terça-feira, 27 de outubro de 2009

As duas Liberdades – Jayme Copstein

Quem está de aniversário hoje, colhendo 123 primaveras no jardim da existência, como se escrevia nos jornais antigos, é a Estátua da Liberdade, erguida na Baía de Nova York, inaugurada pelo presidente norte-americano Grover Cleveland, em l886. Foi presente dos franceses, idealizado em 1875, para as comemorar o primeiro centenário da Independência dos Estados Unidos no ano seguinte. Mas passaram-se 11 anos até sua inauguração na Ilha de Bedloe, assim batizada por ter sido comprada em 1660 por Isaac Bedloe. O nome foi mudado para Ilha da Liberdade em 1956.
A demora deveu-se, primeiramente, à dificuldade de arrecadar o dinheiro para construí-la. A campanha de subscrição popular só tomou verdadeiro alento quando Joseph Pulitzer empenhou o apoio de seu jornal, The World. A segunda dificuldade era construir o pedestal para apoiar as 156 toneladas de peso da estátua de cobre e ferro, considerando-se os ventos de 80 quilômetros por hora que a fazem oscilar. Foi uma verdadeira façanha técnica que projetou mundialmente o nome de um jovem engenheiro, Gustave Eiffel, mais tarde também perpetuado na Torre que é o símbolo de Paris.
Eu poderia escrever bem mais sobre as portentosas curiosidades em torno desta Estátua da Liberdade, mas são coisas que se acham com facilidade na Internet. Prefiro é falar da Estátua da Liberdade da cidade do Rio Grande, na Praça Xavier Ferreira, toda esculpida em mármore de Carrara, suponho, e da qual pouca gente sabe..
Não dá para comparar os dois monumentos porque a nossa é mais modesta. Com uns 20 metros de altura, somando estátua e pedestal, nem de longe se aproxima dos quase 92 metros da americana (só a estátua tem 46,50 metros) . Também as histórias são diferentes. A nossa Liberdade não nasceu propriamente como tal, mas como homenagem à Princesa Isabel, pela abolição da Escravatura, em 1888, por iniciativa da Câmara Municipal.
Naquele tempo, os municípios não tinham prefeituras. Eram governados só pelos vereadores. Fazia papel de prefeito o presidente da Câmara. Era, em 1888, alguém a quem o povo havia apelidado de "seu Rosca". Gente que conviveu com ele falava das suas dificuldades com a língua portuguesa.
A construção do monumento já estava andando, quando sobreveio a República em novembro de 1889 e o culto à Familía Real não era visto com bons olhos. A Princesa foi trocada pela República, com o barrete frígio, e as inscrições "Salve Isabel, Redentora dos Escravos", "13 de maio de 1888" mais a nominata dos vereadores foram substituídas por "Liberdade", "Igualdade", "Fraternidade" e "15 de Novembro de 1889".
No dia da inauguração (15 de novembro de 1890), a Praça encheu-se de gente. É fácil imaginar-se os cavalheiros de fraque e cartola, as senhoras com os largos chapéus emplumados e os longos vestidos que as escondiam do pescoço aos pés. A banda tocou alguns dobrados – em moda, com os militares no poder – e o seu Rosca tossiu um pigarro, antes de anunciar com eloqüência:
- Declaro inaugurada a "estauta".
Todos riram e alguém, do meio da multidão, gritou:
"Muito bem, seu Rosca!".
Seu Rosca não teve dúvida. Voltou-se na direção da voz e retrucou:
"Rosca é o @#% da mãe!".
Li esta história no "Bisturi", jornal humorístico daquela época, ao alcance de quem quem quiser consultá-lo na Biblioteca Riograndense. Pena que o repórter não contou o fim da festa. Não é difícil, porém, imaginar-se o caos que se seguiu.