terça-feira, 13 de outubro de 2009

Olhando para as estrelas – Jayme Copstein

Não se surpreendam com o título. É apenas a constatação de que existe vida para além do chiqueiro em que se transformou a política brasileira, de "a" a "z", ou para ser mais preciso, de Zé Sarney a Zé Dirceu. Então misturo coisas do mundo, do dia-a-dia e da história, porque é assim, com os pés plantados no chãozinho de cada dia, que a gente enxerga as estrelas.

Leio sobre o Nobel atribuído à norte-americana Elinor Ostrom, a primeira mulher a receber o prêmio na área da economia, e conto a vocês que sábado estive na festa dos 80 anos de vida da jornalista Lygia Nunes, a primeira mulher efetivada como redatora do Correio do Povo, nos idos de 1950.

Lygia estava linda como sempre, eu diria até mais que nunca, graças ao ingrediente hoje um tanto fora de moda, que as pessoas decidiram trocar pelo botox e pelo silicone: a felicidade de existir, de cultivar a família e os amigos, segundo uma maneira de ser que apaga a fronteira entre os dois. Ela não teve filhos, mas os sobrinhos, sobrinhos-netos e bisnetos lá estavam para desmentir o marechal Deodoro da Fonseca, proclamador da República, que gostava de citar um velho provérbio: a quem Deus não deu filhos, deu o diabo sobrinhos.

Veio à baila, a certa altura, o pioneirismo feminino nas redações dos jornais. Se Lygia foi a primeira jornalista profissional do Correio do Povo, Gilda Marinho a antecedera em muitos anos, ao ingressar em 1937 na Revista do Globo. Mas também não foi Gilda, como se tem dito, a primeira mulher a ser efetivada em uma redação de jornal. A primazia cabe a Revocata Heloísa de Mello, redatora-auxiliar do Diário de Pelotas, de 1882 a 1890. Antes, aos 18 anos, ela havia fundado e mantido, de 1878 a 1880,o semanário, "Violeta" que editava e escrevia em conjunto com a irmã Julieta de Mello Monteiro.

Hoje figura esquecida, Revocata protagonizou uma vida extraordinária, considerando-se a época em que viveu. Já em "Violeta", defendia a abolição da escravatura, idéias republicanas e direitos da mulher. Dois anos após ter deixado o Diário de Pelotas, ao retornar a Rio Grande, seguiu na mesma senda, fundando novo jornal, O Corymbo, que manteve durante 54 anos, até morrer, em 1944.

Eu já trabalhava na Gazeta da Tarde quando Revocata faleceu. Conhecia de vê-la em cerimônias cívicas e eventos culturais e me chamava a atenção o seu porte mignon e a pele muito branca, mas não a imaginava um figura importante a ponto de ser velada na sede da Loja Maçônica União Constante, oficiado seu funeral segundo o ritual da instituição, naquele tempo cerradamente masculina. Alguém que me falou na ocasião que, tendo presenciado acidentalmente trabalhos secretos da loja, a irmandade viu-se obrigada a iniciá-la.

Oswaldo Miller Barlém, do quadro social da União Constante, esclareceu que era mito. Contou-me mais de Revocata. Oradora portentosa, militante do Clube Gaspar da Silveira Martins que defendia o federalismo e o sistema parlamentar de governo, foi também fundadora do Clube Beneficente de Senhoras, com o apoio da Maçonaria Riograndina, tendo se destacou por décadas, em suas diretorias, várias das quais presidiu. Os relevantes serviços que aí prestou lhe valeram o título honroso de Benemérita da Maçonaria Riograndense, daí a derradeira homenagem da Irmandade.