segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Agosto 24 – Jayme Copstein

Agosto esvai-se em seus últimos dias e deixa cada vez mais distante o mito de ser o mês das crises na política brasileira. Como se fossem apenas episódios periódicos sazonais e não um único confronto nascido ainda ao tempo de D. João III, entre donatários de capitanias, os já estabelecidos e os que querem se estabelecer. A tudo o povo tem assistido embasbacado, e não só na Proclamação da República, como registrou Aristides Lobo, sem nada a ver com calendários.

Foi assim em 24 de agosto de 1954, quando Getúlio Vargas se suicidou. Já ouvi e li muitas teorias a respeito, quando o mito, tido como verdadeiro, era objeto de "sérias" elucubrações universitárias, hoje banquete das traças nas bibliotecas. A tese mais confortadora ao materialismo histórico em versão cabocla – isso também existe – foi a que circulou ao tempo da renúncia de Jânio Quadros, de que agosto era o mês da comercialização da safra de café e a briga pelo financiamento do Banco do Brasil sacudia a República.

O café cedeu seu "status" de primogênito na economia brasileira e nem por isso perdeu-se o hábito de querer depor governantes. Claro, agora tudo dentro do figurino legal – a nossa moda mais recente – como aconteceu em 1991com Collor, e que se presta muito a chantagens políticas, das quais Lula, tal como antes Fernando Henrique Cardoso, foge como o vampiro diante da cruz e do dente de alho, partilhando o governo geral com inimigos de infância.

A todas essas, agosto fica na lembrança pelos esquecimentos. Ninguém mais fala que o Getúlio daqueles dias era uma figura solitária, seus adeptos mais próximos entontecidos no redemoinho do "mar de lama", ele enfrentando de peito aberto o canhoneio que juntava todos na mesma trincheira, da extrema esquerda à extrema direita. Carlos Lacerda não precisava justificar-se, ele queria mesmo o poder, mas Luiz Carlos Prestes alegava que era para não entregar o comando da crise aos lacaios do imperialismo norte-americano (leia-se Lacerda). No próprio dia 24 de agosto de 1954, a imprensa comunista pedia a deposição de Getúlio. No horas seguintes à da sua morte, o glorificava como mártir.

No meio de tanta indignidade, o único gesto digno, o suicídio, dissecado em um livro magistral do qual também não se fala mais e quase ninguém conhece: "Lições da crise", de Hermes Lima.

Lições, aliás, que parecem não ter servido para nada. Getúlio hoje é apenas bandeira, espólio, brasão ostentado pela mesma sede de poder que esteve na raiz da sua tragédia.

A propósito

Já naquele tempo – 1954 – Hermes Lima fazia o diagnóstico das mazelas da política brasileira, citando Oswaldo Trigueiro não só na Proclamação da República:

"Em teoria, o princípio [o voto] proporcional é, sem dúvida, mais justo que o do voto majoritário, pois assegura a todas as correntes mais ou menos ponderáveis de opinião representação correspondente aos votos obtidos. Na prática, contudo, o princípio proporcional conduz a resultados incompatíveis com a estabilidade da vida pública, estimulando desde logo a multiplicidade de partidos e a debilidade das minorias. (...) O candidato a mandato legislativo só precisa que o partido lhe dê o lugar na chapa, o que é fácil, quando há tantos partidos (...) Cada candidato tem, antes de tudo, de cuidar de si mesmo (...) O resultado é que os partidos, antes de enfrentarem os concorrentes no prélio das urnas, têm que sofrer a luta intestina de seus candidatos guerreando-se uns aos outros, num salve-se quem puder incompatível com a lealdade (...).

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