segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Burocratas do IML-POA fazem papelão

Já aconteceu uma vez, em uma cidade do interior, em que o presidente da Câmara de Vereadores recusou dar posse ao suplente do titular falecido, apesar de ter sido velado no recinto da própria Câmara e o elogio fúnebre, de despedida, ter sido feito pelo próprio presidente.

Irredutível, ele exigia o atestado de óbito. Nada, o cadáver, o velório e o seu próprio discurso não provavam nada. Só aquele pedaço de papel.

A gente lê a história e pensa: é ficção. Pois com alguma variante, a direção do Instituto Médico Legal de Porto Alegre a repete e dobra os sofrimentos de famílias, atingidas pela morte de dois jovens.

Leiam este artigo do procurador de Justiça, professor e humanista, Lênio Streck, e tirem suas próprias conclusões.


Antígona em 2008

Todos conhecem a tragédia escrita por Sófocles, em que Antígona luta para enterrar o corpo de seu irmão, que o Rei Creonte se negava a autorizar. Ali se colocava a primeira objeção de consciência da história. Antígona se revoltou contra o poder do rei e da lei. Lutou pelo sagrado direito de enterrar o corpo de um ente querido. O direito de velar que lhe foi negado pelo sistema.

Pois a tragédia vivida por Antígona se repete em 2008, aqui no Rio Grande, lugar em que sempre se respeitou o direito de enterrar os corpos, mesmo o dos inimigos. Mas não é mais assim. Na madrugada do dia 15 último, dois meninos são vítimas de uma tragédia. Alta velocidade, morrem carbonizados. Pouco restou de seus corpos. Jovens, Felipe, 24 anos; Diego, 22. Amigos e vizinhos. Felipe, na direção, Diego, na carona. Um poste interrompeu-lhes a vida.

Então começou uma nova tragédia. Como enterrar os corpos? Como velá-los? Embora os amigos das vítimas pudessem, com certeza, identificar os corpos pelos dentes (um era levemente prognata e o outro tinha os dentes separados), o IML exige DNA.

Mas Felipe era adotado. Como fazer o DNA? E lá se vão os pais em busca de seu direito. E, igual ao poste que interrompeu a vida dos dois jovens, batem de frente com a burocracia. Por intermediação do Ministério Público – que, refira-se, vem lutando bravamente em favor dos pais dos meninos - os pais levaram as testemunhas.

Ao que se sabe, estava tudo encaminhado. Era quinta-feira. Chegaram ao IML. Os pais e as testemunhas. Três longas horas de espera. E volta tudo à estaca zero: há que se realizar DNA, foi-lhes repetido. Mas como fazer o DNA? E tudo vira um discurso circular. A chefia do IML ignorou, inclusive, o ofício do dono da ação penal, o MP. Na verdade, nem sequer recebeu os pais. Eles tiveram que esperar na calçada. Um assessor (sic) veio lhes comunicar a negativa.

A pergunta é: seriam as leis tão inflexíveis? Cada lei não possui uma teleologia, questão que se apreende no primeiro ano de qualquer faculdade de direito? Summum jus, summa injuria. Para que serve essa identificação?

Resposta óbvia: para evitar que haja perecimento de corpo de delito, em face da investigação de crime. Enfim, para proteger as provas. Mas, para que mais? No caso dos meninos, não há crime e, se houve, o autor pereceu. Um inquérito que nasce morto.

Então, o que mais?

Os pais estão de acordo com a identificação feita pelos amigos pela dentição. Os dois corpos foram encontrados no automóvel de Felipe. Há filmagens mostrando como o fato ocorreu. Ninguém duvida de que ali jaziam esses dois meninos. Impossível qualquer fraude.

Mas as autoridades do IML, fazendo uma leitura torta da lei, querem proteger os pais... e o Estado. Proteger os pais? De quê? Contra o quê? Os pais de Felipe e Diego não querem essa proteção. Como Antígona, querem apenas enterrar os seus. E chorar por eles. Será que o Estado permitirá? Já se passaram 8 dias. Até agora, nada.

Sei que surgirão mil explicações técnicas, escondidas atrás de velhos regulamentos, decretos, e, quiçá, vetustas portarias (e portarias são muito importantes no Brasil...).

Antígona não negava que Creonte pudesse usar a lei. O que ela dizia é que a lei era injusta, inadequada. Duvido, inclusive, que as “leis” que serão brandidas pelo IML resistam a uma análise constitucional. Que venham, pois. Mas, antes disso, liberem os corpos de Felipe e Diego. Antes do Natal, por favor.”

Até aqui o artigo do professor Lênio Streck. Acrescenta-se uma simples pergunta: e antes, quando ainda não se faziam os exames de DNA, o IML não identificava corpos?

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