sexta-feira, 28 de maio de 2010

O canhão no morrinho –Jayme Copstein

O Governo brasileiro baixou o tom de comemoração de botequim, imprimido à sua encenação do "nunquismo" em Teerã: nós fomos lá e resolvemos o que a ONU nunca tinha feito, conforme a gabolice do Presidente Luís Inácio Lula da Silva.

Em entrevista ontem à tevê, o chanceler Celso Amorim começou a pôr panos quentes. O papel assinado por Brasil, Irã em Turquia, que só faltou ser chamar pomposamente de Acordo Tripartite, era apenas um princípio de conversa. Amorim admitiu que o Irã deve claramente oferecer as garantias de renunciar à fabricação de armas de destruição em massa.

A nova trapalhada diplomática da "troica"    Lula-Amorim-Garcia (não necessariamente nesta ordem), mera repetição do ocorrido em Honduras, suscitou comentários de toda a ordem, incluindo maledicências sobre interesses pessoais. O Brasil é dono de parte das mais importantes jazidas de urânio do globo e o fornecimento ao Irã sempre haveria de fazer a felicidade de muita gente no mundo dos negócios.

Não há indícios que autorizem hipótese tão atrevida. Tudo indica tratar-se de caipirice, cujo principal sintoma induz os pacientes a acharem que berimbau é flauta. Enfim, dentro de uma democracia todas as opiniões podem ser debatidas, se bem que a verdade poderia ser apurada pela Polícia Federal, se não estivesse ocupada em investigar se Joãozinho não é traído por Mariazinha com o Zezinho, caso os três se candidatem pela Oposição a qualquer coisa nas eleições de outubro.

Mas já que estamos falando de marchas e contramarchas, vale lembrar a história verídica, contada pelo escritor Somerset Maugham em "Assunto pessoal", livrinho editado pela nossa Editora (Livraria do) Globo, no início da década 1950.

Maugham adorava fazer molecagens com os leitores. Após parasidíaca descrição dos jardins de sua casa na Rivieira, narra a visita de uma comissão de generais e almirantes franceses, às vésperas da II Guerra Mundial, para lhe comunicar a necessidade de instalar um canhão em um morrinho da propriedade. Mas já o foram alertando sobre desvalorização imobiliária diante da perspectiva de guerra. Não pensasse em pedir um preço exorbitante.

Para surpresa dos generais e almirantes, Maugham respondeu que não cobraria nada. A permissão para instalar o canhão seria o mínimo com que poderia retribuir a hospitalidade francesa. A comitiva ficou perplexa. Agradeceu a generosidade, mas insistiu que fixasse o valor.

Como o escritor mantivesse a recusa, o tom cordial com que o assunto começara a ser abordado transformou-se em algo gélido. A comitiva retirou-se após secos comprimentos. Alguns dias depois, Maugham recebeu carta muito gentil, agradecendo o desprendimento, mas comunicando que, após análise mais precisa, as Forças Armadas Francesas tinham concluído não haver nenhuma necessidade de instalar o canhão no morrinho.

Razões estratégicas, é claro. E nada mais perguntem ou especulem. É segredo de estado. Pode ser considerado traição à Pátria.

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