Appio Martins de Souza escreve para contestar o que foi publicado nesta coluna (Duas semanas de agosto – 24,08), "atribuindo a Stalin um papel decisivo" no desencadeamento da II Guerra Mundial, ao firmar o pacto com Hitler, para poder abocanhar metade da Polônia. Ficou chocado porque nutre devoção à figura do ditador, e repisa a tese de que Stalin, na sua clarividência, adivinhava os planos de Hitler e apenas avançou preventivamente suas linhas de defesa até metade da Polônia.
Os fatos não confirmam a tese de Appio. Um dos primeiros estudos sobre a Segunda Guerra Mundial – "Ascensão e queda do III Reich" – de William Shirer, narra a surpresa e os esforços de Stalin, tentando contado diplomático com o Berlim, para interromper a invasão da URSS. Ordenou a seus generais um comportamento adequado, para mostrar aos alemães que tudo poderia ser resolvido através de entendimentos diplomáticos.
Ainda que Norman Davies, em "Europa na Guerra 1939 – 1945" (Editora Record) afirme que houve apenas rumores nesse sentido, mas não provas, Simon Seba-Montefiore em Stalin - A Corte Do Czar Vermelho
(Companhia das Letras)" relata cena interessante, transcrita por Davies em seu livro:
"O stalinismo girava em torno da ditadura pessoal e do culto à personalidade do Grande Líder, o Vodz. E o prestígio da liderança de Stalin atingiu o fundo do poço na última semana de junho de 1941. No dia 26, o general Vorochilov foi enviado ao front para localizar os comandantes. Ele encontrou os marechais Kulik e Chapochnikov e o general Pavlov sentados na chuva, em uma espécie de "acampamento cigano", totalmente inertes. No dia 28, Stalin e seu entourage foram pessoalmente ao Comissariado da Defesa exigir uma explicação. Seguiu-se uma discussão incendiária. Jukov perguntou acodidamente: 'Camarada Stalin, temos permissão para prosseguir com nosso trabalho?' Dizem que Jukov caiu em prantos. Molotov o consolou. No caminho de volta, Stalin disse: 'Tudo está perdido. Eu desisto. Lenin fundou o nosso Estado. E nós f....... com ele'. Stalin foi para sua dacha e sumiu de vista. Ele pode ter sofrido uma recaída ouuma crise nervosa, Mas também estava testando os nervos de seus camaradas,como Ivã, o Terríuvel, costumava fazer. Quando o Politburo por fim reuniu coragem para dirigir-se até Kuntsevo, e implorar-lhe que voltasse ao trabalho, ele achou que tinham ido para prendê-lo. Em vez disso, eles disseram: `Não há ninguém mais valioso que você`. E o regime stalinista voltou aos trilhos".
A cena é típica das ditaduras sanguinárias. Até Salazar, cuja estatura política é significativamente mais modesta que a de Hitler ou Stalin, infundia tal terror aos portugueses, que nunca tiveram coragem de lhe dizer que não governava mais, quando imobilizado pelo derrame que o matou, continuou dando ordens à Nação.