terça-feira, 10 de agosto de 2010

A justiça das mãos – Jayme Copstein

O drama vivido por Sakineh Mohammadi, a mulher iraniana condenada a morrer apedrejada pelos aiatolás, comove o mundo e particularmente camadas significativas da população brasileira. Pena que alguns segmentos pródigos em manifestações ruidosas quando se trata de casos como o do terrorista Cesare Battisti, assassino condenado pela Justiça italiana, não se manifestem agora em defesa daquela pobre mulher, vítima de uma sociedade que não conseguiu sair ainda da Idade Média.

É bom que o drama vivido por Sakineh tenha comovido parte significativa da sociedade brasileira. Mostra como evoluímos positivamente, aqui, no que diz respeito aos direitos humanos. Quem se der ao trabalho de percorrer jornais antigos vai se surpreender com as cenas de selvageria protagonizadas por cidadãos "indignados", decididos a fazer justiça pelas próprias mãos.

Tenho anotações de um caso, colhidas nos jornais de 1899, envolvendo um francês, José Pomaret, na cidade do Rio Grande. Em 16 de agosto daquele ano, uma menina de dois anos que brincava na calçada, na frente de casa. Foi levado por um desconhecido para as macegas que existiam no fim da Rua Francisco Marques. Só ao anoitecer, a garotinha reapareceu, com as vestes rasgadas, bastante machucada e com evidências de ter sofrido estupro.

O crime chocou a população, cujo clamor movimentou a Polícia. Já no dia seguinte, era preso José Pomaret, acusado da autoria. Nem isso acalmou a revolta popular. As pessoas começaram a lotar a Praça João Telles (hoje Xavier Ferreira), em frente ao Quartel da Guarda Municipal, onde o francês estava preso, exigindo que ele lhes fosse entregue para ser ali mesmo justiçado.

Às 8 da noite, a multidão decidiu invadir o Quartel. Houve arrombamento dos portões, tiroteio, e por fim Pomaret foi retirado da cela e trucidado pelos manifestantes ensandecidos. O espetáculo de selvageria completou-se com o cadáver arrastado pelas ruas da cidade, até ser queimado no mesmo lugar onde se dizia ter ocorrido o estupro.

O "Almanak do Rio Grande do Sul", de Alfredo Ferreira Rodrigues, na edição de 1902, traz relato a respeito do episódio e conclui com estas linhas: "É o primeiro exemplo que se dá no Rio Grande; mas esse foi tremendo e servirá de exemplo aos celerados que ousam afrontar a lei e a moral, em satisfação aos seus instintos bestiais."

Passados muitos anos, na década de 1940, um funcionário do antigo Banco da Província, Nelson Penna, me falou do caso e contou que, passado algum tempo, descobriu-se ser o francês inocente, tal como ele bradava enquanto teve fôlego para falar, antes de ser morto. Já não havia o que se pudesse fazer para consertar a "justiça" pelas próprias mãos.

Nelson Penna não testemunhou os acontecimentos de 1898. Era menino então e dele só ouviu falar pelos mais velhos. Referiu-se, porém, a um mito: a terra por onde o cadáver de Pomaret fora arrastado, tornara-se estéril, como sinal dos céus para perpetuar o remorso no coração da multidão que o martirizara.

Ao Mérito

Hoje, é dia de festa para mim e para todos os amigos e admiradores do advogado Nestor Fernando Hein. Logo mais, às 7 da noite, ele recebe a Medalha Oswaldo Vergara, com que a OAB-RS homenageia advogados com relevantes serviços prestados ao Direito e à entidade.

Nestor soma ao talento profissional a integridade de caráter. A visão maior da realidade brasileira o torna um interlocutor muito agradável. A homenagem da OAB é merecida por todos os títulos.

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