A coluna "Um herói do Século 20" (21/05), relembrando a figura esquecida de Charles Lindbergh, primeiro recordista da travessia aérea do Atlântico, sem escalas, suscitou comentários de leitores. Em comum, as manifestações citavam suas aproximações com os líderes nazistas na década de 1930, participação em campanhas para manter os Estados Unidos fora da II Guerra Mundial e antissemitismo.
Escrever sobre Lindbergh resultou de uma série de coincidências que os místicos atribuirão ao sobrenatural. Eu sempre haveria de preferir a coincidência dos meus palpites com os números sorteados de uma megassena acumulada. Até hoje não encontrei fantasma que me fizesse este favor. Todas as minhas assombrações sofrem da unânime mania de evaporar os poucos níqueis do bolso.
O fato é que estava tentando pôr ordem e transformar em biblioteca a livralhada acumulada durante anos, quando dei de mão com "Lindbergh – uma biografia", de Scott Berg, cuja tradução a Companhia das Letras publicou em 2000. Como acontece nessas ocasiões, a gente fazuma paradinha na arrumação para dar uma "olhada" no livro lido há tanto tempo. Foi quando me dei conta da coincidência de datas: era 20 de maio, o mesmo dia em que Lindbergh iniciou seu voo histórico.
Não tive a menor intenção de omitir o avesso do herói. Poderia até descer, entre outros pormenores mais depreciativos, aos maus tratos a filhos, sob pretexto de educá-los para "o bem". O que, aliás, não o deixaria muito distante da atriz Joan Crawford nem desta procuradora de Justiça brasileira, Vera Lúcia, que ocupou as manchetes dos jornais na semana passada.
Ao reler anotações em alguns trechos do livro me veio a percepção de que Lindbergh não passava de um caipira norte-americano, subitamente ejetado à notoriedade mundial. Nessas circunstâncias, além de pioneiro da aviação, foi também precursor dos personagens do Big Brother, pelo despreparo para lidar com coisas que a fama lhe poria em contato. Algo muito parecido ao que está acontecendo hoje com o Luiz Inácio Lula da Silva e seu assessor Marco Aurélio Garcia no encaminhamento da nossa política externa.
Não se trata aqui de justificar o comportamento de Lindbergh em relação a Hitler, ou de Lula e Marco Aurélio em relação a Ahmadinejad, na contramão da História. Em ambos os casos o deslumbramento é que explica a facilidade com que incautos se deixam levar pela gabolice de outros caipiras, a cuja personalidade se agrega boa dose da psicopatia de domínio do mundo.
Lindbergh se deixou levar, principalmente pela lábia de Hermann Goering, o poderoso comandante da Luftwaffe, aviador como ele. Sua pregação, defendendo que os Estados Unidos se mantivessem fora da II Guerra, enfatizava a inutilidade de resistir a invencível força aérea nazista. Para firmar a posição, chegou até a renunciar ao posto de coronel da reserva do Corpo Aéreo do Exército norte-americano.
Mais tarde, quando se deu conta do logro em que tinha caído, quis voltar e foi recusado. Só foi aceito no fim da guerra, havendo ele tomado parte de mais de 50 missões de combate contra os japoneses.
Rios de tinta já correram para contar a vida de Lindbergh e há outro tanto para se dizer, com a visão globalizada que temos no mundo. Para entender, porém, os atores deste Big Brother em que todos estamos nos convertendo, por nos expor um dos pioneiros, o livro de Scott Berg permanece valioso. Só não tem explicação a Companhia das Letras Editora ter dobrado o preço para R$ 86,50, como se pode ver na Internet.