Quem foi buscar transfusão de talento ou, mais modestamente, aval para seus narizes-de-cera (*), anteontem, na palestra do escritor e jornalista Tom Wolfe, saiu tosquiado. Encerrando o "Fronteiras do Pensamento" deste ano, Wolfe apenas se propôs a traçar uma charge dos modismos intelectuais da nossa época, subjugada ao catecismo do politicamente correto e gerida por uma "aristocracia do gosto" cujo espírito de tolerância bota talibãs e aiatolás no chinelo.
Foi disso que Wolfe falou todo o tempo, com nuanças impossíveis de serem transmitidas pela tradução simultânea, a não ser que os intérpretes sejam atores consumados. É mais do que evidente que não negou a genialidade de Picasso ou de James Joyce – ninguém tem como revogá-la – mas fez gozação dos subprodutos, vendidos pelos camelôs da "aristocracia do gosto" a quem deseja comprar atestados de bom-mocismo, inteligência e erudição. Como otários sempre encontram vigaristas prontos a depená-los, este mercado mostra-se mais promissor que a pirâmide financeira criada por Carlo Ponzi e aperfeiçoada recentemente por Bernard Madoff.
Wolfe exemplificou o beco sem saída do politicamente correto com a carnavalização da liberdade sexual, ao comparar as fêmeas dos chimpanzés, que sinalizam seu desejo erguendo a cauda e expondo os genitais, com o quadro que testemunhou em uma universidade americana, onde cerca de 20 garotas ajoelhadas diante de outros tantos rapazes – todo mundo nu – praticavam sexo oral como se estivessem em uma linha de montagem. O que civiliza o animal humano, o "bípede implume" de Platão, são os códigos de convivência social, purificados de seus excessos na medida em que o conhecimento se alarga e se aprofunda. Nada, porém, a ver com fantasias de "seres-robôs" recentemente criados por uma cruza de neurociência e genética, segundo a qual todos os comportamentos já estão programados no DNA.
Nada disso é novidade nem se distingue um til das exasperações do século 19 quando os destroços do feudalismo recalcitrante manipularam a genética para se preservar como "elite pensante" e desencadearam a tragédia étnica do Século 20. Sequer o novo jornalismo de que Wolfe, com Norman Mailer, Truman Capote e Gay Talese são apontados como luminares, é algo verdadeiramente novo. Quem presta atenção no britânico Winston Churchill, no americano Ernest Hemingway e no brasileiro Euclides da Cunha, apenas para citar alguns exemplos de bom jornalistas e bons escritores, sai convencido que escrever se faz com mais ou menos talento, mais ou menos cultura, e que a diferença básica entre o jornalismo e literatura é que jornalistas criam textos para os fatos que testemunharam, enquanto ficcionistas criam fatos para textos que assomam em suas mentes.
Fora disso, é mera papagaiada, para a qual certa "aristocracia" devota seu gosto. Neste caso já não está mais aqui quem falou.
(*) Nariz-de-cera, em jargão jornalístico, é uma futilidade que nada acrescenta a uma notícia ou reportagem, escrita ao mais das vezes para preencher espaço. Banida durante decênios, tem retornado aos jornais como "originalidade". Nada há nada que seja novo debaixo do sol, como já dizia o Eclesiastes, há milênios,
Vai acontecer
O seminário "Debates Contemporâneos" vai examinar a literatura de hoje no Brasil, na Alemanha e na França, no fim deste mês (dias 24,25 e 26). Participam das palestras, mesas e oficinas críticos literários, escritores e editores. Promoção conjunta do Instituto Goethe, o Instituto de Letras da UFRGS e a Secretaria Municipal da Cultura. Na pauta, as mudanças no hábitos de leitura, trazidas pela leitura digital.