quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Manuel na Terra de Dona Beija – Jayme Copstein

Após de longo tempo, encontro o filósofo português, o Manoel, que não inventa anedota de brasileiro porque acha que "não precisa". Está alvoroçado com a proposta tipo "liberou-geral-tudo-é-carnaval" da Comissão de Legislação Participativa, em tramitação pela Câmara Federal, para revogar o artigo 176 do Código Penal e não considerar mais fraude comer em restaurantes, hospedar-se em hotéis e usar transporte sem dinheiro para pagar.

Hoje são delitos punidos – teoricamente, pois este é o país da impunidade – com detenção de 15 dias a 2 meses. A brilhante ideia nasceu dos cultores do coitadismo jurídico de Estrela do Sul, cidade de Minas Gerais cujo habitante mais notável foi Dona Beija ainda no tempo em que a povoação se chamava Cidade da Bagagem e incluía distritos como
Espírito Santo do Cemitério, Água Suja e Brejo Alegre. A região toda era conhecida como Sertão da Farinha Podre (hoje Triângulo Mineiro). A denominação "Estrela do Sul" veio da descoberta, em 1853 de um grande diamante, batizado com este nome e que tem a rara propriedade de mudar de cor, do branco ao rosa com tons de marrom, dependendo do ângulo de incidência da luz.

Os notáveis jurisconsultos de Estrela do Sul fundamentam a sua proposta com o argumento de que, "Às vezes, a pessoa vai almoçar, percebe que não tem o dinheiro e é presa por causa disso. Há uma presunção de dolo e má-fé, sendo que é o contrário. Se ficar provada a má-fé, existe o artigo 171, que é o do estelionato. O comerciante não estará desprotegido".

Manoel me conta todas essas coisas e pergunta: "Vocês cá no Brasil estão a instituir o Dia do Pindura, 365 vezes por ano, entre os direitos constitucionais?" Como eu lhe perguntasse onde estava a piada, soltou sua risadinha safada e concluiu: "Piada??!? Precisa? Hum, que país gracioso!".

Por que agora?

Cézar Benjamin escreveu "Por que agora?" (Folha de São Paulo, 02/12) para justificar "Os filhos do Brasil" (Folha de São Paulo, 27/11), que despertou grande celeuma por relatar gabolices sexuais do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, durante a campanha eleitoral de 2002. Neste segundo artigo, Benjamin faz acusações bem mais graves, conforme os leitores podem deduzir, por conta própria, nos trechos adiante:.

"Há meses a Presidência da República acompanha e participa da produção desse filme, financiado por grandes empresas que mantêm contratos com o governo federal. Antes de finalizado, ele foi analisado por especialistas em marketing, que propuseram ajustes para torná-lo mais emotivo. O timing do lançamento foi calculado para que ele gire pelo Brasil durante o ano eleitoral. Recursos oriundos do imposto sindical - ou seja, recolhidos por imposição do Estado - estão sendo mobilizados para comprar e distribuir gratuitamente milhares de ingressos. O objetivo é que o filme seja visto por cerca de 5 milhões de pessoas, principalmente pobres. (...) Em quase oito anos de governo, o loteamento de cargos enfraqueceu o Estado. A generalização do fisiologismo demoliu o Congresso Nacional. Não existem mais partidos. A política ficou diminuída, alienada dos grandes temas nacionais. Nesse ambiente, o presidente determinou sozinho a candidata que deverá sucedê-lo, escolhendo uma pessoa que, se eleita, será porque ele quis. Intervém na sucessão em cada Estado, indicando, abençoando e vetando. Tudo isso porque é popular. Precisa, agora, do filme".