Velava-se ainda o corpo do ministro Carlos Alberto Menezes Direito, quando surgiu nos jornais a nominata de uma dezena de candidatos para preencher sua vaga no STF. De alguns se dizia mais, de outros se dizia menos, logo a Internet explodiu em maledicências, apontando o nome de alguém como reprovado duas vezes no concurso para juiz substituto de primeira instância.
Se tudo o que foi dito tem fundamento ou não, é o que menos importa. A sociedade brasileira perdeu qualquer referência de convivência civilizada. Não se respeitou nem a solenidade do momento nem a dor da família de Menezes Direito. A ninguém ocorreu que o processo de aceitação da morte de pessoa próxima é sempre difícil e só aos poucos aqueles que o amam conseguem realizar a sua partida. A voracidade com que arrivistas se jogam na disputa de sua vaga soa como profanação.
Não há de faltar quem atribua à imprensa a responsabilidade da deselegância. Com toda a certeza, um editor equilibrado não permitiria tal exercício adivinhatório de mau gosto, mesmo porque não passa de mera charlatanice. Ressalve-se, porém, que a imprensa não é nem a origem nem detém o monopólio da vulgaridade. Apenas reflete o mar imenso do descalabro, estendido até o próprio STF, onde, revela-se agora, navegam advogados militantes como funcionários administrativos, desmoralizando a legislação que proíbe o exercício da advocacia a "ocupantes de cargos ou funções vinculadas direta ou indiretamente" a qualquer órgão do Judiciário e aos "que exercem serviços notariais e de registro".
A Folha de São Paulo, onde a denúncia foi publicada originalmente, identificou quatro funcionários de gabinetes de ministros do STF nesta situação. Como é exigida, na posse do funcionário, declaração de que conhece as restrições do Estatuto, está caracteriza a falsidade ideológica e o exercício ilegal da profissão de advogado. Na teoria, multa e até cinco anos de cadeia.
Na pratica, bem, na prática também é exercício de profecia tecer qualquer consideração. No início da semana, a Corte julgou a violação do sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa. É um episódio grotesco, gerado na sem-cerimônia com que um ministro de Estado, Antônio Palocci, associado a lobistas, decide protagonizar um episódio vulgar, digno do Decameron. Flagrado na estroinice, para eximir-se da responsabilidade, usa o aparato do Estado contra um humilde caseiro que posara de Bocaccio caboclo para imortalizar os costumes deste República.
Como Palocci tem foro especial, o julgamento subiu ao STF apenas para decidir se a denúncia podia ser aceita e iniciar-se o respectivo processo. Três anos depois, nove ministros reconheceram que houve indício de crime, porém cinco deles, somente em relação a Jorge Mattoso, ex-presidente da Caixa Econômica Federal, que violou o sigilo bancário de Francenildo a pedido de Palocci.
Ele, Palocci, foi excluído do processo. Como disse Demétrio Magnoli, em artigo publicado no Estadão, "Uma frágil maioria, de cinco contra quatro juízes, alinhou o Judiciário com o paradigma do Executivo, expresso por Lula: no Brasil, o Estado distingue os "homens incomuns" dos "homens comuns".
A todas essas, o STF retirou do caseiro Francenildo Costa todas as referências que ele tinha sobre convivência civilizada e o condenou a desacreditar do Brasil..