Oscar Wilde, autor de frases antológicas, referindo-se à hipocrisia da sociedade inglesa do século 19, escreveu em "Lady Windermere" que a virtude das mulheres dependia de uma boa costureira e que se pode resistir a tudo, menos às tentações. Parece sob medida para a política latino-americana, onde todos se vestem de democratas, logo após enxotarem os ditadores de plantão, mas, logo adiante, não conseguem resistir a tentação de se perpetuar no poder.
Desde o fim dos regimes militares, no final dos anos 1980, entusiasmava e comovia o ardor com que se retomava o processo democrático no continente. Nenhuma das novas constituições, justamente para garantir a alternância no poder e afastar o fantasma do totalitarismo, permitia reeleições. Éramos todos democratas da cabeça aos pés, enrolados em nossas bandeiras, cantando hinos pátrios e bradando palavras de ordem. E, naturalmente, indenizados generosamente por nossas frustrações libertárias.
Nem 20 anos se passaram e já temos, na Argentina, 10 anos de Carlos Menem (1989-1999) e Casal Kirchner (1999 em diante); no Peru, de Alberto Fujimore (1990-2000); na Venezuela, de Hugo Chávez (1999 em diante); no Brasil, oito anos de Ferrnando Henrique Cardoso (1995-2002) e quase outro tanto de Luiz Inácio da Silva (2003 em diante).
Pois agora, quase um nada depois de terem deposto o presidente de Honduras, por desrespeito à Constituição e desacato à Suprema Corte, festejam a vitória de Álvaro Uribe, na Colômbia, obtendo de seu congresso, também contra dispositivos constitucionais, mais um mandato de quatro anos, ele que já está há oito no poder. Se comprou votos, como dizem os adversários, ou apenas garantiu a "governabilidade", como dizem os integrantes da "base aliada" de lá, pouco ou quase nada importa. O essencial é que Uribe, caso vença o referendo – 70% de probabilidades, correspondentes aos seus índices de popularidade – iguala-se a Hugo Cháves, ainda que faça praça de convicções políticas opostas.
Em resumo, a América Latina continua a mesma. Pouco importa que se lhe façam os mais belos vestidos jamais trajados na história de qualquer democracia. O problema são as tentações. Resistir quem há de? Dá até hino para a próxima "desdemocratização".
Irrevogáveis revogações
Se o senador Aloizio Mercante, conhecido por irrevogável firmeza na revogação do irrevogável, disse que a urgência pedida por Lula para os projetos do pré-sal não tem objetivos eleitoreiros, podem todos ter certeza que... tem. De certa forma, sua coleguinha e correligionária, senadora Ideli Salvatti, já começou a preparar a irrevogabilidade da revogação, admitindo que o Congresso não conseguirá votar os projetos do pré-sal antes da metade de 2010.
Ditos e achados
O economista Dagoberto Lima Godoy escreve, destacando o editorial de anteontem do jornal O Estado de São Paulo – o Palanque do Pré-sal, sobre os modelos que o presidente Lula quer impor à Nação sem debatê-los. Vale a pena ler. Apenas como amostra, este achado, bem no final da matéria: "No seu discurso, Lula falou que a 'dádiva de Deus' do pré-sal pode virar uma 'maldição', se não se souber administrar os seus proventos. Estatizar a economia num país em que a privatização do Estado avança a galope - basta ser namorado da neta do presidente do Senado para obter um emprego público - é tornar o risco da 'dádiva de Deus' virar maldição uma alta probabilidade."