Minha neta Joyce Copstein, jornalista e radialista, de plantão na Rádio Gaúcha, foi quem me transmitiu a notícia, no fim da noite: acabara de morrer no Hospital Divina Providência, nosso colega Fernando Veronezi, da Rádio Guaíba..
Tratei de ligar em seguida para Holmes Aquino, sobre quem eu escrevera há dois dias, festejando o reconhecimento em vida, da sua contribuição ao rádio do Rio Grande do Sul. Conversamos sobre os velhos tempos. Veronezi logo surgiu entre os nomes esquecidos ao longo do extenso caminho que a nossa geração percorreu nos microfones, para construir seu legado.
Veronezi começou nos idos de 1950, no modelo que J. Antônio D'Avila trouxe para o Rio Grande do Sul, para atualizar o que importáramos da Argentina na infância do rádio, quando os equipamentos de geração e transmissão de som eram rudimentares, exigindo vozes tão graves e poderosas como os baixos do teatro lírico, tendo como limite as cadeiras do auditório.
Logo o modelo estaria superado com o advento da televisão, tudo migrando para a telinha, restando ao rádio só o que não podiam lhe retirar: o som. Foi então que Flávio Alcaraz Gomes, em um dos seus frequentes acessos de genialidade, criou o gênero "radiodocumentário", como "Província" e "2001".
Duvido que Flávio Alcaraz Gomes, ou quem mais fosse, pudesse ter criado e realizado os primeiros documentários sem Fernando Veronezi. Ele era o ouvido de todos nós, era quem escutava as maluquices que desejávamos levar ao microfone sem saber como, e as traduzia em som, porque este era seu idioma de nascença. A capacidade de transformar ideias em decibéis, fez com que sugerisse a Sérgio Jockyman um dos mais geniais programas que já passaram pelos receptores brasileiros – "Aventuras no mundo do som".
A mesma ideia eu a vi no cinema, alguns anos depois, em um filme cujo herói se deixava miniaturizar para navegar no organismo de um enfermo, penetrar em desvãos microscópicos do corpo e curá-lo de sua doença.
Mais que ruídos, Veronezi manipulava o próprio movimento das moléculas que através do tímpano dizem alguma coisa ao cérebro da gente. Não precisava de uma orquestra para criar seus cenários. Uma simples nota de centésimos de segundo de duração, esticada pelo dedo que retardava a rotação do prato onde o disco girava, duplicada por gravações sucessivas e perfeitas, sem as linhas da costura, transformava-se no silêncio ensurdecedor da solidão que nós, seres humanos nos defrontamos ao perscrutar os espaços infinitos na indagação às estrelas, se estamos sós.
Mas tudo isso ficou para trás porque é o tributo que o tempo cobra de cada geração. De repente, os pratos que rodavam os bolachões (elepês) na mesa do som foram para o museu, expulsos pela informática, em cujo mundo Veronezi não quis ingressar. Ele mesmo me contou, há cerca de dois anos, quando eu o procurei para dar vida aos milhões de mortos do Holocausto, em um documentário que escrevi para perpetuar o depoimento de sobreviventes judeus e testemunhas não judias.
Já estava fragilizado pelo câncer que o vitimou, só agora percebo, mas disso não se queixou. Apenas me disse que não conseguia fazer aquelas coisas com os computadores nem tinha interesse em mexer com elas. Olhou o roteiro, me recomendou a voz de Sérgio Schiller para a narração. Enquanto fazia isso, percebi que seu olhar se alçava para além da realidade, mirando a época em que todos éramos jovens e brincávamos de fabricar vida tendo como varinha de condão um mero microfone.
Uma época que se encerra com a sua morte.
Fico sobremaneira comovida com o hábito que tens de reconhecer e enaltecer o talento das pessoas, notadamente dos teus colegas - ainda em atividade - como também dos que já se foram. É muito digno da tua parte. Que caráter, hein meu amigo !!! "Parabéns ao Eterno" pela tua existência.
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