quarta-feira, 14 de julho de 2010

Os piratas do Rio Amazonas – Jayme Copstein

Recebo uma das muitas mensagens que circulam pela Internet, com a recomendação de repassá-la ao maior número de pessoas, para alertar sobre os graves riscos a que corre o Brasil diante da cobiça internacional.

Jamais abro mensagens com tal tipo de recomendação. Estão programadas diretamente para a lixeira, mas esta me chamou a atenção porque falava em piratas das águas da Amazônia e pensei que estivéssemos reproduzindo em nossa selva o que andam fazendo no litoral da Somália.

Mas não. Era apenas uma dessas histórias fantasiosas, de navios carregando seus porões com o "precioso líquido" na Foz do Amazonas, para levá-lo sei lá aonde, provavelmente ao Oriente Médio ou aos desertos da África, onde a natureza não é tão generosa como no Brasil.

Não fui o único a receber a mensagem porque, faz poucos dias, li artigo de Antônio Félix Domingues, da Agencia Nacional de Águas, abordando o mesmo assunto e derrubando tais mitos, espalhados pela Internet para assustar ingênuos, como já aconteceu no passado, com aranhas venenosas escondidas sob os assentos sanitários dos banheiro femininos ou a Gangue do Palhaço que raptava crianças para lhes extrair órgãos destinado ao mercado negro dos transplantes.

No artigo aludido (O Estado de São Paulo, 10 de julho), Domingues demonstra a falácia da denúncia, com cálculos simples: só o frete do navio, sem contar as despesas posteriores para torná-la potável, acrescentaria ao custo de cada metro cúbico (uma tonelada) da água furtada entre US$ 0,25 e US$ 0,50 (R$ 0,44 e R$ 0,88, câmbio de ontem) por dia nos porões dos navios-tanque de grande porte, capazes de transportá-la em grandes quantidades para compensar viagem.

Como o percurso marítimo até o Oriente Médio leva em torno de 10 dias, o metro cúbico de água não chegaria em nenhum porto daquelas paragens por menos de US$ 3,00 (R$ 5,28) dólares, cinco vezes mais que a obtida por dessalinização, como já acontece, por exemplo, em Israel, onde três usinas (Ashkelon, Hadera e Sorek) fornecem água já tratada a 3,5 milhões de pessoas, por US$ 0,60 ( R$ 1,06) o metro cúbico.

Não só em Israel funcionam estas usinas de dessalinização, lá implantadas para substituir a água importada da Turquia, que deverá cessar completamente nos próximos anos. São 380 em todo o mundo. No Brasil, temos uma em Fernando Noronha, produzindo água potável a US$ 1,00 (R$ 1,76) por metro cúbico. Mesmo considerando-se a curta distância até lá, é mais barato do que se tivéssemos de continuar a trazer a água do continente, como se fazia antes.

O artigo de Antônio Félix Domingues, este sim, mereceria ser reproduzido por todos os veículos de comunicação social e também ser amplamente divulgado pela Internet, não só pelos mitos que derruba, também pelas advertências que faz, sem nenhum apelo ao atentado ao "patrimônio nacional", com seriedade, alertando para os riscos que corremos, poluindo os nosso mananciais – os mais abundantes do planeta – importando inclusive fauna alienígena com a água trazida de plagas distantes como lastro de navios mercantes.

A propósito: da próxima vez que alguém em Porto Alegre vir o cadáver de um cavalo boiando no Arroio Dilúvio, lembre-se de que temos aqui quem mais mal nos faz que os fictícios piratas da água do Rio Amazonas.

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