sexta-feira, 2 de julho de 2010

A história de um furo – Jayme Copstein

Mexia eu em papéis antigos, quando encontrei algumas anotações sobre a morte de Alfred Stroessner, ex-ditador do Paraguai, que viveu seus últimos dias em Brasília, onde se refugiara ao ser deposto. Como lembranças sempre integram um cortejo, logo me lembrei da figura de um amigo muito querido, Severino Manique que durante décadas foi vice-cônsul do Brasil em Assunção. Já faleceu há mais de 20 anos.

A amizade com Severino Manique vinha de longa data, desde quando ambos trabalhávamos na Rádio Gaúcha, ainda ao tempo de estúdios e auditórios na Rua Sete de Setembro, quase esquina da Ladeira. Eu era redator de programas e Manique, como "Carlos Carrier", interpretava tangos e canções brasileiras românticas de grande sucesso na época.

O pseudônimo foi adotado porque, na época, ele era sargento do Exército. Militares não podiam, ao menos então, exercer nenhuma outra atividade. Foi o caso, também, muitos anos depois, de Martinho da Vila que teve que deixar a farda para seguir a sua bem sucedida carreira de compositor. Manique fizera o mesmo. Mudou-se para o Rio de Janeiro, contratado com confortável salário pela Rádio Nacional, onde atuou até 1964.

O regime militar, a título de combater a subversão e moralizar a coisa pública, demoliu o elenco da antiga PRÉ-8, então "empresa incorporada ao patrimônio da União". A maior parte dos artistas, os que não foram cassados, teve de escolher: transferência para repartições públicas ou demitir-se. Manique acabou dando com os costado no SAPS, o Serviço de Alimentação da Previdência Social, o primeiro criado para acabar com a fome no Brasil. Ali ficou até 1967. Quando o governo extinguiu o órgão, foi transferido para o Itamarati, sendo designado para servir no Consulado do Brasil em Assunção.

Da mesma maneira que não tivera qualquer vivência com panelas e vitaminas, Manique também era calouro na diplomacia. Mas não houve nenhum milagre. Bom caráter, prestativo, alegre, acima de tudo um gentleman, tornou-se figura exemplar no Consulado, ascendendo ao posto de vice-cônsul.

Ele já estava nesta função, quando iniciei a fazer a madrugada da Gaúcha. Foi um dos primeiros ouvintes a telefonar e o fazia com frequência, ora para recordar coisas do rádio antigo, ora para comentar outros assuntos. Autodidata, ao longo dos anos acumulara razoável cultura através de muitas leituras.

Em certa noite de fevereiro de 1989, Manique telefonou para a minha casa e me perguntou se eu estava ouvindo o jogo do Internacional, não me lembro agora contra quem. Respondi que não e ele tornou: "Então, vou te dar um furo: estão depondo o presidente do Internacional. A sede do clube está cercada pela torcida organizada e o co-sogro dele impôs que renunciasse."

Como eu não tratava de futebol no Brasil na Madrugada, decifrei imediatamente a mensagem. Stroessner estava sendo deposto por um golpe comandando pelo general Andrés Rodrigues, pai de seu genro. Como vice-cônsul, Manique não podia me dar a informação, sob pena de criar um incidente diplomático. Então cifrou a mensagem.

Incontinenti, liguei para a Gaúcha e conversei com o Armindo Antônio Ranzolin que comandava a jornada esportiva. Sem identificar a fonte, que lhe assegurei ser absolutamente confiável, Ranzolin interrompeu o comentário de Lauro Quadros para dar a notícia.

Foi furo internacional da Gaúcha.

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