O desempate deve vir com o paulista José Serra ou a mineira Dilma Roussef.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

O carnaval da petalhada – Jayme Copstein

Ontem, o tópico desta coluna, "Aparências enganam", transcrevia acusações de Ruy Barbosa a oponentes, na Campanha Presidencial de 1919. Na publicação no jornal "O Sul", misturou-se ao tópico anterior, que falava dos prejuízos que a burocracia causa ao país. Como uma coisa nada tinha nada a ver com a outra, eis o tópico reproduzido, separadamente, como deveria ter saído e também uma continuação:

"Frase de candidato à presidência da República: '(...) Mas o carnaval da petalhada não tinha mãos a medir.' Que ninguém tire conclusões apressadas. Petalhada é uma coleção de petas, de mentiras. Quem pronunciou a frase foi Ruy Barbosa, em 1919, durante a campanha eleitoral em que disputou o Governo com Epitácio Pessoa. Qualquer coincidência com campanhas mais recentes é mera semelhança, como diria Chaplin.

Ruy estava agastado com os gaúchos e desceu a lenha em Borges de Medeiros, pois queria exigia a reforma da Constituição, Borges não a apoiava. O trecho em questão (Mentira nº 4 – A revisão) diz:

'(...) Mas o carnaval da petalhada não tinha mãos a medir. Ainda após tantas, lá vem outra ideia genial da mascarada. É a Constituição Federal abraçada com a Constituição do Rio Grande do Sul. As duas se osculam uma à outra. São as gêmeas inseparáveis, e conclamam que comigo não querem graças; porque eu sou a revisão, e a revisão ameaça as duas do mesmo golpe. Atirei aos calungas do carro um papel do Sr. Borges de Medeiros. Não serviu. Não me quiseram. Entretanto, a figura que entrou, em meu lugar, no cortejo, levava na bagagem, como um casal de pombinhas na mesma gaiola dourada, a reforma da Constituição Federal com a reforma da Constituição rio-grandense; e as duas prisioneiras, na mesma corbelha rodante de flores de papel, ali se estão à vontade, como Deus com os anjos, entre os que votam à breca o revisionismo. Viva Baco! Evoé! Evoé, soberana Mentira'".

A história daquelas eleições de 1919 é curiosa. O presidente eleito em 1918, para o quatriênio até 1922, fora Rodrigues Alves que governara o país de 1902 a 1906. Já estava muito doente, mas sua candidatura e também a do vice Delfim Moreira, este com a agravante de sofrer de demência senil, resultaram de acordo em uma das muitas "pacificações" (= divisões de poder) da República Velha.

Rodrigues Alves faleceu antes de ser empossado e o alienado Delfim Moreira assumiu, governando por ele o ministro da Viação, Afrânio de Melo Franco. Novas eleições foram marcadas para 1919, como ordenava a Constituição da época. A mesma "coligação pacificadora" escolheu, por sugestão de Borges de Medeiros, o paraibano Epitácio Pessoa, tido como maleável por não ser considerado inteligente.

Ruy Barbosa, inconformado apresentou-se pela oposição. Já fora derrotado, em 1910, por Hermes da Fonseca, e em 1914 por Venceslau Brás. Maior jurista brasileiro de todos os tempos, Ruy foi convidado para chefiar a nossa delegação à Conferência de Paz de Versalhes. Recusou, acusando ser subterfúgio para afastá-lo da campanha. Tinha muito a dizer aos eleitores. De fato fez campanha vibrante, onde consta o trecho da petalhada.

Em seu lugar, para a Conferência de Versalhes, foi nomeado Epitácio Pessoa que passou todo o tempo fora do Brasil. Não fez campanha e... derrotou Ruy.

domingo, 4 de julho de 2010

O papelão da burocracia – Jayme Copstein

O jornal "O Sul" voltou a abordar ontem a doença mais crônica e maléfica deste país: a burocracia. Já nos idos de 1970, houve tentativa, comandada por Hélio Beltrão, de se simplificar a vidas das empresas e do próprio cidadão brasileiro, abolindo exigências criadas ainda ao tempo do Brasil Colônia.

Foi inútil. A imprensa da época badalou a novidade em vão. Eu próprio, alertado pelo finado Fabio Araújo Santos, então presidindo a Federasul, publiquei uma série de duas reportagens no velho Correio do Povo, sob o titulo de "Burocracia no Brasil só faz papelão".

O trocadilho do título caiu de maduro: as empresas da época eram obrigadas a tirar suas notas fiscais em cinco vias, a última das quais destinada a "estatística". Era de se supor se destinasse à Fundação IBGE, à qual cabe no Brasil a análise dos números.

Mas, não. O IBGE nada tinha a ver com aquilo. Ninguém sabia a quem cabia a responsabilidade. A montanha de papel era recolhida a um prédio da Jerônimo Coelho e ali ficava até dezembro, para ser vendida como papel velho, alegrando o Natal de alguém. Com o tempo, a quinta via foi destinada à contabilidade.

A reportagem contava outras maluquices desta espécie, algumas hilariantes, outras trágicas, inclusive a que pesa no bolso do homem comum. Para pagar os impostos corretamente e levar os negócios adiante, as empresas são obrigadas a manter caríssimas equipes de contabilistas e advogados tributaristas sagazes, encarecendo seus custos e, em consequência o preço ao consumidor.

Passados 40 anos, leio em O Sul, a manchete da página 5, edição de ontem: "Manicômio tributário brasileiro produz 34 normas por dia". Traduzindo em língua de gente, pois burocratês não é idioma deste mundo, apenas para definir besteiras como a de que determinado imposto é pago de acordo com alíquota da norma xyz e não da zyx, a burocracia brasileira impõe ao setor privado um custo estimado em 20 bilhões de reais.

Conclusão: burocracia no Brasil continua fazendo papelão.

Aparências enganam

Frase de candidato à presidência da República: "(...) Mas o carnaval da petalhada não tinha mãos a medir." Que ninguém tire conclusões apressadas. Petalhada é uma coleção de petas, de mentiras. Quem pronunciou à frase foi Ruy Barbosa, em 1919, durante a campanha eleitoral em que disputou o Governo com Epitácio Pessoa. Qualquer coincidência com campanhas mais recentes é mera semelhança, como diria Chaplin.

Por sinal Ruy estava agastado com os gaúchos e desceu a lenha em Borges de Medeiros, pois queria exigia a reforma da Constituição, Borges não a apoiava.. O trecho em questão (Mentira nº 4 – A revisão) diz:

"(...) Mas o carnaval da petalhada não tinha mãos a medir. Ainda após tantas, lá vem outra ideia genial da mascarada. É a Constituição Federal abraçada com a Constituição do Rio Grande do Sul. As duas se osculam uma à outra. São as gêmeas inseparáveis, e conclamam que comigo não querem graças; porque eu sou a revisão, e a revisão ameaça as duas do mesmo golpe. Atirei aos calungas do carro um papel do Sr. Borges de Medeiros. Não serviu. Não me quiseram. Entretanto, a figura que entrou, em meu lugar, no cortejo, levava na bagagem, como um casal de pombinhas na mesma gaiola dourada, a reforma da Constituição Federal com a reforma da Constituição rio-grandense; e as duas prisioneiras, na mesma corbelha rodante de flores de papel, ali se estão à vontade, como Deus com os anjos, entre os que votam à breca o revisionismo. Viva Baco! Evoé! Evoé, soberana Mentira".

sexta-feira, 2 de julho de 2010

A história de um furo – Jayme Copstein

Mexia eu em papéis antigos, quando encontrei algumas anotações sobre a morte de Alfred Stroessner, ex-ditador do Paraguai, que viveu seus últimos dias em Brasília, onde se refugiara ao ser deposto. Como lembranças sempre integram um cortejo, logo me lembrei da figura de um amigo muito querido, Severino Manique que durante décadas foi vice-cônsul do Brasil em Assunção. Já faleceu há mais de 20 anos.

A amizade com Severino Manique vinha de longa data, desde quando ambos trabalhávamos na Rádio Gaúcha, ainda ao tempo de estúdios e auditórios na Rua Sete de Setembro, quase esquina da Ladeira. Eu era redator de programas e Manique, como "Carlos Carrier", interpretava tangos e canções brasileiras românticas de grande sucesso na época.

O pseudônimo foi adotado porque, na época, ele era sargento do Exército. Militares não podiam, ao menos então, exercer nenhuma outra atividade. Foi o caso, também, muitos anos depois, de Martinho da Vila que teve que deixar a farda para seguir a sua bem sucedida carreira de compositor. Manique fizera o mesmo. Mudou-se para o Rio de Janeiro, contratado com confortável salário pela Rádio Nacional, onde atuou até 1964.

O regime militar, a título de combater a subversão e moralizar a coisa pública, demoliu o elenco da antiga PRÉ-8, então "empresa incorporada ao patrimônio da União". A maior parte dos artistas, os que não foram cassados, teve de escolher: transferência para repartições públicas ou demitir-se. Manique acabou dando com os costado no SAPS, o Serviço de Alimentação da Previdência Social, o primeiro criado para acabar com a fome no Brasil. Ali ficou até 1967. Quando o governo extinguiu o órgão, foi transferido para o Itamarati, sendo designado para servir no Consulado do Brasil em Assunção.

Da mesma maneira que não tivera qualquer vivência com panelas e vitaminas, Manique também era calouro na diplomacia. Mas não houve nenhum milagre. Bom caráter, prestativo, alegre, acima de tudo um gentleman, tornou-se figura exemplar no Consulado, ascendendo ao posto de vice-cônsul.

Ele já estava nesta função, quando iniciei a fazer a madrugada da Gaúcha. Foi um dos primeiros ouvintes a telefonar e o fazia com frequência, ora para recordar coisas do rádio antigo, ora para comentar outros assuntos. Autodidata, ao longo dos anos acumulara razoável cultura através de muitas leituras.

Em certa noite de fevereiro de 1989, Manique telefonou para a minha casa e me perguntou se eu estava ouvindo o jogo do Internacional, não me lembro agora contra quem. Respondi que não e ele tornou: "Então, vou te dar um furo: estão depondo o presidente do Internacional. A sede do clube está cercada pela torcida organizada e o co-sogro dele impôs que renunciasse."

Como eu não tratava de futebol no Brasil na Madrugada, decifrei imediatamente a mensagem. Stroessner estava sendo deposto por um golpe comandando pelo general Andrés Rodrigues, pai de seu genro. Como vice-cônsul, Manique não podia me dar a informação, sob pena de criar um incidente diplomático. Então cifrou a mensagem.

Incontinenti, liguei para a Gaúcha e conversei com o Armindo Antônio Ranzolin que comandava a jornada esportiva. Sem identificar a fonte, que lhe assegurei ser absolutamente confiável, Ranzolin interrompeu o comentário de Lauro Quadros para dar a notícia.

Foi furo internacional da Gaúcha.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

O drible – Jayme Copstein

Não gosto quando a ideologia sai dos púlpitos e dos palanques para se imiscuir na busca do conhecimento e castrar a curiosidade que tirou o homem das cavernas e o pôs nesta civilização ainda prodigiosa de hoje. E digo ainda prodigiosa porque amanhã ela não o será mais diante da infinidade de coisas que ainda descobriremos e ficarão por serem descobertas.

Vai daí que me soa como asneira quando alguém contrapõe a ciência "oficial" àquela outra, encaixada no "politicamente correto" e que serve tanto para defender posições de poder (as nossas) como para contestá-las (as deles). Só resultam mitos porque dialética, na cabeça travada de militantes, só pode gerar coisas como ser o flato o grito de protesto das massas fecais oprimidas.

A piada corria no meu tempo de Universidade, atribuída a Aporelly, mas acabou desaparecendo do repertório porque sendo ele homem de esquerda, não podia ser autor de piada tão politicamente incorreta. Há poucos dias, porém foi apresentada com toda a seriedade na Globo News a professora de uma universidade carioca, defensora da tese de ter sido o drible no futebol uma invenção do negro brasileiro na sua luta contra a escravidão.

É difícil saber o que esta senhora andava estudando, se a escravidão ou o futebol, ou os dois ao mesmo tempo, quando chegou a tão brilhantes conclusão. Ou se apenas atendeu a pedido do apresentador, ele sim, autoridade em futebol, para "esquentar" o programa.

A primeira pergunta que cai de madura é por que a palavra "dribble" é inglesa e não africana, como seria o caso. Haveria considerações de outra ordem, pois quando o futebol surgiu, a escravidão já fora abolida no mundo ocidental onde ele se popularizou como esporte. Caberia perguntar, também, porque negros escravos em outras paragens da América, da própria Europa e particularmente do mundo islâmico, não desenvolveram, como os nossos, a arte de "fintar" que seria a palavra genuinamente portuguesa correspondente ao "to dribble".

Não fosse a obrigação da interpretação dialética e politicamente correta, o apresentador da Globo News e seus convidados fariam mais bonito se tivessem buscado a origem do "drible" brasileiro na ginga da capoeira, esta sim, criação genuína do escravo brasileiro, transplantada para o futebol quando os nossos negros tiveram a ele tiveram acesso.

Ditos e Achados

Falando dos gaúchos, Auguste Saint-Hilaire, viajante francês que aqui esteve entre 1820 e 1821, escreveu sobre a nossa culinária, em "Viagem ao Rio Grande: "Verifiquei logo os hábitos carnívoros de seus habitantes. Em todas as estâncias vêem-se muitos ossos de bois espalhados por todos os cantos e, ao entrar nas casas de fazendas, sente-se o cheiro de carne e de gordura. Em toda parte servem-nos refeição logo à chegada; cardápios compostos unicamente de carne, de galinha e de vaca, sob diversos feitios, assada, cozida ou guisada. Nunca nos ofereceram hortaliças. salvo em Barros, onde comi excelente prato de nabos".

Também sobre os costumes, observou: "Encontrei modos distintos em todas as pessoas da sociedade. As senhoras falam desembaraçadamente com os homens e estes cercam-nas de gentilezas, sem contudo demonstrarem empenho ou ânsia de agradar, qualidade Quase que exclusiva do francês. Ainda não tinha visto no Brasil uma reunião semelhante. No interior, como já repeti uma centena de vezes, as mulheres se escondem e não passam de primeiras escravas da casa; os homens não têm a mínima ideia dos prazeres que se podem usufruir decentemente".