quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

A guerra dos tremoços - Jayme Copstein

Em 19 de fevereiro, sempre estou de aniversário. Não por mim, que sou de janeiro, mas pela cidade do Rio Grande, RS, nascida neste dia como uma Jerusalém bem-amada - a minha mão direita há de secar (e a esquerda também) bem antes que eu consiga esquecê-la.

Pode parecer curioso, mas evocações cívico-municipais, como seria adequado a uma efeméride que se preze de sê-lo, não as tenho. Acho que era a época, o tipo de ensino que nos davam na escola. Sabíamos mais das andanças de Amundsen no Pólo Sul que sobre a própria cidade em que vivíamos.

Eu, pessoalmente, tinha noções muito vagas do desembarque de Silva Pais naquelas costas, para fundar o presídio de Jesus-Maria-José. Vinham de um historiador local, não mais que diletante bem-intencionado, que me contava das lutas titânicas dos portugueses contra os espanhóis pela posse de nossas areias.

Isso me intrigava. A cidade era praticamente habitada por portugueses, mas a todos eu reunia e condensava no Manoel dos Burros, símbolo que não sei se ainda vale hoje em dia, do bem sucedido homem de negócios. Depois de anos como carroceiro – daí o nome que ostentava como brasão – prosperou com uma bodega onde vendia tremoços em gamelas para acompanhamento do vinho tinto em copos.

De espanhóis, só conhecia, assim mesmo de vista, o Fuentefria, que tinha loja de guarda-chuvas na rua Uruguaiana, mais tarde promovida a avenida e rebatizada como Silva Pais em homenagem à data. Esse Fuentefria viveu e envelheceu como um homem bem posto, cidadão honorável e exemplar chefe de família, deixando descendência da qual já não tenho mais notícias. Mas, naqueles dias de infância, ele me confundia, não por lhe adivinhar mistérios terrificantes mas porque o chamavam de guarda-soleiro (naquele tempo guarda-chuvas era também guarda-sol), eu entendia guarda-soleira e não conseguia ver nenhuma relação entre guarda-chuvas e as soleiras das portas.

Se os adultos diziam que era assim, era porque era assim. As orelhas ressabiadas recomendavam prudência. Se diziam que portugueses e espanhóis – para mim, o Manoel dos Burros e o Fuentefria – tinham brigado um dia, era porque tinham brigado. Ficava engraçado imaginar o Fuentefria, escorado atrás de um guarda-chuvas, resistindo à artilharia de tremoços do Manoel dos Burros, mas o feriado provava esta guerra original.

Foi ao sabor dessa história que nasceu meu inconformismo. Portugueses e espanhóis brigavam em Rio Grande – me contou o historiador diletante – mas não era por Rio Grande, era pelo Rio da Prata, que não era de prata mas era de água.

Ora, se o Manoel dos Burros e o Fuentefria fizeram mesmo a tal Guerra dos Tremoços, sei lá por quê, que pelo menos a tivessem feito de março a novembro, para dar feriado na época das aulas. Em fevereiro, era tempo de férias. Grandes paspalhões! De que adiantava feriado em tempo de férias?...

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