Em artigo publicado na revista eletrônica Consultor Jurídico (O país dos doutores – 28.08.2005), o juiz de direito e professor universitário Vitor André Liuzzi Gomes analisa sentença que negou a magistrado do Rio de Janeiro a pretensão de exigir dos vizinhos de condomínio o tratamento de “doutor”. Após considerar a gratuidade com que se dispensa o título de doutor a meio mundo no Brasil – certas universidades, não, até cobram para isso – o professor Liuzzi Gomes conclui: “Em um país em que o analfabetismo e a pobreza atingem níveis escandalosos, criou-se o entendimento comum de que, quem consegue concluir um curso superior, qualquer que seja, torna-se ‘doutor’".
O artigo inspirou-me algumas lembranças e outras tantas reflexões, levando-me de volta ao início da carreira profissional, quando tomei contato com o primeiro 'Manual de Redação". É um conjunto de normas para dar unidade aos textos publicados pelos jornais. Diz respeito, entre outras coisas, ao uso de maiúsculas e também a formas de tratamento.
Naqueles manuais, o "dr." , o “de-erre”, como a gente pronunciava, era exclusividade dos médicos, por tradição. O Judiciário tratava de maneira diferente. Em seus editais, antecedia com um “excelentíssimo”, abreviado, o doutor por extenso que acompanhava a assinatura dos juízes; “De ordem do exmo. Doutor Fulano de Tal, Juiz de Direito etc. etc. (...)”.
Como sofro de permanente curiosidade para encontrar a origem das coisas,leituras do cronista Luiz Edmundo ("O Rio de Janeiro do meu tempo", "O Brasil no tempo dos vice-reis") me mostraram um país em que os mitos da plutocracia se sobrepõem à realidade e, por isso, abundam os adjetivos, es-casseiam os substantivos.
É o contraste escandaloso ressaltado pelo professor Liuzzi Gomes em seu artigo. É o analfabetismo e a pobreza (necessariamente nesta ordem) de muitos e o sibaritismo de uns poucos.
Como é da mitologia atribuir saber aos detentores do poder, lembrança provável de "As mil e uma noites", povoadas de sultões justos e magnânimos e vizires nem tanto, fica a impressão de que, originalmente, para separar os mandões dos mandados, aos primeiros foi conferido o adjetivo “douto”, e o “r” acabou sendo pespegado na traseira por questões de eufonia. Fica mais pomposo “doutor” do que "douto".
Que bom que, fora do velho jornalismo, as pessoas começam a se dar conta do despropósito pretendido pelo magistrado fluminense, querendo obrigar os vizinhos a chamá-lo de doutor.
Estamos progredindo. O próximo passo é convencer a alguns “doutores” que liberdade de pensamento é direito assegurado pela Constituição a todos os brasileiros,não mero privilégio da plutocracia.
quinta-feira, 8 de setembro de 2005
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