segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Carnaval e trabalho - Jayme Copstein

Quando o Estado Novo, a ditadura de Getúlio Vargas (1937 a 1945), achou de moralizar o país, decidiu começar pelo Carnaval. Não pela informalidade da festa, mas pelas letras das suas canções que em sua maior parte só falavam de samba, mulher e cachaça. Nada criticável, não passava de versão cabocla do “Vinho, mulheres e canções” de Johann Strauss com melodia e ritmo nativos:

“Eta, moleque bamba, / pega a cabrocha, / pisca o olho / e cai no samba. (Samba de Lamartine Babo)”

Mas assim não entendeu o DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda). Proibiu aos compositores a palavra “malandragem” e ordenou a glorificação do trabalho. A ordem foi obedecida com malandragem pelos compositores Haroldo Lobo e Milton Oliveira, na marcha “Passarinho do Relógio”;

“O passarinhoi do relógio está maluco. / Ainda não pé hora do batente / Ele fica impertinente / Acordando toda a gente”.

Quando o cerco apertou, os primeiros sinais de submissão ao DIP apareceram em “Sete Horas da Manhã”, samba de Cyro de Souza (1942). Mesmo glorificando o trabalho e bajulando a chefia, como desejava a ditadura, a letra registrou o eterno drama do operário que vive nos subúrbios do Rio de Janeiro:

“Quatro horas da manhã / eu já estou de pé. / Enquanto eu lavo o rosto, / ela faz o meu café, / embrulha meu almoço. /Que me visto e vou andar. / Pego o trem da Leopoldina / e vou trabalhar. / Sete horas da manhã entro na repartição, / cumprimento meu chefe / e vou marcar meu cartão.”

Anos mais tarde, em 1953, Luiz Antônio e Brasinha aproveitaram o mesmo tema em “Zé Marmita”, retratando o trabalhador que sai de casa de madrugada, com a comida requentada em uma marmita e sofre no trem superlotado que o leva ao trabalho:

“Quatro horas da manhã, / sai de casa o Zé Marmita./ Pendurado na porta do trem, / Zé Marmita vai e vem.”

Mesmo quando as letras eram bem comportadas,satisfazenbdo o gosto dos censores, o povo das rua corrigia a submissão.

“Bonde de São Januário (1941) dizia: “Quem trabalha / é que tem razão / Eu digo e não tenho medo de errar, / O bonde de São Januário / leva mais um operário, / sou eu que vou trabalhar”.

São Januário é o bairro onde o Vasco tem seu estádio. Nas ruas o povo cantou:

“O bonde de São Januário/ leva mais um otário / pra ver o Vasco apanhar”.

Quando a ditadura Vargas caiu, a resposta ao bom-mocismo imposto pelo DIP não se fez esperar. Apareceu em 1946, em um samba DCE autoria desconhecida, sucesso do carnaval daquele anos, com o título de “Trabalhar, eu não”.

A letra, entretanto, não ressuscitava a malandragem proibida pelo DIP. Pelo contrário, retratava a inconformidade e o desânimo do trabalhador anônimo diante da perversa divisão de renda no país:

“Eu trabalho como um louco / até fiz calo na mão. / O meu patrão ficou rico / e eu pobre sem tostão. / Foi por isso que agora / eu mudei de opinião:/ “Trabalhar, eu não, eu não.”

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