quinta-feira, 22 de dezembro de 2005

O fazedor de gestos - Jayme Copstein

Afora o texto de Bruno Garschagen – “Ai de ti, crônica brasileira!” – publicado na revista eletrônica NoMínimo, o décimo-quinto aniversário da morte de Rubem Braga passou em branco na imprensa brasileira.
De alguma maneira, sorte do “velho” Braga, se é que alguém, depois de morto, pode estar ou não sujeito ao azar. Ao menos, sua memória foi poupada da mediocridade modernosa que não consegue ir além de um “tantos anos sem fulano”, ao registrar efemérides que reverenciam mortos ilustres. Não se admirem se, em qualquer Páscoa, algum gênio pespegar “Dois mil anos sem Jesus”, ainda que involuntariamente possa ter um pouco de razão.
Mas chama a atenção na matéria de Bruno, a observação de Álvaro da Costa e Silva, editor do Caderno “Idéias”, do Jornal do Brasil, temendo que não haja espaço nos jornais de hoje, para crônicas como as de Rubem Braga. Bastaria, entretanto, relacionar-se Luiz Fernando Veríssimo, Moacyr Scliar, Sérgio da Costa Franco e Cláudia Laytano, ficando apenas com gaúchos, para atenuar tais receios,
Provavelmente, a preocupação de Costa e Silva tem a ver com a contrafação chamada “jornal-empresa” ou coisa que o valha, parida no cérebro (?) de engravatados executivos, incapazes de ver na Vênus de Milo algo além da oportunidade de vender braços mecânicos, “melhores que os de nascença”. É a explicação para os salários de nada, a ausência de talento e a acentuada fuga de leitores do jornalismo impresso.
Rubem Braga haveria de sorrir, se é que conseguisse prestar atenção a essas pequenezas. Tinha importâncias maiores com que se ocupar, como por exemplo, a primavera chegando na Rua do Catete.
Sei, porque conheci o “velho” Braga pessoalmente e muito conversei com ele, quando ia ao Rio. Escrevi uma crônica, para comemorar os seus setenta anos, publicada em fevereiro de 1983, no caderno “Letras e Livros” do velho Correio do Povo. Chamava-se “O fazedor de gestos”. Era assim:
Durante seis dias o velho Jeovah obrou o mundo com mania de grandeza. Fez céus, terras, mares, montanhas, fabricou o homem. E no sétimo dia viu as coisas que tinha feito, achou que eram boas, jogou fora o entulho e foi descansar, que ninguém é de ferro.
Pois nesse mesmo sétimo dia, o velho Braga nasceu no Cachoeiro do Itapemirim. Viu a Obra e achou que não era lá essas coisas porque, em toda a mania de grandeza, falta a pequenez do gestos que é o sal da vida. E então, com o barro sobrado do homem, desandou a fabricar sonhos, esperanças, brisas, crianças, sereias. Porque tudo são gestos. A flor é um gesto da primavera, assim como o arrepio da mulher amada é um gesto de amor e por aí afora.
O tempo desta história ninguém sabe. Nietzsche diz que Jeovah está morto, Jeovah diz que Nietzsche está morto e mostra a sepultura, enfim, é um pouco mais do que palavra contra palavra. Mas o velho Braga tem 70 anos. Isso é um gesto da vida que todos acham bom e festejam.
Como alguém pode ter apenas 70 anos e ser contemporâneo da criação do mundo, é mistério. Melhor dito, um gesto do velho Jeovah. De colega para colega. Que Ele também os tem.

Um comentário:

  1. Anônimo4:16 AM

    Jayme,

    Estive afastado um tempo, mas voltando não pude deixar de dar uma passada por aqui. É sempre bom ler seus textos.

    Um Feliz Natal (atrasado) para você e toda a família e um 2006 de muitas felicidades!

    Grande abraço!

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