sexta-feira, 13 de novembro de 2009

O apito de ouro – Jayme Copstein

Pois um juiz de futebol, o goiano Elmo Resende está curtindo saia justa porque apitou antes de a bola ter sido chutada, mas assim mesmo validou o gol. Ora, ora, por que tanto escândalo? Ouvi certa vez, em um programa de tevê, que mesmo tendo Pelé, Garrincha, Didi, Nilton Santos naquela Seleção de 1958, na véspera da partida contra a Suécia os cartolas da CBF convidaram o juiz para vir ao Rio de Janeiro, caso o Brasil vencesse e fosse campeão do mundo, e depois ainda lhe deram um apito de ouro.

Desde então não escrevo nem falo de futebol. As pessoas, sem saber o motivo, perguntam se é excentricidade. Cada um tem a sua. Abrem a boca, pálidas de espanto, como diria o poeta Olavo Bilac, quando lhes digo que fui cronista esportivo da "Gazeta da Tarde", glorioso jornal da cidade do Rio Grande, de 4 páginas, 300 exemplares diários. Cabia-me o importante papel de registrar a história cotidiana do futebol riograndino, dívida para sempre caloteada, por sorte jamais cobrada pelos conterrâneos.

Hoje, porém, com a façanha do Elmo Resende, não consigo resistir à tentação: para mim não é novidade. Tanto não é novidade que já contei aqui esta história e poderia ficar repetindo, como o velho Timbira do poema de Gonçalves Dias, "I-Juca Pirama", sobre muitos causos parecidos e também dizer, como ele, "Meninos, eu vi!".

De fato vi muita coisa, mas a maior parte ouvi. Vi, como o velho timbira, o veterano Esporte Clube Rio Grande empatar em 1 a 1, gol do Carruíra, no último minuto do segundo tempo, com o selecionado carioca de 1936. Os jornais locais registraram manchete na primeira página e torcedores mandaram re-imprimir a matéria em seda, enquadrar em belas molduras e pendurar nas salas-de-visitas, para perpetuar o feito glorioso.

Eu vi. Mas foi como cronista que ouvi o resto da história: quando a bola chegou nos pés do Carruíra, o Orlando, escriturário da Prefeitura, torcedor do "Veterano" e que estava servindo de juiz, apitou.

Todos pararam, menos o Carruíra, que chutou a bola na rede. Para surpresa geral, o Orlando apontou o centro do campo, confirmando o gol. Os cariocas reclamaram, mas em vão. O centro-avante carioca (naquele tempo era center-foward) Carvalho Leite, que por sinal jogava no Botafogo, argumentou:

– Seu juiz, o senhor apitou antes da bola ser chutada!

"É que o senhor não é daqui, e não conhece o Carruíra", o Orlando respondeu. "Se conhecesse, saberia que ele nunca errou um gol dali."

E pondo um dedo na cara do Carvalho Leite, advertiu:

"Se reclamar mais uma vez, vai pra rua!".

Mal houve tempo de dar nova saída, a partida terminou. O relógio do Orlando estava em boa forma e também corria muito. Aliás, ele nunca mais foi convidado para ser juiz nem de pelada.

Que pena. Desde então, não consigo deixar de pensar. Que dupla, aquela, o Carruíra de goleador, o Orlando de juiz, com seu apito de ouro. Se a gente tivesse se encaprichado e mantido a dupla, o nosso time poderia ter chegado a campeão do mundo.

Agora, com o Elmo Resende, quem sabe, heim? É só arranjar o goleador.