segunda-feira, 26 de setembro de 2005

As águas do São Francisco - Jayme Copstein

Além de emendas de deputados, com vistas à eleição da presidência da Câmara de Deputados, o governo federal, tão sovina em pagar ao Rio Grande do Sul o que deve em conseqüência das exportações, começa a despejar dinheiro, para iniciar as obras da decantada transposição das águas do Rio São Francisco.
A notícia não obteve destaque, afogada na lamaceira do mensalão e do mensalinho. É uma pena. Trata-se de delírio antigo, que pode ser enfileirado a tantos outros, ressurgidos com freqüência na demogagia dos políticos, para voltarem à letargia logo adiante, não sem antes devorarem alguns milhões dos cofres públicos.
Nesta questão do Rio São Francisco, em vez de encompridar os olhos para as eleições presidenciais do ano que vem, melhor andaria o sr. Luiz Inácio Lula da Silva se afinasse os ouvidos para a advertência do professor da Universidade de São Paulo, Aziz Ab'Saber, publicada na edição 80 da revista Ensino Superior.
Geógrafo de renome internacional, Aziz Ab'Saber chama a atenção para a bazófia de que a transposição das águas do São Francisco vá beneficiar milhões de pessoas no semi-árido brasileiro. “Cada hora citam um número diferente”, ele diz na entrevista. “Oito milhões, dez milhões e doze milhões de pessoas. Fiz um esforço para verificar qual é o conjunto da população que habita ao longo do vale do São Francisco e do Jaguaribe. Nos meus cálculos, não dá mais do que 400 mil pessoas”.
O governo fala também que o projeto de transposição das águas do São Francisco vai atender a 750 mil quilômetros quadrados, área equivalente a três vezes o Estado de São Paulo. O professor pergunta: “Será possível atender a toda esta região com um canalzinho?”
O problema está em que, tal como em outros projetos, o governo só escutou a voz de multidões mal calculadas, debruçadas sobre as urnas da reeleição, em lugar de ouvir os grandes especialistas que temos em nossas universidades. O professor Aziz não se opõe à transposição de águas do São Francisco, “desde que feita de acordo com projetos bem elaborados e não demagógicos".
Ele acrescenta: “O São Francisco é um rio que cruza os sertões e vem de cabeceiras que fornecem água relativamente em quantidade para o médio vale e, depois atravessa os cerrados e depois vai para a caatinga. Ocorre que o cerrado e a caatinga têm a mesma sazonalidade. Seis meses muito secos e justamente no período da secura do cerrado e da caatinga é que o rio vai ter que fornecer mais água para a transposição”.
O fato é que a água retirada do São Francisco vai fluir pelas beiradas onde estão as fazendas de criação de gado. Passa por cidades próximas do rio. “Esta água – afirma o professor Aziz – vai pôr em risco a cultura de vazante, que é o único espaço que não pertence aos grandes fazendeiros e que responde por grande parte da produção de alimentos da região”. E indaga: “A quem vai servir a transposição das águas do São Francisco?”
Se Azi Ab’Saber perguntasse para o que vai servir, a resposta seria: chamariz de votos nas próximas eleições.

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