terça-feira, 12 de setembro de 2006

A tragédia de Abel - Jayme Copstein

O pior do linchamento de um assaltante, ocorrido ontem em Caxias do Sul, afora a tragédia em si, é a certeza de que todo o sistema político brasileiro acaba de ruir. O episódio de Caxias do Sul não é o único – apenas o primeiro de grande repercussão publica porque ocorrido em um dos principais centros urbanos desenvolvidos do país. Mas, sobretudo, é como o sintoma de uma doença grave que corrói em silêncio um organismo e finalmente explode, quando as resistências começam a sucumbir.
Quando se fala em sistema político, não significa a balbúrdia, a vulgaridade, o bate-boca destemperado, a marcar como única atividade partidária visível a olho nu, o em período eleitoral. Sistema político é uma coleção de valores que repousa na exigência de deveres cumpridos para usufruto de direitos. Algo assim como uma prática que se realimenta de si mesma: mais deveres cumpridos, mais direitos disponíveis, a exigir mais deveres e assim infinitamente..
O sistema político, na democracia, repousa em um tripé: o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. A eles cabem, através do exercício da autoridade pública, a exigência do cumprimento de todos os deveres e a administração e a defesa de todos os direitos. Mas, no Brasil, nos tempos mais recentes, o Governo e o Parlamento dedicam-se de tempo integral a uma roubalheira sem precedentes na história pátria. E o Judiciário se refugia em discussões bizantinas, como pretexto para olhar para o outro lado e lavar as mãos como Pilatos.
Em resumo, cada qual em seu pequeno castelo, responde como Caim a interrogação divina: “Acaso sou guarda do meu irmão?” E porque não o são, apesar de jurarem formalmente dedicar suas vidas a esse dever, renunciam à sua autoridade e a delegam a quem dela sentir dono.
Foi o que aconteceu em Caxias do Sul.

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