terça-feira, 23 de dezembro de 2008

O radioteatro - Jayme Copstein

Sessenta anos depois que começou para mim como aventura, trinta anos após desaparecer dos microfones, as pessoas me perguntam o que foi o radioteatro. Difícil a resposta objetiva. Era uma espécie de cartola de mágico de onde tirávamos as ilusões que as pessoas necessitavam para preencher os vazios de suas vidas.

Anos ingênuos, aqueles. A Segunda Guerra caminhava para o fim, era para ser a última de todas as guerras e estávamos destinados, todos, a ser felizes para sempre.

De fato, éramos. As lembranças atormentadas ficavam para trás, a imaginação supria, na medida das necessidades, as nossas carências de mundo. Porto Alegre, como o poeta Athos Damasceno Ferreira havia descrito, ainda era uma cidade de ruazinhas tortas, de portões, sacadas, telhados de beiral, com moças debruçadas nas janelas à espera do Príncipe Encantado.

Os rapazes, nem tanto. Na ponta do arco-íris, segurando o balde de ouro, sempre poderia estar um filha de fazendeiro bem a jeito. À noite, tudo era silêncio de deserto, quebrado apenas por passos perdidos, assobios solitários e vozes macias saindo do rádio: “Meu amor! Nada mais pode nos separar. Um dia olharemos para trás, sem amarguras. Todo o sofrimento terá desaparecido das nossas mentes. Lembraremos com ternura do quanto tivemos de lutar. É o que contaremos aos nossos filhos e aos filhos dos nossos filhos.”

Na pensão onde eu morava, recém chegado de Rio Grande, uma menininha, ainda mudando os dentes e colecionando estampas do sabonete Eucalol, tinha perguntas irrespondíveis: para onde iam os dias que passavam ou se quem falava no rádio era gente de verdade. Dona Rosa, a mãe, viúva jovem, entortando a coluna na máquina de costura para encaminhá-la na vida com honestidade, polemizava: “Pr’a dizer meu amor, só o Walter Ferreira. O Ernani Behs também fala gostoso, mas, para mim “meu amor”, só o Walter.

Para rir, havia as coisas do Dinarte Armando: “Menino, no curral tem 19 vacas e um touro. Quantas cabeças tem no curral?” – Dezenove, fessora! – “Menino, 19 mais um, 20!” – Não vai dizer, fessora, que no meio de tanta vaca o touro não perde a cabeça!

O mundo é um palco, somos todos personagens, cada qual com seu papel. Isto é Shakespeare com alguma adaptação. Logo descobri o papel de todos nós, naquela fábrica de ilusões. Cabia-nos tanger um instrumento misterioso para fazer as pessoas construírem um mundo dentro de si mesmas.

Bastava o trinado de alguns pássaros, a referência a alguma flor, ao seu aroma, e dona Rosa costureira emergia da coluna dobrada sobre a “Singer” comprada em prestações intermináveis, para mergulhar no jardim dos seus sonhos, onde ela e o marido ressuscitado, de mãos dadas, olhavam a menina jogando amarelinha no tosco desenho do chão.

Reis, rainhas, heróis, marujos dos setes mares, piratas das Antilhas, exploradores do Curdistão bravio, a menininha, a costureira, qualquer um de nós, éramos personagens saídos de Balzac, de Tolstoi, de Dostoiewsky, de Wilde.

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