Em 19 de fevereiro, sempre estou de aniversário. Não por mim, que sou de janeiro, mas pela cidade do Rio Grande, RS, nascida neste dia como uma Jerusalém bem-amada - a minha mão direita há de secar (e a esquerda também) bem antes que eu consiga esquecê-la.
Pode parecer curioso, mas evocações cívico-municipais, como seria adequado a uma efeméride que se preze de sê-lo, não as tenho. Acho que era a época, o tipo de ensino que nos davam na escola. Sabíamos mais das andanças de Amundsen no Pólo Sul que sobre a própria cidade em que vivíamos.
Eu, pessoalmente, tinha noções muito vagas do desembarque de Silva Pais naquelas costas, para fundar o presídio de Jesus-Maria-José. Vinham de um historiador local, não mais que diletante bem-intencionado, que me contava das lutas titânicas dos portugueses contra os espanhóis pela posse de nossas areias.
Isso me intrigava. A cidade era praticamente habitada por portugueses, mas a todos eu reunia e condensava no Manoel dos Burros, símbolo que não sei se ainda vale hoje em dia, do bem sucedido homem de negócios. Depois de anos como carroceiro – daí o nome que ostentava como brasão – prosperou com uma bodega onde vendia tremoços em gamelas para acompanhamento do vinho tinto em copos.
De espanhóis, só conhecia, assim mesmo de vista, o Fuentefria, que tinha loja de guarda-chuvas na rua Uruguaiana, mais tarde promovida a avenida e rebatizada como Silva Pais em homenagem à data. Esse Fuentefria viveu e envelheceu como um homem bem posto, cidadão honorável e exemplar chefe de família, deixando descendência da qual já não tenho mais notícias. Mas, naqueles dias de infância, ele me confundia, não por lhe adivinhar mistérios terrificantes mas porque o chamavam de guarda-soleiro (naquele tempo guarda-chuvas era também guarda-sol), eu entendia guarda-soleira e não conseguia ver nenhuma relação entre guarda-chuvas e as soleiras das portas.
Se os adultos diziam que era assim, era porque era assim. As orelhas ressabiadas recomendavam prudência. Se diziam que portugueses e espanhóis – para mim, o Manoel dos Burros e o Fuentefria – tinham brigado um dia, era porque tinham brigado. Ficava engraçado imaginar o Fuentefria, escorado atrás de um guarda-chuvas, resistindo à artilharia de tremoços do Manoel dos Burros, mas o feriado provava esta guerra original.
Foi ao sabor dessa história que nasceu meu inconformismo. Portugueses e espanhóis brigavam em Rio Grande – me contou o historiador diletante – mas não era por Rio Grande, era pelo Rio da Prata, que não era de prata mas era de água.
Ora, se o Manoel dos Burros e o Fuentefria fizeram mesmo a tal Guerra dos Tremoços, sei lá por quê, que pelo menos a tivessem feito de março a novembro, para dar feriado na época das aulas. Em fevereiro, era tempo de férias. Grandes paspalhões! De que adiantava feriado em tempo de férias?...
quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009
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