domingo, 20 de setembro de 2009

A navio dos tolos – Jayme Copstein

Não era de se esperar tanto barulho com a indicação do advogado José Antônio Toffoli para preencher a vaga aberta no Supremo Tribunal Federal com a morte do ministro Carlos Alberto Direito.

Mentir e coçar é só começar, diz um velho provérbio, ao qual pode ser acrescentados todos os verbos dos vícios e dos pecados. O que temos diante dos olhos, agora, não passa de mais um repetitivo capítulo da falta de pudor deste país – e agora como nunca na sua história – onde mais nada deveria surpreender em matéria de ética.

Mas não foi assim quando Francisco Rezek deixou o STF para ser ministro de Relações Exteriores de Fernando Henrique Cardoso durante dois anos e depois retornou à Corte, nomeado pela segunda, como nunca tinha acontecido na história deste país?

Que importância tem um bacharel, reprovado duas vezes em concurso para juiz de primeira instância e cuja única aprovação, afora os arguições da faculdade, foi o exame da OAB para lhe permitir o exercício da advocacia? O presidente não vive dizendo, sob os aplausos de mais de 75% da população, que não se precisa de faculdade para governar o Brasil? Por que discriminar e exigir deste cidadão – ou de qualquer outro – que entenda do que vai fazer? Ora, o notório saber – que coisa fora de moda...

Contudo, o futuro ministro do STF, José Antônio Toffoli, foi condenado – faz dez dias agora – a devolver R$ 720 mil ao Tesouro do Amapá por vícios na licitação que lhe concedeu prestar serviços de advogado ao governo estadual.

Que importância tem isso, em um país onde José Sarney é presidente do Senado, Renan Calheiros manda no Congresso, Fernando Collor de Mello agride impunemente seus pares, o cassado José Dirceu manobra os bastidores do Planalto, os anões do Orçamento, os sanguessugas da máfia da Saúde, os mensaleiros e demais corruptos foram todos absolvidos – que importância tem a nomeação de José Antônio Toffoli para ministro do Supremo? Ora, a conduta ilibada – que coisa que nunca esteve em moda no Brasil...

Tudo isso conduz, pela semelhança com o Brasil de hoje, ao poema satírico do fim do século 15 – Das Narrenschiff” (“O navio dos tolos”), escrito pelo alemão Sebastian Brant, pouco depois da descoberta da América. Narra a viagem de 100 alienados em uma nau que busca o paraíso dos tolos. O poema é divertido, mas, fora de seus versos, a História mostra que ela jamais chegará a lugar algum. Seu verdadeiro destino é a tragédia.

Nossos tolos são bem mais de 100. Algumas dezenas de milhares instalaram-se nas cabines de primeira classe do Palácio do Planalto, do Congresso e do Judiciário, deixando ao relento, no tombadilho os milhões que trocam seus votos pelas promessas de paraíso. Uns e outros, entretanto, são passageiros de um barco que, a permanecer nesta rota, jamais chegará a lugar algum.

A propósito

Existem várias obras em muitos idiomas, inspiradas no poema de Sebastian Brant, entre elas o romance da Katherine Ann Porter, "The Ship of Fools", do qual foi extraído um filme com o mesmo nome. A primeira edição em português foi feita pela Livraria do Globo, com texto traduzido por Leonel Vallandro.

O título, porém – "A nau dos insensatos" – parece ter a marca de Érico Veríssimo. Seria interessante elucidar o pormenor. Foi caso de tradução melhor que o original. Por sua vez, tem inspirado vários escritores, muitos dos quais, com toda a certeza, nunca ouviram falar do poema de Brant.