segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Política e literatura – Jayme Copstein

Remexo em velhos papéis, um tanto para pôr em ordem o que merece ser posto em ordem, outro tanto para descartar coisas inúteis que ocupam espaço e impedem a reciclagem do papel onde foram escritas. De repente, defronto-me com uma entrevista de Érico Veríssimo – Um brasileiro tranqüilo – que colhi para a revista "Cláudia", em 1968.


 

Há alguns anos, falando com a professora Maria da Glória Bordini, que organizou o acervo de Èrico, ela me objetou faltarem ao texto as perguntas que o tinham originado. Durante algum tempo, cavoquei a memória para ver conseguiria catá-las tanto tempo depois. No fim convenci-me da impossibilidade da tarefa. Tudo o que me lembro é de ter chegado na casa da rua Felipe de Oliveira, começado a conversar enquanto Leonid Straliev o fotografa com a neta Fernanda.


 

Érico Veríssimo era de tal maneira fascinante que tornava impossível a tarefa de entrevistá-lo segundo a técnica comum, de perguntas e respostas. Conversamos o dia inteiro, como já disse, limitei-me a tomar notas. No fim do dia, perguntou-me se colhera material suficiente para a matéria. Duas semanas depois lhe apresentei-lhe a primeira versão, da qual excluiu algumas referências a episódios estritamente pessoais, que não via motivo para serem divulgados por nada acrescentarem a coisa alguma. Nada desabonatório a quem quer que fosse.


 

Jamais fiz outra entrevista como aquela. Pelas tantas, a conversa tomou o rumo do engajamento político na literatura. "Discute-se hoje se o escritor se o escritor deve ou não ser engajado". Não era uma perguntas. Ele me disse:


 

"Política é com políticos. A verdade é que detesto ser mandado e ao mesmo tempo não gosto de mandar. Tive há anos um bate-boca com um colega meu [Jorge Amado] por causa dos famosos "Congressos pela Paz" organizados pelos comunistas. Recusei participar da farsa e ele se zangou comigo. Ficamos uns tempos indiferentes. Anos mais tarde, ele me disse: 'Você tem razão. Sem liberdade, não é possível escrever.'


 

Não me peça para definir o termo liberdade. Há a liberdade política. A liberdade de palavra. A liberdade de acesso às fontes de informação. A liberdade econômica. A liberdade psicológica e outras, muitas outras mais. Mas, em geral, quando alguém pede uma definição do termo é porque esse pedinte é a favor da restrição da liberdade de expressão, quer justificar medidas repressivas... o que não é evidentemente o seu caso.


 

Quando peço liberdade para o jornalista, para o escritor, para o artista, estou pensando numa liberdade "com responsabilidade", sem o que a coisa toda não teria sentido. Concluo, com melancolia, que, à medida que a população do mundo cresce, tornando mais sérios os problemas de alimentação e habitação, além de outros, é possível que marchemos para um planejamento rígido e compulsório que porá em perigo o sistema democrático. Sou a favor dum planejamento sim, mas jamais de caráter totalitário. Porque haverá sempre o perigo de criar-se uma burocracia todo-poderosa, como aconteceu na Rússia Soviética, detentora do poder, algo muito mais sério e pernicioso que as classes sociais privilegiadas, tais como as conhecemos no nosso mundo. Seja como for, a produção e a distribuição de bens de consumo não podem continuar a ser feitas como são, sem planificação. O importante é descobrir um meio de evitar que os homens que manejam os computadores, as máquinas prodigiosas que a tecnologia nos está dando, se transformem numa elite ditatorial."