domingo, 31 de janeiro de 2010

Diana e os “alemães” – Jayme Copstein

A Princesa Diana arrependeu-se de ter "casado em uma família alemã". A surpreendente declaração lhe foi atribuída por Anthony Julius, seu advogado em duas questões rumorosas, obviamente uma delas o divórcio do Príncipe Charles. .

Diana conheceu Julius em 1994, quando o contratou para processar o "paparazzi" que secretamente a fotografara exercitando-se em uma academia de ginástica. A questão foi resolvida fora dos tribunais, no início de 1995. Satisfeita com o trabalho do advogado, no ano seguinte ela lhe pediu, apesar de não ser especializado em Direito de Família, que a representasse no processo que marcou o fim oficial de seu casamento com o Príncipe Charles.

A alusão depreciativa à "germanidade" da Família Real Inglesa pode sugerir aspectos obscuros da personalidade do Príncipe Philip, caturrão proverbial que tem entre seus antepassados o alemão Cristiano, Conde de Oldemburgo, origem de algumas casas reinantes europeias. A menção, porém, insere-se no contexto do livro de Julius sobre o antissemitismo inglês ("Trials of the Diaspora"), recém editado em Londres, porque, por ser o advogado de Diana no processo de divórcio, a sua condição de judeu, afora ser enfatizada por toda a imprensa britânicas, foi também objeto de grosserias de parte do jornal "The Daily Telegraph" (que depois se desculpou) e num panfleto neonazista, de Nick Griffin, líder do Partido Nacional Britânico.

Foi nesta ocasião que Diana solidarizou-se com Julius e lhe falou do arrependimento. De alguma forma, ela se identificava com os judeus pela hostilidade que sofria por parte da Família Real e da nobreza britânica. Julius atribui esta empatia não ao conhecimento maior que Diana tivesse sobre as vicissitudes judaicas, mas por ter ouvido falar que os homens judeus tratavam as mulheres com mais decência que aqueles com quem ela convivia.

Apesar da intenção de "The Trials of Diaspora" ser a de dissecar o antissemitismo inglês, Anthony Julius acabou resgatando uma Diana soterrada pelo terremoto dialético que tem idiotizado, com modelos politicamente corretos, a imprensa mundial desde os tempos da Guerra Fria. Segundo Paul Donovan, em matéria no Sunday Times de ontem, o livro a descreve como uma mulher frágil, despreparada para as exigências da sua classe social, interessada em tudo que estivesse fora do seu próprio mundo, com tendência a valorizar algo só porque não fizesse parte do seu mundo, e por isso mesmo vivendo no vazio, por não identificar a que mundo ela própria pertencia.

Diana se conduzia pela intuição e estava sempre aberta a novas experiências. Movida mais por uma curiosidade infantil que por ambições de grandeza, era obcecada pelo desejo de agradar a todos sem exceção, mas incapaz de detectar as intenções dos interlocutores. Por isso, sujeita a fantasias estranhas, foi vítima de erros grotescos em suas decisões, fossem grandes ou pequenos os dilemas que enfrentasse. Como diz Julius, conforme trechos transcritos por Paul Donovan no Sunday Times, "deu a impressão de viver em um estado geral de alienação, mas isso não a impediu de operar com sucesso em muitos ambientes diferentes."

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Carnaval e política – Jayme Copstein

Já que o carnaval se aproxima, volta a indagação: por que no Brasil o povo se interessa tanto pelo carnaval e tão pouco pela política?

A razão salta aos olhos tanto no texto dos livros de história como no noticiário dos jornais. Enquanto o Carnaval é o mesmo desde o século 19, quando o Brasil deixou de ser colônia e adquiriu o status de vice-reinado, as instituições políticas mudaram inúmeras vezes. Em resumo: apesar da informalidade, o Carnaval é algo muito sério, enquanto a política apesar do seus formalismos e dos discursos patriótico, não passa de desvairada orgia.

Algumas poucas comparações demonstram a diferença. O Carnaval é um delírio de três dias, com a mucama se transformando em rainha e o assaltante da esquina se travestindo de cowboy do faroeste. Na política, o ano inteiro os gatunos e os assassinos se fantasiam de gente honesta e de salvadores da pátria. De vez em quando, fazem sua quarta-feira de cinzas, que chamam de CPI, mas não vai além da quaresma dos holofotes. Logo, todos caem na gandaia porque a decência é pequena e a impunidade é grande neste Brasil brasileiro.

Lula no diapasão

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva não consegue fazer exceção à imprudência dos políticos brasileiros em relação à sua própria saúde. Justiça seja feita, a única exceção, nos últimos tempos, é o vice-presidente José Alencar, cuja luta contra o câncer comove à Nação.

Lula afina pelo diapasão de outros protagonistas da nossa vida pública, aferrados à ideia de que cuidar da saúde é admitir fragilidade incompatível com a força e a energia de um líder. De pouco adianta citar o exemplo de Franklin Delano Roosevelt, cuja saúde fragílima não impediu de ser um dos maiores presidentes da História dos Estados Unidos. Petrônio Portella, em 1980, morreu por recusar hospitalização em Florianópolis para tratar adequadamente o infarto que o acometera em um quarto de hotel. Também Tancredo Neves, já sentindo com razoável antecedência as dores do divertículo infectado, recusou a cirurgia que o salvaria para não adiar sua posse na Presidência da República, caminhando para o trágico desfecho que afora enlutar o Brasil, por pouco não nos devolveu à ditadura. .

Os exemplos são muitos. É público e notório que o presidente Lula, fora do período eleitoral, quando cuida da sua "imagem", não cultiva nenhum tipo de comedimento em relação à comida, à bebida, e a isso tem acrescentado a agenda saturada de atividades, 24 horas do dia, para tentar eleger Dilma Roussef e preparar o retorno em 2014. A crise de hipertensão que o acometeu no Recife é uma advertência. É bom que ele a leve na conta e acate as recomendações de seus médicos para não sacrificar o futuro com que tanto sonha.

Ditos e achados

Andrés Lama, político uruguaio, sobre os caudilhos que já infestavam a América Latina em 1851: "Os homens de nossos campos não são mais que pedaços de carne destinados a manter esses abutres que chamamos caudilhos.Para eles não há regra nem proteção nas leis; a toda hora podem ser arrancados de sua casa e levados a viver essa vida 'montonera', verdadeira escola de vandalagem, verdadeira vida nômade. É assim que se é aclamado, é assim que se chega à presidência da República, ou à ditadura, ao poder de fato. A América Espanhola desonrou-se conferindo os títulos à suprema magistratura pela voz do motim ou nos campos da guerra civil. O crime que nas sociedades regulares leva à forca, na América Espanhola leva à presidência. É forçoso acabar com isso."

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Tempos de antanho – Jayme Copstein

Nestes tempos de debate sobre o casamento de gays, vale retroceder a uma notícia curiosa, publicada pelo jornal "A Época", em outubro de 1891, e reproduzida por Alfredo Ferreira Rodrigues no seu "Almanak Litterario e Estatistico do |Rio Grande do Sul, edição de 1894:

O leitor não deve tomar por pilhéria esta notícia que é o que de mais verdadeiro possa haver. Pessoa muito respeitável, chegada no Mercedes e residente em Canguçu, informa-nos que em dias deste mês celebrou-se ali um casamento civil entre dois homens, sendo que o que representava a noiva estava vestido de mulher.

Fez-se a competente habilitação pelo cartório do juizde casamentos, correram as proclama, e os nubentes assim preparados foram à presença do juiz de paz com grande e festivo acompanhamento. O juiz de paz nenhuma desconfiança teve e celebrou o casamento. A noiva portou-se irrepreensível; não lhe faltou a imprescindível pudicícia, o choro e a ternura ao se deixar abraças pelas senhoras.

Não ficou somente aqui o caso: finda a cerimônia, houve grande bródio (= banquete) nupcial e só mais tarde, chegadas as cousas a certo ponto e depois de se beber muito vinho é que o caso fez explosão. Repetimos: o caso é verdadeiro.

Não se sabe o que aconteceu depois porque o jornal não contou em que consistiu a "explosão". Considerando-se, porém, o espírito da época, é de se imaginar a festa terminando na delegacia, como em Porto Alegre, em 1946, quando casamento semelhante foi interrompido pela polícia em um velho pardieiro da Rua da Praia. Aqui, os protagonistas foram logo soltos porque a "noiva" era filho de autoridade da própria polícia.

Em nenhum dos dois casos esteve em debate o direito da união entre gays, como acontece hoje. Fatos assim mereciam publicação pelo inusitado, como se vê no mesmo "Almanak" de 1894, transcrevendo notícia de casamento de "avó" com neto, publicada por "A Reforma", em 25 de novembro também de 1891, enviada pelo leitor Ignacio Capistrano Cardoso:

No 4º Distrito de Soledade, consorciaram-se Vidal Francisco da Silveira com sua avó e madrinha adotiva Eufrásia Borges da Silveira, senhora a quem Vidal com muita razão respeitava, tendo-se criado até aos 20 ano, idade que tem, reconhecendo-a como sua legítima avó e madrinha, pedindo-lhe sempre e respeitosamente sua bênção, visto como, desde muito tempo, era madrasta de seu pai Cândido Francisco da Silveira, ficando desta forma o filho padrasto de seu pai.e tios. A esposa passa a ser madrasta e nora do enteado e pai de seu marido, que é seu sogro; este, enteado do filho, porque casou com sua madrasta, viúva de seu pai Joaquim Francisco da Silveira, que faleceu em dias de março deste ano [1891]. A viúva, atirada assim a este vale de lágrimas, esperou o tempo de sete meses para maritar-se, o que fez efetivamente no dia 31 de outubro.

O informante de "A Reforma" não cuidou de revelar a idade da noiva, mas o mexerico sobre a sua pressa de se casar de novo sugere que não fosse muito mais velha que o noivo. Naquela época, era comum o casamento de homens idosos até com meninas mal entradas na puberdade. As mulheres, de maneira geral, não escolhiam os maridos – eram-lhes impostos pelo pai, levadas em conta conveniências que nada tinham a ver com sentimento.

Não fica fora de propósito que tivesse assim se tornado a segunda esposa de Joaquim Francisco e, ficando viúva, já dona de seu nariz, Eufrásia tivesse escolhido alguém jovem como ela para "maritar-se" outra vez. Apesar de tornar o noivo avô de si mesmo...

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Comício sem fim – Jayme Copstein

Ontem de manhã, conversando com jornalistas, José Antônio Fernandes Martins, presidente da Associação do Aço do Rio Grande do Sul, mostrou-se otimista diante das previsões de 5 a 6% de crescimento da economia brasileira em 2010. Se elas se confirmarem, o consumo de aço no Rio Grande do Sul deverá superar o recorde de 2008 – um milhão e quatrocentos mil toneladas.

Oxalá seja assim. O aço é espelho fiel da economia. Reflete com a precisão que exige para ser produzido e também com a dureza de sua têmpera, os números da realidade, sem permitir maquiagens.

Os efeitos da crise mundial do fim de 2008 na economia brasileira, estiveram longe do que o Presidente Lula pretendeu ser uma "marolinha". O aço acusou o golpe, com o setor amargando o encolhimento de 26,93% das vendas no ano passado. O crescimento da demanda, de 23,87%, registrado em outubro, novembro e dezembro, em consequência dos estímulos do governo à indústria automobilística e à construção civil, não foi suficiente para recuperar a queda de 43,81%, 38,10% e 34,11% nos 1º, 2º e 3º trimestres, respectivamente.

Uma das dificuldades do setor – aliás, de todo a nossa indústria – tem a ver com a valorização do real diante do dólar, por diminuir a competitividade de seus preços no mercado internacional. Mas, se o dólar está desvalorizado em todo o mundo, como a China e a Ucrânia podem oferecer o mesmo aço a preços 30% menores que os nossos? Algum prodígio? Não, apenas diferença de cargas tributárias: meros 18% nos dois países, 38% no Brasil.

As coisas não são tão simples, portanto, como aparentam, e esse foi o tema da conversa que José Antônio Fernandes Martins manteve com a imprensa. Vieram à tona, também, outros fatores que emperram a nossa atividade econômica, como, por exemplo, a falta de uma política de transportes. Comparativamente, os custos da produção agrícola norte-americana são maiores do que a brasileira, mas a redução do valor dos fretes, graças à oferta e integração de hidrovias e ferrovias, faz com que chegue ao mercado em igualdade de condições, senão em condições mais vantajosas.

Este exemplo já é suficiente para evidênciar o grande problema do país: falta de planejamento e consequente ausência de políticas públicas que abram caminho para os dias melhores que tanto almejamos. Que o Brasil tem potencial para tornar-se uma das nações mais ricas do planeta, está completamente fora de dúvida.

O que ele não tem, são governantes competentes e idôneos. Aliás, nunca teve. Desde priscas eras, revezam-se na administração pública políticos com projetos de perpetuação no poder, que a isso se dedicam de corpo e alma, em tempo integral, sem outro planejamento que não seja o de ganhar as próximas eleições. Daí porque vivemos em um comício sem fim.

Dilma e Chávez

A Sociedade Interamericana de Imprensa, a Organização dos Estados Americanos, Repórteres Sem Fronteiras, o Governo da França e o Governo dos Estados Unidos criticaram ontem Hugo Chaves pela suspensão da RCTV, emissora de tevê a cabo que criticava o regime. A nossa ministra Dilma Roussef justificou Chávez: "Não cabe a mim criticar ou não. Se ele [Chávez] faz isso, é em função da problemática dele. O governo Lula jamais pensou em controlar a mídia".

O presidente Lula já declarou que assinou sem ler o decreto do 3º Plano Nacional de Direitos Humanos, que pretende restabelecer a censura no Brasil. Será que a ministra, por cujo gabinete o decreto transitou, também o encaminhou sem saber do que se tratava?

Que estranho...

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Os chips de Mr. Bruce – Jayme Copstein

Mr. Bruce Bueno de Mesquita, professor de Política da Universidade de Nova York, faz prognósticos com base em sofisticado programa de computador. Fica difícil de entender por que os jornais o comparam a Nostradamus. É preciso separar prognósticos e previsões das profecias, dos vaticínios e das adivinhações.

Não há nada no labor de Mesquita a sugerir consultas à posição dos astros, à disposição das cartas ou aos fantasmas que habitam a antimatéria. É matemática pura, segundo um algoritmo desenvolvido a partir da teoria dos jogos que já deu vários Prêmios Nobel de Economia a seus experts.

Mesquita não ganhou nenhum Nobel. Escreveu um livro, "The Predictioneer's Game" (O Jogo do Prognosticador), lançado com promoção publicitária que não vai bater os recordes de "As profecias de São Malaquias", mas arrecadará direitos autorais mais compensadores que o dinheiro pago aos detentores do próprio Nobel. Não é sucesso difícil de enxergar para um manual prático da arte da previsão. E vejam como é bom o algoritmo de Mesquita, pois as reportagens nos jornais do Centro do País sobre as suas certeiras previsões encomendadas pela CIA (60 a 90% de acertos) já permitem adiantar que tradução do livro será lançada em breve no Brasil.

O que vai acontecer com o livro é difícil de prever. Prognósticos não podem ser politicamente corretos se pretenderem a equidistância e a imparcialidade. Em entrevista à Folha de São Paulo ontem, Mesquita opinou que Dilma Roussef não é a "vencedora mais provável" das eleições presidenciais, e uma predição desta ordem pode lhe valer dissabores. Ele trabalha, raciocinando que o "populismo nacionalista" da ministra em certas questões tende a marginalizá-la por ser muito custoso e pôr em risco o crescimento da economia. "Os eleitores perceberão isso, e ela cairá nas pesquisas. Pessoalmente, acho que isso será bom para o Brasil. O vencedor não será tão nacionalista e contra investimentos estrangeiros como ela tem se mostrado", ressalvando em seguida que esta é "minha visão pouco informada e ligeira sobre o Brasil".

Provavelmente, a previsão de Mesquita seja menos predição e mais advertência, levando-se em conta que o Brasil tem sua economia financiada pelos investimentos externos e qualquer posição menos clara a esse respeito pode significar o desastre. A comprovação está lá atrás, em 2002, quando Luiz Inácio Lula da Silva, que as pesquisas já indicavam como o vencedor da eleição presidencial, para estancar a sangria que ameaçava falir o País precisou acalmar os investidores estrangeiros, assustados com o "populismo nacionalista" apregoado por ele e seus correligionários desde longa data.

Nem se precisa recuar tanto no tempo. Basta olhar para o exemplo de Hugo Chaves, cujos delírios políticos estão levando a Venezuela ao caos e é forte candidato a um confortável exílio na França, particularmente generosa com ditadores depostos em países do Terceiro Mundo.

O que tira, porém, a certeza de todas essas análises são fatores que o italiano Alfonso Asturaro batizou de psicossociais no início do século 20, mas já simplificados bem antes por Maquiavel, como "emoção". Se vale para os povos frios do Hemisfério Norte, que dirá para as multidões passionais dos trópicos? Sei não, mas basta uma vitória da seleção na Copa da África do Sul para queimar os chips do computador em que o algoritmo de Mr. Mesquita é processado.

domingo, 24 de janeiro de 2010

Haiti e Israel – Jayme Copstein

Em 2008, o portal eletrônico de um grande jornal brasileiro, em notícia sobre explosão havida em Gaza, trazia este título: "Culpar Israel". Poucas horas depois, o "cochilo" foi corrigido. Agora, em toda a mídia, ocorre o contrário: absoluta ausência de notícias sobre a ajuda israelense ao povo haitiano. Gerson Guelmann, de Curitiba, abordou a escamoteação em texto que pode ser lido integralmente em www.jaymecopstein.com.br, e aqui é reproduzido com pequenos cortes que não lhe prejudicam o sentido, para caber no espaço:

"Muitos países e líderes mundiais costumam acusar Israel de dar resposta desproporcional às agressões do Hezbollah no Líbano e do Hamas em Gaza. Mas as agências noticiosas que repercutem as notícias quando Israel é atacado, agora não mencionam a "resposta desproporcional" ao sofrimento humano.
O terremoto do Haiti gerou respostas de diversas nações. Os EUA prometeram U$ 100 milhões e enviaram suprimentos e pessoal; a Grã Bretanha mandou 64 bombeiros e 8 voluntários com a promessa de U$ 10 milhões. A França, de laços históricos com o Haiti, também enviou tropas de busca e resgate. A China, com uma população de 1.325.639.982 pessoas, mandou 50 homens especializados em resgate. Muitas nações ricas enviaram dinheiro. As 25 nações que compõe a Liga Árabe não enviaram praticamente nada, se for considerado seu potencial financeiro. Israel, nação de 7,5 milhões de pessoas, enviou 220 pessoas que incluem equipes médicas, e instalou o maior hospital de campo do Haiti, tratando de 500 pessoas por dia. Também mandou uma equipe experiente de busca e resgate, testada em terremotos como em Gujarat na India, na Turquia, e nos bombardeios do Kenya. (...) Dois Jumbos 747 desceram em Porto Príncipe menos de 48 horas após o terremoto e o hospital de campanha estava em condições operacionais oito horas após o desembarque!

(...) Logo após o novo terremoto, os serviços médicos de emergência de Israel atenderam a duas crianças resgatadas por uma equipe de bombeiros de NY. As vítimas, um menino de 8 e uma menina de 12 anos, são parte dos 383 pacientes tratados até agora, muitos deles crianças. Foram realizadas perto de 140 cirurgias. Sete crianças nasceram no hospital. Um cidadão libanês também foi atendido.

O Ministério de Relações Exteriores de Israel está enviando uma equipe de policiais para ajudar as forças de segurança da ONU. Ao mesmo tempo um grupo da organização "Magen David Adom" de medicina de emergência e resgate juntou-se à Cruz Vermelha que já está atuando em Porto Príncipe, em um hospital de campanha montado no campus da Universidade. Além de auxiliar no atendimento médico, a equipe da MDA proporcionará apoio psicológico e social às vítimas. O chefe da equipe disse: "Mesmo horas de treinamentos e exercícios não preparam nenhuma pessoa para a impressionante escala da destruição que estamos testemunhando e nem nos permite enfrentar o sentimento de impotência quando nos deparamos com as expectativas da população local".

Às vezes parece que a finalidade favorita da ONU é criticar Israel. Foram aprovadas mais resoluções condenando Israel do que todas as nações ditas "democráticas" tais como Sudão, China, Rússia e outras, por incontáveis crimes contra suas minorias. Realmente, é chegada a hora de o mundo saber a respeito da "resposta desproporcional" de Israel".

 
 

  

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

A ressaca do álcool – Jayme Copstein

O site eletrônico da revista Exame publica queixas dos barões da cana-de-açúcar. Eles atribuem à bagunça nacional os preços extorsivos impostos ao consumidor. O diretor de uma usina de São Paulo diz que os usineiros, os distribuidores e o governo precisam sentar para planejar em longo prazo e evitar a escassez da entressafra. Mas avisa: o preço não baixa de 90 centavos a um real por litro.

Ora quando se fala em bagunça nacional, os primeiros vilões a surgir no palco são os barões do álcool e do açúcar. Só nos últimos 30 anos, há toda uma história de escândalos, sonegação de impostos, fraudes, calotes, empréstimos subsidiados, trabalho escravo e agressões ao meio ambiente.

Desde a criação do Proálcool, na década de 1970, os assaltos dos barões sucroalcooleiros ao Banco do Brasil foram de tal ordem que, em 1995, a diretoria teve de esconder o respectivo calote para melhorar o balanço. Um dos casos mais rumorosos foi o pagamento pelo mesmo Banco do Brasil, em 1991, de US$ 86 milhões, como avalista da dívida contraída em 1985 pela Cooperativa Regional dos Produtores de Açúcar de Alagoas com um pool de bancos estrangeiros. No mesmo ano de 1991, o então governador alagoano Collor isentou os produtores do Norte e do Nordeste do pagamento do IPI, Foi também o único segmento privado contemplado com aumento de preço (46,7%).

Outro caso famoso foi a "Conexão Amazonas", envolvendo usineiros da Região Sudeste. Fiscais da Receita e a Polícia Federal descobriram que sonegavam impostos, ICMS e IPI, emitindo notas fiscais frias de venda de açúcar para empresas fantasmas instaladas na Zona Franca de Manaus, onde esses dois tributos não são cobrados.

O Rio Grande do Sul foi e continua sendo vítima dos barões alcooleiros. Eles moveram campanha insidiosa para proibir a adição de MTBE, produzido em Triunfo e que trazia aos cofres gaúchos mais de um milhão de reais por mês de ICMs. Ao ser obrigado a trocar por álcool, o Rio Grande do Sul não só deixou de arrecadar esse mais de um milhão de reais, mas ainda teve de desembolsar outros 15 milhões, também mensais, para pagar o ICMs de São Paulo, de onde o álcool é importado.

Não se apressem em apontar na cotação do álcool, bem no final do primeiro parágrafo ("preço não baixa de 90 centavos a um real por litro") ou uma ou outra inexatidão deste texto. Foi escrito em 10 de janeiro de 2006, quando, pela milésima vez, mais uma vez o preço do combustível tinha ido às alturas. Resumia, então, a vasta "folha corrida" do setor, a partir dos anos 1970. Fui buscá-lo nos arquivos, ao ler em O Sul que o governo pensa em importar álcool dos Estados Unidos, a 480 dólares o metro cúbico, porque desonrando mais uma vez seus compromissos com a Nação, os barões destinaram quase toda a cana para a produção de açúcar, fazendo o preço do nosso álcool subir para 790 dólares o metro cúbico, quase o dobro do produto norte-americano.

Em resumo: no Brasil, colunista só precisa de arquivo. A esterqueira não muda. Basta mudar o nome das moscas e, eventualmente, atualizar um número ou outro. Aliás, que belos tempos aqueles em que a um real o litro, o preço do álcool combustível parecia extorsão.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Além do cipó – Jayme Copstein

Quando um homem é contemporâneo da vida e não apenas uma relíquia do passado? A indagação me veio à mente, ontem, no Plaza São Rafael, participando de café da manhã oferecido pelo empresário Paulo Vellinho à imprensa, para conversar sobre a atualidade brasileira e também falar de seu mais recente entusiasmo: um rotor que aproveita a tecnologia da levitação magnética, a mesma que faz aquele trem japonês andar a 450 Km/hora, suspenso sobre os trilhos.

Vellinho, ao longo dos anos, fez nome como empresário, líder de classe e executivo, graças à visão de que, além do horizonte, está o infinito. O novo rotor o remete de volta à área da refrigeração, onde iniciou a carreira nos idos de 1950, com a Springer-Admiral, cujos modelos de refrigeradores, aparelhos de ar condicionado e televisores se notabilizaram pela robutez e durabilidade. Apresentou o rotor magnético, invenção de um dinamarquês, como a revolução que vai remeter aos museus os motores tradicionais.

O novo rotor elimina o desgaste produzido pelo atrito entre as peças e dispensa a lubrificação, o recurso até agora disponível para atenuá-lo. Nós, leigos, de maneira geral, não nos damos muito conta que apenas pequena parte da energia despendida é utilizada para mover um motor. A maior parte é desperdiçada para vencer o atrito. Segundo Vellinho, o novo rotor reduz em 70 por cento o consumo de energia.

A conversa não se limitou ao rotor magnético. Uma das manchetes de O Sul, ontem, sobre o "Relatório Educação Para Todos", da Unesco, mostrava que em matéria de educação, o Brasil fica atrás do Paraguai e da Bolívia, países consideravelmente mais pobres e que destinam verbas significativamente menores. Ora, se gastamos mais e obtemos menos, gastamos mal.

Há várias abordagens do problema, mas na origem o que parece sobressair-se é uma certa cegueira, miopia que impede a visão do infinito além do horizonte. Se quem descobriu a utilidade do cipó e com ela ficou satisfeito, deixou para outro a invenção e os royalties da escada.e, sucessivamente, da rampa, do elevador e da escada rolante.

A tecnologia da levitação magnética está nos jornais há mais de 10 anos. E também, há mais de cinco anos, a Assembleia Legislativa gaúcha aprova emenda no orçamento, destinando 200 mil reais a estudos de "viabilidade" da implantação do trem bala para as praias do Litoral Norte. Não sei 200 mil reais seriam suficientes para um de nossos inventores desenvolver algo como esse rotor magnético, mas mesmo que fracassassem, seriam dinheiro mais bem empregado. Porque, confortáveis no alto do cipó, sonhando com o trem bala, logo estaremos pagando royalties para ter o rotor em nossos refrigeradores, automóveis, aparelhos de ar condicionado, enfim, onde houver um motor.

E claro, gastando mal na educação.

O escritor e a política

De George Orwell, em 1948: "Em nossa época, o escritor sério não pode ignorar a política, tal como faria no século 19. Os eventos políticos afetam-no intimamente, e ele tem plena consciência do fato de que seus pensamentos aparentemente individuais são um produto de seu ambiente social. Ele, por isso, procura, como muitos escritores dos últimos 20 anos fizeram, interferir diretamente na política, apenas para descobrir que entrou em um mundo no qual a honestidade intelectual é considerada um crime. Caso siga a linha partidária, ele destruirá a si mesmo como escritor, caso se recuse a fazê-lo, será denunciado como um renegado".

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Pena de morte – Jayme Copstein

Com o recrudescimento da violência nas ruas de Porto Alegre, lê-se manifestações em favor da pena de morte, expressadas em cartas aos jornais e comentários na Internet.

É um tema que jamais sai de foco em um país como o Brasil onde o Poder Público demitiu-se de suas obrigações. O debate deveria centralizar-se neste aberração, porque é no vácuo da impunidade programada para livrar os grandes gatunos do Erário, que se move toda o exército de delinquentes que inferniza o dia-a-dia da população.

Mas, não. Basta uma manchete de jornal e recomeça o bate-boca, com argumentos que alinham desde sentimentos humanitários até interpretações erráticas das estatísticas de criminalidade. O que traz a pena de morte para o centro do debate é sempre a crueldade dos crimes contra a vida. Se ela, uma violência em si, contribui ou não para aumentar ou diminuir a violência, é uma discussão sem fim,    em que qualquer ponto de vista pode ser defendido.

Há, porém, um argumento sólido e irrespondível: o erro judicial. Se, de alguma maneira. é reparável em qualquer outra circunstância, é irreversível na pena de morte. Não há forma de se compensar a vítima.

É absolutamente irracional justificar-se que alguns inocentes são o preço a pagar para livrar a sociedade dos seus piores criminosos. A contabilidade é uma ciência só aplicável aos parafusos de um robô, não aos enigmas dos seres humanos.

Ademais, neste país dinheirista em que vivemos, há muito tempo foi revogado o aforismo de que todos são inocentes até prova em contrário. Prevalece a certeza de que todos são culpados até que um bom advogado, e bem pago, diga que não.

Erro Judicial

A própria afirmação de que o erro judicial é de alguma maneira reparável, sem a pena de morte, não leva em conta de que os dias cumpridos na prisão não pode mais ser restaurados na vida de o sofreu. O exemplo mais contundente, registrado pelos anais da justiça mundial, é o de norte-americano Tom Mooney, condenado a prisão perpétua em 1916, como autor de um ato de terrorismo.

Havia uma manifestação popular nas ruas de São Francisco em favor da entrada dos Estados Unidos na Primeira Guerra Mundial ao lado da França e da Inglaterra. A Polícia temia a reação dos pacifistas que tinham ameaçado acabar com a manifestação a força. Efetivamente, uma bomba explodiu no meio da multidão e estraçalhou dez pessoas.

A Polícia acusou Tom Mooney, porque, além de conhecido agitador político, seu álibi era muito fraco. Sem testemunhas, alegava estar em um prédio das cercanias, mas bem distante de onde a bomba explodira.

A falta de provas não impediu que Mooney fosse condenado à prisão perpétua. Contra ele havia o clamor público. Escapou da pena de morte porque ninguém o vira lançando a bomba.

A única pessoa que acreditou no álibi de Mooney foi sua mulher. Nos 22 anos seguintes, ele se dedicou inteiramente a procurar provas que o inocentassem. Um dia, lembrou-se de examinar os jornais da época do crime. Em um deles, havia uma foto, mostrando claramente Tom Mooney na janela em que ele alegava estar. Revisado o processo, ele foi libertado e enriqueceu com os direitos autorais de suas memórias.

Mas a história não teve o final feliz dos filmes de Hollywood. O casal se divorciou. À imprensa, a mulher disse que, ao sair da prisão, Mooney não era mais o mesmo homem com quem se casara. A sentença de divórcio lhe destinou uma pensão para lá de confortável, mas não lhe devolveu os melhores anos de sua vida, devotados a provar a inocência do ex-marido.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

O general e o poeta – Jayme Copstein

Mário Quintana dizia que poemas eram feitos apenas para serem poemas e não para serem entendidos. Falava em nome de todos os que garimpam as almas das pessoas e as apresentam umas às outras, pois nem sempre as pessoas sabem de si mesmas: "Qualquer idéia que te agrade / Por isso mesmo...é tua. / O autor nada mais fez que vestir a verdade./ Que dentro em ti se acha inteiramente nua..." – ele escreveu em "Sapato Florido".

A definição de poema de Mario Quintana me veio à lembrança depois de conversar com um amigo, Jaguaribe Meyer, sobre o texto de Fernando Pessoa, do qual é sempre citado verso que não é verso e não é dele: "Navegar é preciso, viver não é preciso".

Jaguaribe me trouxe a interpretação de alguém que vê neste "preciso" não a necessidade, mas a exatidão. O que não deixa de ser verdade. Navegar é um cálculo preciso dentro de uma rota pré-determinada, viver é puro imprevisto.

Tenho cá as minhas dúvidas, entretanto, de que Fernando Pessoa tenha querido dizer isso. Originalmente, como assinala o professor Claudio Moreno (http://198.106.73.59/01/01_navegar.htm), ele não escreveu a frase como verso, mas a inseriu como citação em nota encontrada entre seus inéditos, grafada como texto corrido: "Navegadores antigos tinham uma frase gloriosa: navegar é preciso, viver não é preciso. Quero para mim o espírito d'esta frase, transformada a forma para a casar com o que eu sou: viver não é necessário; o que é necessário é criar. Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso. Só quero torná-la grande, ainda que para isso tenha de ser o meu corpo e a (minha alma) a lenha desse fogo. Só quero torná-la de toda a humanidade; ainda que para isso tenha de a perder como minha".


 

Não há mais como perguntar a Fernando Pessoa o que ele quis dizer. O poeta inglês Robert Browning, quando lhe pediram explicação para um de seus versos, respondeu: "Quando escrevi, só Deus e eu sabíamos. Agora, só Deus."

Buscada no original, na biografia do general romano Pompeu, em "Vidas Ilustres", de Plutarco, a frase não vem sozinha. É seguida por: "Necesse est ut eam, not ut vivam" – "Que eu avance é preciso, que eu viva não é preciso".

Portanto, o que Fernando Pessoa quis dizer com a frase é o mesmo que o general Pompeu, quando incitava seus soldados a carregar os navios de trigo e enfrentar o mar tempestuoso para salvar Roma da fome.

Com a diferença: a mesma frase na voz de um general é uma palavra de ordem. Na de um poeta, é um verso. Navegar é preciso. A vida e a poesia, não. Se fossem, estaríamos todos mortos.

Não há como saber de Fernando Pessoa o que ele quis dizer.O poeta inglês Robert Browning, quando lhe pediram explicação para um de seus versos, respondeu: "Quando escrevi, só Deus e eu sabíamos. Agora, só Deus."

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Da ignorância à safadeza – Jayme Copstein

Conversava-se domingo à tarde em uma roda de café, onde havia médicos que receitam e pacientes que tomam os medicamentos receitados, com a particularidade de que entre os pacientes nenhum o era de qualquer dos médicos presentes. Apenas amigos. Ou amigos de amigos em encontro ocasional, quando sem nada para fazer, as pessoas conseguem viver em paz.

Ao contrário do habitual, porém, mesmo porque não havia nenhum chato na roda, a conversa não recaiu sobre doenças, mas não se pôde fugir dos remédios. Nada, sobre o que é bom pra isso ou melhor pra aquilo. Ambos, médicos e pacientes, ao menos os daquela roda, tinham em comum queixas contra a indústria farmacêutica, que se destaca, nos últimos anos, por um triste papel em todos os países do mundo.

Houve referências ao best-seller "O jardineiro fiel" e à indignação provocada pelo livro de John Le Carré, denunciando os grandes laboratórios farmacêuticos internacionais pela experimentação de novas drogas em cobaias humanas nos países pobres da África. A prática, ao que se sabe, continua, ampliada para América Latina, Europa Oriental, Ásia, mediante o recrutamento de doentes desesperados pela dolorosa combinação de doença com falta de dinheiro.

Mas do que ambos, médicos e pacientes daquela roda falavam, era de remédios que desaparecem das prateleiras das farmácias. Quando voltam , têm outro nome e preço consideravelmente aumentado.

Profissional que trabalhou em pesquisa de moléculas medicamentosas na indústria farmacêutica dos Estados Unidos, certa vez me explicou que é subterfúgio dos grandes laboratórios para fraudar a caducidade de suas patentes. Acrescentam à formula uma molécula absolutamente inócua, batizam a "nova" droga com outro nome e descartam a "antiga" através de uma campanha publicitária sutil, incluindo notícias "científicas" que os jornais, sequiosos por novidades, publicam sem desconfiar do papel de instrumentos a que são reduzidos.

Resulta que médicos, com frequência, têm de refazer suas receitas porque os pacientes não encontram o medicamento prescrito – não é mais "fabricado" – e os pacientes são tungados, pagando verdadeiro resgate para ter acesso ao "novo".

Algumas vezes, porém, sucede o contrário, quando alguma patente ainda está em vigor e uma descoberta realmente valiosa a tira do mercado. Aconteceu no início da década de 1980, quando Robin Warren e Barry Marshall conseguiram provar o papel da bactéria Helicobacter pylori na origem das temíveis úlceras de estômago, que com facilidade evoluía para tumores malignos. A história da sabotagem de que foram vítimas por parte da indústria farmacêutica foi contada pelo jornal Th New York Times em 2005, quando ganharam o Nobel de Fisiologia por sua descoberta. .

A resistência da indústria farmacêutica em aceitar a descoberta válida, devia-se ao faturando dos bilhões de dólares auferidos com substâncias como a cimetidina, o conhecido Tagamet dos ulcerosos daquele tempo. A tese de Warren e Marshall foi tachada de ridícula, sob o argumento aparentemente racional de que o corrosivo ácido gástrico digeria também os germes que acaso se arriscassem a penetrar o estômago.

É a mesma linha de raciocínio que levou cientistas à fogueira na Idade Média. Se a Terra era redonda, como os rios não se entornavam em cima das pessoas? A diferença é que, naquela época, a ignorância ditava o fanatismo.
No caso do Helicobacter pylori, a ganância impôs a safadeza.


 

domingo, 17 de janeiro de 2010

Os confrontos de outubro – Jayme Copstein

Pois vem agora o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, depois de decretar "sem ler", o Programa Nacional de Direito Humanos (PNDH), dizer que os opositores estão botando chifre em cabeça de cavalo. "Não há porque ninguém ter medo da gente apurar a verdade da história do Brasil. Você pode fazer da forma tranquila e pacífica que estamos fazendo. Não se trata de caça às bruxas", declarou à TV Mirante, do Maranhão..

Ou o Presidente continua sem ler o PNDH ou está tentando esconder o chifre do rinoceronte que tentaram impingir à Nação, disfarçado de cavalo. Em parte, ele tem razão: a verdade pode ser apurada de forma tranquila e pacífica. Onde ele a perde é escamoteando da opinião pública que não o faz por que não quer. Sequer tem necessidade de decreto. Basta uma simples portaria de poucas linhas para liberar o acesso a todos – porém, a todos – os documentos referentes à ditadura militar. A não ser que, segundo a sua ótica, para esconder certas coisas, os direitos humanos devam ser classificados em politicamente corretos e politicamente incorretos, como ocorreu na entrega servil e vexatória dos dois boxeadores cubanos, sem nenhuma pendência com a Justiça, aos quais foi negado o asilo defendido encarniçadamente para Cesare Battisti, condenado por vários homicídios em julgamento regular na Itália.

Seja o que o Governo e seus aloprados têm em mente, o bolivaresco PNDH será obrigatoriamente o debate central da próxima campanha eleitoral. Mauro Chaves, em recente artigo no jornal O Estado de Estado, refere-se aos dois grupos que se opuseram à ditadura militar, agindo de acordo com suas concepções de democracia.

De um lado, pelo restabelecimento da democracia, sem recorrer à luta armada, usando da arma poderosa que é a palavra, o próprio Luiz Inácio Lula da Silva, Fernando Gasparian, dom Paulo Evaristo Arns, Chico Buarque e outros mais, entre eles, José Serra e José Fogaça.

Do outro, recorrendo à violência, com o intuito claro de substituir uma ditadura de direita por outra de esquerda, Carlos Marighella, Carlos Lamarca, José Dirceu, Franklin Martins e outros mais, entre eles Dilma Roussef e Tarso Genro.

São os confrontos de outubro. A decisão caberá ao eleitor.

Ditos e achados

Demétrio Magnoli, em "Direitos humanos recicláveis", (O Estado de S.Paulo, ontem): "A perseguição à imprensa independente, nas ditaduras e nos regimes de caudilho, adquire a forma da proteção de direitos sociais contra o "poder midiático". A introdução de plataformas ideológicas no sistema educacional é envernizada com a cera dos direitos culturais. O mesmo pretexto propicia um discurso legitimador para a implantação de políticas de preferências étnicas ou religiosas no acesso aos serviços públicos, ao ensino superior e ao mercado de trabalho".

Gaúcho também chora

João de Almeida Neto, nome consagrado da música regional gaúcha, está no Teatro do CIEE (Dom Pedro II, 861), a partir de amanhã, 9 da noite,
com
espetáculo de choros e sambas "Gaúcho também chora", mostrando que seu talento não se limita apenas às fronteiras do pago. Boêmio da melhor estirpe, não há dentro da música popular território onde João de Almeida Neto não incursione com tranquilidade seu talento de intérprete e compositor. No repertório, Lupicínio Rodrigues, Telmo de Lima Freitas, Pixinguinha, Mário Barbará, Aldir Blanc, Carlos Gardel, Le Pera, Paulo Cezar Pinheiro, João Nogueira, Herivelto Martins.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

A receita da vida – Jayme Copstein

O jornal "O Sul" publicou ontem reportagem de Ethevaldo Siqueira sobre a Feira de Las Vegas, onde a tecnologia mostra suas mais recentes novidades e profetiza as inimagináveis façanhas do amanhã. Ethevaldo faz balanço do que aconteceu nos últimos 40 anos, recuando a 1970, quando o homem não tinha computador pessoal, TV digital, DVD, celular, internet e tomografia computadorizada, e traz a interrogação dos jovens de hoje: "Como era viver nesse mundo?"

Não vou repetir o desgastado "éramos felizes e não sabíamos" porque é apenas meia verdade. O que nunca soubemos é ser felizes, pois felizes seríamos sempre se pensássemos como J. Batista de Oliveira, sonhando com o mundo que os primeiros trens prometiam trazer ao Rio Grande do Sul.

Não sei quem foi J. Batista de Oliveira. Ao contrário dos jovens que não conseguem imaginar o passado recente, eu o vejo como alguém perscrutando o futuro remoto, e me comovo com o que escreveu em 1893, mais de 10 anos antes de Santos Dumont conseguir voar com seu 14 Bis:

"Galopa o corcel de ferro campo fora, transpondo as maiores distâncias com vertiginosa rapidez. E lá vai ele, de terra em terra, levando a todas o progresso, e a todas a civilização. O que dantes era um ermo, está hoje um povoado; as aldeias, como por encanto, fizeram-se cidades; os campos, outrora incultos, ostentam formosas searas, prometedora recompensa do trabalho assíduo; e até nos próprios desertos, onde a influência do homem não pôde modificar ainda a natureza, ele passa veloz e silvando, como a dizer que em breve há de a civilização chegar ali também".

O trem de J. Batista Oliveira era a avó da Maria Fumaça. Sua "vertiginosa rapidez" não passava dos 40 quilômetros por hora, a metade da velocidade desenvolvida pelas primeiras locomotivas elétricas que então começavam a trafegar na Europa. Visto a esta distância, mais de cem anos decorridos, alguém pode até achar patético e ridículo o seu deslumbramento, mas não se deve perder de vista a resposta do físico Michael Faraday ao primeiro-ministro britânico Benjamin Disraeli, quando ele lhe perguntou para que servia a eletricidade, então apenas mera curiosidade de laboratório: "Para que serve uma criança, senhor primeiro-ministro?"

Quem não consegue entender o passado, não terá o amanhã como herança. A criança é pai do homem porque o ontem é a semente do futuro, adubada com o sonho. É a receita da vida. Sem a capacidade de sonhar, resta apenas a amargura do "éramos felizes e não sabíamos".

Nas estrebarias de Augeas

Contribuições a quem se dispuser a escrever a Antologia da Impunidade no Brasil: a) o gatuno FAA foi preso em novembro pela oitava vez em dois anos. Estava com comparsas, carregando o acervo de uma academia de ginástica que acabara de arrombar. Pelos sete delitos anteriores – furto e receptação, afora outros arrombamentos – o máximo que o retiveram na cadeia foi quatro meses. Em outras palavras: quando não está preso, FAA está delinquindo; b) TS bateu um recorde: preso em flagrante na metade de setembro de 2009, em outubro foi flagrado outra vez comentendo o mesmo crime: arrombamento de residência. Na folha corrida ostenta, como currículo, mais dois arrombamentos, dois furtos e três assaltos.

Para os policiais militares, que não fazem outra coisa senão prender os criminosos que a Justiça solta, é como limpar as lendárias estrebarias do rei Augeas, cujos cavalos bateram todos os recordes na produção de esterco. Só Hércules para resolver.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

A história da OAB – Jayme Copstein

Faz alguns dias a OAB gaúcha zangou-se com a opinião de um professor que atribuía aos advogados a responsabilidade pelo caos jurídico onde o país se atolou. É evidente que o professor tomou a parte pelo todo – se a legislação libertina não permitisse todos os descabimentos, a carruagem andaria sobre as rodas e seria bem mais fácil separar quem é quem de que não é muito "quem".

Todavia, folheando o "Almanak Literário e Estatístico do Rio Grande do Sul, editado por Alfredo Ferreira Rodrigues em 1895, quando a legislação ainda não tinha sofrido os acréscimos que a transformaram no cipoal de hoje, já se falava da esperteza dos nossos bacharéis.

Foi o caso de certo advogado, "homem de juízo e talento", conforme a notícia, que disputava com um capitão o amor de uma donzela. Quarenta anos depois, Noel Rosa retratou estas disputas antigas em "Quando o samba acabou" (1933), contando a história de dois malandros que também disputavam o amor de uma cabrocha, mas resolveram a diferença civilizadamente, versejando numa roda de samba. "E como em toda façanha/ Sempre um perde e outro ganha - canta Noel – "Um dos dois parou de versejar/ E perdendo a doce amada/ Foi fumar na encruzilhada/ Passando horas em meditação".

Mas em 1893, o samba ainda não tinha sido inventado e o capitão da nossa historinha, pensando em intimidar o advogado, o desafiou para um duelo. Ou batia-se com ele, ou renunciava à donzela. O bacharel não se intimidou. Aceitou o desafio na hora. No dia combinado, apresentou-se com os padrinhos e duas pistolas já carregadas – lhe cabia escolher as armas, como desafiado. Propôs ao rival: "Concedo-lhe a primazia de atirar primeiro". E o alertou que o sobrevivente deveria guardar absoluto segredo, para não ser acusado de homicídio. O militar aceitou a deferência – era homem de pontaria precisa, não tinha por que recusar a vantagem. Mas, para não duvidarem da sua valentia, não perguntou que história era aquela de ser acusado de homicídio. Caminhou os dez passos, voltou-se e atirou no bacharel que estava com a pistola na mão abaixada e com quem ambos queriam casar.tombou com o tiro certeiro. No momento seguinte, deu-se conta de que: atirara em um homem que não estava lhe apontando a arma. Temendo pelas consequências, tratou de ir embora para longe, onde não pudesse ser localizado. Passado algum tempo, o "defunto" casou-se com a donzela. Tinha carregado a pistola com bala de festim e fingira-se de morto para afugentar o rival.

Se a história é verdadeira, não dá para saber. Fica a certeza, porém: se desde 1893 a OAB ou seus antecessores se zangassem com cada comentário sobre espertezas de advogados, a entidade teria uma história bem mais comprida, porém não tão rica nem com tantos e relevantes serviços à sociedade, como a que ostenta hoje.

Otimismo na borracha

No jantar anual do Sindicato das Indústrias de Artefatos de Borracha do Rio Grande do Sul, o presidente Geraldo Pinto Rodrigues da Fonseca – um gentleman – expôs as dificuldades impostas ao setor em 2009 pela crise mundial, felizmente superadas nos últimos meses do ano com o valor das exportações suplantando o do mesmo período correspondente em 2008. As perspectivas para 2010 são excelentes. As previsões moderadas sugerem 17% de crescimento nas exportações, criação de mais 5,9% de postos de trabalho, e arrecadação do ICMS subindo em 12%.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Além da demência – Jayme Copstein

Apesar de ser emérito prestidigitador, criando ilusões sobre o que lhe convém e fazendo desaparecer o que o incomoda, desta vez, em relação ao Programa Nacional dos Direitos Humanos, o presidente Lula não poderá alegar que a turma dos aloprados entornou o caldo. Foi o seu secretário nacional de Direitos Humanos, Paulo Vanucchi, o autor do texto, e foi pelas lentes supostamente atentas e minuciosas de sua herdeira presuntiva, a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Roussef, que a coleção de demências passou incólume.

Alguém, em nome do Presidente – Lula nada disse a respeito – alega que ele assinou o decreto sem ler. Já era por demais conhecida a sua ojeriza por livros e jornais, tanto assim que se vangloria de falta de intimidade com os primeiros e cultiva particular obsessão de controlar e censurar os últimos. Mas como justificar a irresponsabilidade de quem acende o estopim de uma bomba, alegando não ter percebido que tinha o fósforo em uma das mãos e o pavio na outra?

O nó de toda a questão não é apenas a parte referente à revogação da anistia, absolutamente inócua e sem nenhum efeito prático por já terem prescrito os crimes que remeteu ao esquecimento quando foi decidida com a concordâncias das partes envolvidas. É mero engodo para dissimular a subordinação aos chamados "conselhos populares" da liberdade de expressão, da atividade econômica, do direito de propriedade, do Legislativo e do Judiciário. Na prática, é a extinção do estado de direito e do regime democrático, substituindo-os por uma destas tiranias, cujos pecados não foram mais leves do que esses que pretendem perpetuar.

A tática foi utilizada com êxito por Hugo Chávez na Venezuela e redundou em retumbante fiasco quando tentada por Zelaya em Honduras, com o apoio descarado dos que agora querem impingi-la ao povo brasileiro. É bom que o eleitor se alerte. Tem quem, espertamente, se faça de louco para passar melhor.

Ditos e achados

Sabiam que "Saci Pererê tem uma perna só, é negro, mas tem sempre os pés descalços"? Esta sensacional descoberta é de um candidato aos vestibulares deste ano, só suplantada pelo coleguinha que afirma peremptório: "Os negros não-oriundos do Brasil acabaram se aderindo a literatura". Vai ver que é por isso que "Emília (...) seria apenas a boneca da personagem se não fosse pelo fato de seu autor dá-la vida", conforme um terceiro sábio às portas da universidade.

Enfim, como nos ensina ainda outro vestibulando, "Impossível seria viver obsoleto a apenas uma escolha". Ao que um coleguinha acrescenta: "A pessoa, todo o dia, apenas revezaria seu estado de espírito". Não se desiludam, pois ainda houve quem nos legasse o sábio exemplo: "A esperança ajudou muito o que me fez acreditar mais em si próprio"    .

Mural

Ralph J. Hofmann escreve: "A combinação endêmicos/epidêmicos (coluna de 12/01), lembra um erro em prova de escola há uns 40 anos: "Os romanos conquistaram as regiões em torno do Mediterrâneo e o chamaram de Nostradamus".

James Dressler, sobre "Duas tragédias e uma certeza": "Discordo do fato de só rico escapa da lei. Pobre também. Pode matar um, detonar outro, causar danos irreparáveis... Depois diz que é pobre e não pode indenizar... E fica por isso mesmo. Para a cadeia não vai também. Se for, fica aí dois, três anos e tá livre, se não for convertido para "trabalhos comunitários" ou outra bobagem parecida".

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Utopias de bar – Jayme Copstein

Na polêmica em andamento sobre impunidade no Brasil, escapa o essencial: a receptividade devota – há quem fale de servilismo intelectual – a especulações utópicas sobre o mundo perfeito, com que pensadores e fraudadores intelectuais preenchem a recesso imposto pelo duro inverno do Hemisfério Norte.

Como sempre, os laboratórios de teste, tal como ocorre com medicamentos "experimentais", são a África e a América Latina pela generosa oferta de cobaias humanas. Há quem atribua nomes pomposos a essas utopias devotas – direito alternativo, por exemplo – que mais parecem geradas em mesa de bar do que em templos, na fase do "zomozzz todozzz zirmãoszz". Podem ser sintetizadas em uma cantoria religiosa, profetizando que, no Dia do Senhor, lobo e cordeiro estarão na mesma mesa.

Deus não foi muito explícito a respeito, mas tudo indica que o lobo e o cordeiro quando comparecem ao mesmo banquete, um está confortavelmente sentado, com os talheres em punho e o guardanapo no pescoço, o outro – adivinhem quem – deitado em uma bandeja, ornado de ervas, batatas. Não será com sermões de bom-mocismo que se evitará o hábito do lobo de devorar ovelhinhas. O máximo que se vai conseguir é ele se disfarçar de cordeiro para continuar o banquete. Não é que o está acontecendo no Brasil?

Um motorista de táxi me contou – soube em suas andanças pela cidade – que um cidadão se apresentou à Polícia para confessar um assassinato ainda não esclarecido e ser preso. O delegado o identificou, tomou-lhe o depoimento, conferiu todos os pormenores da confissão com os dados de registro da ocorrência, para certificar-se de que não se tratava de algum maluco em transe, e liberou o cidadão, para responder o inquérito e o processo em liberdade.

O "queixoso" protestou com veemência. Como ia ser libertado, se era um assassino, confessara sem coação, tinha direito a ser preso. O delegado respondeu que não podia fazer nada. Profissão certa, endereço conhecido, apresentação voluntária, a lei não permitia que o prendesse.

O "queixoso" fez então um apelo patético: "Doutor, pelo amor de Deus, me prenda. Os amigos do cara que eu matei andam atrás de mim para se vingar. Se o senhor não me puser na cadeia, eles me matam!".

O doutor delegado lamentou muito, mas nada podia fazer. Lei é lei. Tem que ser cumprida. Ou como diriam nossos antigos foliões: dura lex, sed lex, no cabelo só Gumex.

A propósito

Frase de um candidato, colhida nos vestibulares ainda em andamento nas universidades (transcrição "ipsis litteris"): "A tempos já se havia necessidade de medidas que não somente sorrateiras quanto a cultura alcoólica brasileira."

Com toda a certeza, tese assim tão poderosa credencia o candidato ao curso de Direito. Mas há fortes suspeitas de que outro concorrente estivesse tentando "colar" de sua prova. Escreveu: "Imajine que esta pessoa passe no vestibular e imprevisivelmente sua família lhe dá um carro."

Nem se precisa imaginar: se houver atropelamento, paga duas cestas básicas para aprender que neste país tem lei.

Feliz é um terceiro vestibulando – Filosofia, na certa – que sentenciou: "Sinto-me feliz quando vou ao banheiro e tomo banho, porque tenho certeza que sairá água do chuveiro."

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Fim do mundo, segundo Nostradamus – Jayme Copstein

Fosse em outro tempo, quando ainda subsistia a rivalidade entre as cidades de Pelotas e Rio Grande, no Rio Grande do Sul, eu diria que é desfeita de "sebeiro" a tentativa de transformar um "papa-areia" como eu em especialista em fim-do-mundo. Os pelotenses daquela época nunca se conformaram com o fato de que habitávamos onde o mundo começa, mas é coisa do passado: dos leitores que me confrontam com as profecias de Nostradamus, o Grande Vivo, para me provar que estou errado e em sério risco diante da iminência da Catástrofe Derradeira – nenhum deles é Pelotas.

Que siga o barco, mas com prévio aviso: última vez. O assunto já está para lá de chato. Carlos Jorge me manda uma "centúria" de Nostradamus, profetizando que este velho mundo sem porteira exalará seu último suspiro, "Quando Jorge crucificar Deus,/ Marcos o ressuscitar / e São João o levar / o fim do mundo chegará."

Traduzindo: quando a Sexta-Feira da Paixão cair no dia de São Jorge (23 de abril), a Ressurreição de Jesus, a Páscoa Cristã, for comemorada no dia de São Marcos (25 de abril) e Corpus Christi celebrar-se no dia de São João (24 de junho), babaus, minha gente, lá se foi o que a Marta fiou, como se dizia bem antigamente, quando esses mitos nasceram.

Carlos Jorge conta que caprichou nos cálculos e constatou que vai acontecer em 2011, não em 2012, como andam espalhando por aí. Pena que ele também tenha se equivocado, pois a Páscoa do ano que vem não cai em 25 de abril, mas na véspera, 24. Logo, São Jorge fica absolvido da crucificação, São João vai chegar atrasado em um dia para o Corpus Christi e o mundo não vai terminar.

O equívoco de Carlos Jorge explica-se porque o cálculo do calendário eclesiástico do Cristianismo não é tão simples como alguns endereços da Internet querem fazer crer. Resultam incorreções como a afirmação de que o Domingo da Ressurreição pode cair entre 21 de março e 24 de abril. Sobra um dia na ponta menor, falta um dia na ponta maior: é entre 22 de março e 25 de abril. Ambas são raras. O próprio Nostradamus, em vida, só teve uma ocasião de presenciar a Páscoa cristã no dia 25 de abril – em 1546. É provável que tivesse em mente, quando começou a escrever as Centúrias em 1547 (só as publicou em 1555) que a coincidência só voltaria a se repetir em 1666, cuja combinação de algarismos sugere enigmas e assombrações.

A data se repetiu em 1745, 1886 e 1943. Provavelmente a origem do mito, inventado ou apenas aproveitado por Nostradamus, esteja no início tardio das comemorações de Corpus Christi. Definidas em 1264, pelo Papa Urbano IV, só depois do Concílio de Viena (1311) é que se universalizaram, A primeira coincidência – Ressurreição no dia de São Marcos, Corpus Christi no dia de São João – só aconteceu em 1451.

Como se vê, desde Nostradamus, o mundo teve cinco oportunidades de dizer "adeus, morro por falta do amor dos homens", mas não o fez. Se realmente pretender encerrar suas atividades, vai ter de esperar até 2038, quando de novo a Páscoa ocorrerá em 25 de abril.

Ditos e achados

Pérola colhida em prova de recente de vestibular a uma universidade federal: "A India por exemplo adoram vacas, as quais estão em grande número e acabam matando animais endemicos." Pois é. No Brasil é diferente: adoramos os jumentos que são animais epidêmicos.

domingo, 10 de janeiro de 2010

Duas tragédias e uma certeza – Jayme Copstein

Dois casos da semana passada explicam porque nos tornamos o país da impunidade e o Judiciário entrou em um beco sem saída, perdido em sofismas, graças à hipocrisia ampla, geral e irrestrita da sociedade brasileira.

O primeiro sequer despertou grande indignação, ao contrário de quando algum personagem de projeção social ou financeira (ambas se equivalem) protagoniza o papel de vítima, sem que alguém que lhe corresponda em poder tenha sido o algoz. É o caso daquele jovem pobre de Caxias do Sul, assassinado por dois jovens pobres, logo após ter retirado de um terminal bancário os 500 reais com que pagaria a continuação de seus estudos.

A notícia entrou e desapareceu dos jornais em alta velocidade. Contudo, perdurou tempo suficiente para informar que, enquanto a vítima desde idade mais tenra, quis trabalhar e estudar para se encaminhar na vida, seus assassinos tinham antecedentes criminais, mas nem por isso estavam presos. A lei é assim. Contudo, por que o jovem que escolheu o caminho do bem foi por isso mesmo foi assassinado, enquanto seus também jovens matadores por terem escolhido a trilha do mal, tinham liberdade para matá-lo, a lei no seu coitadismo hipócrita não explica. Se o fizesse, seus mentores teriam de admitir que foi arquitetada para assegurar impunidade a quem possa pagar advogados habilidosos e custear as despesas dos mil e um subterfúgios apelidados de "recursos" no direito brasileiro.

É desta garantia de impunidade que decorre o segundo caso, e não se pense no caso do jornalista Pimenta das Neves, que há dez anos assassinou Sandra Gomide, há quatro foi condenado a 19 anos, 2 meses e 12 dias pelo Tribunal do Júri, e continua em liberdade. O segundo episódio envolve o político Ronaldo Cunha Lima que, em 1993, quando era governador da Paraíba, tentou assassinar seu antecessor Tarcísio de Miranda Burity, desferindo-lhe um tiro no queixo, em uma confeitaria de João Pessoa. Não há nenhuma dúvida sobre a autoria e a torpeza do crime.

Passados já 17 anos, porém, ele ainda não pôde ser julgado porque o processo arrastou-se no Supremo Tribunal Federal até 2007, quando. Cunha Lima, já então deputado federal, após ter sido senador, renunciou ao mandato para perder o foro privilegiado e remeter o processo à Justiça comum. Passaram-se mais dois anos. Em 2009, o juiz do 1º Tribunal do Júri de João Pessoa mandou-o a julgamento, porém seus defensores recorreram e na quinta-feira passada, o Tribunal de Justiça da Paraíba anulou a sentença de pronúncia, pela "linguagem excessiva", seja o que isso signifique, porque "    poderia influenciar a decisão dos jurados".

Simplificando: começa tudo de novo. Se até nova sentença de pronúncia e julgamento, Cunha Lima eleger-se deputado federal, volta o processo ao STF, e vaivém seguirá até a prescrição. O caso sairá dos jornais para dar lugar a outro absurdo porque não nada no direito penal brasileiro que não favoreça o criminoso.

Ditos e achados

Carlos Brickmann, escrevendo sobre o recente Plano de Direitos Humanos do Governo Federal, cujo texto final saiu do Gabinete Civil de Dilma Rousseff e criou problemas com militares, com um aliado do presidente Lula, o ministro da Defesa, Nelson Jobim e a Igreja Católica: "Nada disso prenuncia coisa boa. Parece buscar-se no confronto aquilo que não se espera obter nas urnas. É um filme que já vimos. E nós morremos no fim". (texto integral em www.brickamnn.com.br ou www.jaymecopstein.com.br ).

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

O tempo do livro – Jayme Copstein

Se houvesse um cataclismo, um fenômeno cósmico qualquer que exterminasse de um só golpe as abelhas e os homens, mas preservasse, por qualquer milagre, os ovos e os embriões; e, depois de um milhão de anos, também por um milagre, fossem criadas as condições para que esses ovos e esses embriões germinassem e evoluíssem até indivíduos adultos, no mesmo momento as abelhas reconstituiriam as colmeias e retomariam a vida, como se nada tivesse acontecido, porque sua herança é meramente genética.

Os homens, não. Para reconstruir a civilização, o milagre teria de incluir o livro, o escrínio onde ele guarda o conhecimento adquirido ao longo dos milênios, porque a sua herança é cultural. Este pensamento me veio à cabeça nos feriadões de fim de ano, passados na praia, sem jornal, rádio, tevê e internet. Tinha comigo, de propósito, porque ando nauseado da mesmice que nos servem diariamente, apenas alguns exemplares do "Almanak Litterario e Estatistico da Província do Rio Grande do Sul", de Alfredo Ferreira Rodrigues, e o "Annuario da Provincia do Rio Grande do Sul", de Graziano A. de Azambuja, editados entre o fim do século 19 e o início do século 20.

Tenho uma coleção incompleta das duas publicações, catada ao longo de decênios por meu irmão, o historiador Raphael Copstein, que foi buscá-las nos sebos e onde mais pudessem estar disponíveis, seja porque seus possuidores as tinham em duplicata seja porque não lhes votavam maior interesse.

Pois folheando os velhos volumes, vejo que Virgilio Pinto adquiriu o "Almanak" no próprio ano do lançamento – 1889 – e sublinhou, na página 95, em artigo de Albino Moreira de Souza, "O indiferentismo", escrito no Recife, Pernambuco, em 24 de março de 1888, a frase: "Não! O irracional pode ver, ouvir e assistir com indiferença a todas as manifestações do espírito humano; o homem não, ainda que o queira."

O artigo e a anotação me trouxeram à lembrança algo que li de Clarence Day: "O mundo dos livros é a criação mais notável do homem. Nenhuma outra coisa que ele constrói dura para sempre. Os monumentos caem; as nações perecem; as civilizações envelhecem e morrem; e, depois de uma era de obscuridade, novas raças constroem outras. Mas no mundo dos livros existem obras que viram isso acontecer inúmeras vezes e ainda vivem sempre jovens, sempre novas como no dia em que foram escritas, sempre contando ao coração dos homens o que existia no coração de homens que morreram há séculos".

Não consegui identificar Virgílio Pinto nem Albino Moreira de Souza, mas pude saber o que pensavam há mais de 120 anos. Clartence Day me induz a acrescentar que, quando leio um livro, é como se tivesse me adonado do tempo e pudesse manejá-lo a meu bel-prazer. Se é livro é antigo, estarei participando dos acontecimentos e convivendo com alguém que viveu em passado remoto, inatingível sob qualquer outra forma. Se é atual, quem me dirá que não estará falando um dia a outro homem e em outro cenário de um futuro remoto, que jamais estaria a meu alcance por qualquer outro modo, se não fosse pelo testemunho da única voz que falará por mim e por meus contemporâneos naquele tempo – o livro?

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Coisas... – Jayme Copstein

Falou em fim de mundo (Mundo Louco", coluna de 05.01), as pessoas ficam alvoroçadas. Algumas se zangam, outras se alarmam. Ariel me diagnostica uma hipertensão porque acha que ando "comendo sal demais em festinhas de aniversário" e me deixa sem saber se ficou irritado por eu achar que o mundo não vai acabar tão cedo ou pelo protesto da minha neta contra o "homo retratandicus", a nova espécie de bípede implume (obrigado, Platão) que de câmera digital em punho dedica-se a perturbar a alegria da criançada nas festas infantis.

Não entendi bem se Ariel pretende salvar o planeta ou apenas a sua própria alma, pois ele não esclareceu. Para me convencer, indicou as provas eloquentes, acabadas, irrefutáveis e retratadas no You Tube que, como todos sabemos, é o repositório irrevogável da inteligência e da cultura universal. A propósito: não sofro de hipertensão e informo isso para que ele deixe de se preocupar com a minha saúde e se dedique de corpo e alma à sua relevante missão.

Já dona Cora Raquel é mais apocalíptica. Ela me adverte: "Fique brincando com as coisas sérias e depois não se queixe". Ela me fala que, quando o "Grande Lingam unir-se à Grande Yoni",    o mundo termina segundo profecia dos Vedas, os livros sagrados dos hindus.

A primeira vez que ouvi isso foi em Rio Grande, na década de 1950, na pregação de um profeta de calamidades, que tentava acabar com o consumo de bebidas alcoólicas na Dalila, a confeitaria onde as moças e os rapazes da cidade se juntavam para trocar olhares (naquele tempo era só assim).

Foi meu primeiro contato com a Teoria Geral das Coisas, tão do agrado do senador Aloísio Mercadante. O tal profeta me explicou que o "lingam" era "aquela coisa" e a "Yoni", "aquela outra coisa"    , e esta conversa sempre me vem à mente quando recebo pela Internet receitas miraculosas para aumentar um e estreitar a outra.

Sei não, mas acho que dona Cora Raquel não tem muitos motivos para se preocupar. Desde aquele obscuro episódio da maçã do Eden, protagonizados por Adão, Eva & Cobra, o Lingam e a Yoni unem-se com assiduidade e o mundo não acabou. Pelo contrário, disso só resultou, com a ajuda da Medicina, nos mais de 6 bilhões de habitantes do planeta.

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Cleber Palone comenta "De FHC a Lula": "Gostaria de lembrar que fui um dos afortunados que leu tuas referências a Roubini. Absolutamente não quero (nem posso) aproximar-me da competência dele, mas desejo apenas entabular uma pequena comparação: se Roubini previu o "estouro da bolha imobiliária americana que mergulhou o mundo na crise" (sic) não seria o caso de acreditarmos que a advertência "sobre a nova bolha que está se formando nas chamadas economias emergentes" (sic), incluindo o Brasil, é real? E, salvo melhor juízo, não seria tão catastrófica para os investidores das economias em crise quanto foi a catastrófica virada de ano para os turistas paulistas e moradores locais na tragédia que se abateu sobre Angra dos Reis e Ilha Grande no Estado do Rio de Janeiro?"

Comentário: Não se trata realmente de previsão, mas de advertência de Roubini. Gente séria não faz profecias, apenas chama a atenção para os riscos de uma situação. Os dólares em questão "viajam" pelo mundo em busca de maior rendimento. Assim como entram, saem. O problema é que falsa sensação de prosperidade que trazem. O nosso governo está financiando seus esbanjamentos com esses dólares. Até pode dar certo, se algum milagre acontecer na economia. O risco, porém, é muito grande.

 

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Do jus Confúcio – Jayme Copstein

Leio em O Sul que um vigarista contumaz, chefe de uma gangue que vendia "cola eletrônica" em vestibulares e concursos públicos, conseguiu trancar o processo e escapar da acusação de estelionato. É evidente que o delinquente se valia de meio ilícito para obter vantagem material, mas como permanece insolúvel o enigma do sexo dos anjos, a "cola eletrônica" ainda não conseguiu entrar na brontossáurica jurisprudência brasileira.

Em consequência, o Superior Tribunal de Justiça considerou "atípico" o instrumento da fraude e livrou a cara do vigarista. Se ele quiser ser condenado, que venda as suas "colas", mas as escreva com pena de ganso molhada em fuligem dissolvida na água. E não se esqueça, é claro, de passar o mata-borrão, para evitar ter de pagar uma indenização por danos morais e materiais aos coladores, impossibilitados de decifrar as borraduras do pergaminho.

Não posso afirmar com certeza porque, como dizia um antigo professor de Direito, todas as questões autorizam diversas interpretações e comportam várias soluções, mas esta decisão parece confirmar a Tese do Camaleão, formulada em um antigo carnaval pelo ilustre jurisconfúcio Leonardo Leontino de Leôncio: tem cara de leão, tem corpo de leão e não era leão – o que era então? Era a mulher do leão.

A propósito: o que é que cai de pé e corre deitado? Chuva?! Não mesmo. É uma minhoca que saltou de paraquedas. Quem manda vocês não estudarem direitinho na escola.

Ufa!...Que alívio

Dos jornais: "Deborah Secco retorna ao Brasil para se preparar para o Carnaval". Que alívio! Ainda bem: com o Lula de férias, a Dilma ocupada na campanha eleitoral, o Tarso Genro "cantando" o PDT para se eleger governador do Rio Grande do Sul, o que seria do país se a Deborah não voltasse logo do Qatar? E ainda tem gente duvidando que Deus seja brasileiro...

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Rolf Zelmanowicz gostou da coluna "De Fernando Henrique Cardoso a Lula" (O Sul, 04/01): "Parabenizo o prezado amigo pela oportuna e inteligente crônica." Renato Metsavaht pergunta: "Uééé! Vão cobrar ingresso no filme do Lula? Pensei que o horário eleitoral fosse gratuito!" Haroldo Candal envia provérbio de William Blake (1757-1827): "A mesma lei para o boi e o leão é opressão". Historiador Luiz Antônio Alves (tonybel@uol.com.br) pesquisa "Os primitivos moradores 'não italianos' de Caxias do Sul (1775-1910). Pede informações a quem as tiver. Darcy Francisco Carvalho dos Santos (http://www.darcyfrancisco.com.br) , com gráficos e números para fundamentar sua afirmação, escreve sobre "De FHC a Lula" (04/01/2010): "O aumento do salário mínimo, junto com a expansão do crédito e o desenvolvimento tecnológico, que tornou acessível às classes mais pobres produtos antes só adquiridos pela classe média e alta, foram os responsáveis pelos bons índices de crescimento da economia brasileira. É claro que o mercado externo também influiu, e muito. Como tudo no mundo tem dois lados, o crescimento real do salário mínimo foi um dos responsáveis pelo crescimento do déficit do Regime Geral da Previdência Social, e a expansão do crédito pode ter algumas implicações futuras. Nada que não possa ser administrado".

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

A revisão da Anistia – Jayme Copstein

Não tivesse o objetivo claro de desviar as atenções, a revisão da Lei da Anistia, levantada de tempos em tempos, seria molecagem, tipo "épater le bourgeois" (= atormentar o burguês) que a esquerdalha faz para matar o tempo quando não está salvando a pátria e cobrando polpudos royalties por isso. Mas do que estariam neste momento tentando desviar a atenção, tantas são as obscuridades que assombram a ética deste país? Há quem fale em encenação para colher dividendos eleitorais, acendendo a fogueira para ser extinta pelo reconhecido espírito conciliador do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, como diz o ministro Tarso Genro.

Há quem levante outras hipóteses. Será a negociata da compra dos aviões militares, com o Governo se decidindo pela tecnologia francesa, a pior e a mais cara, em detrimento da sueca e da norte-americana, ordem a que dão preferência os especialistas das próprias Forças Armadas? Ou o rombo das finanças, produzido pela gastança desenfreada com o aparelhamento do Estado, e que deverá estourar em breve se algum milagre não acontecer no cenário internacional?

Há ainda muitas outras suposições, mas certamente a revisão da Lei da Anistia em si não é o objetivo. Todos os postulantes estão cansados de saber que no direito penal nada retroage a não ser para beneficiar o infrator, e que já prescreveram, sem exceção, todos os crimes cometidos até 06 de 1980, quem dirá os abrangidos pela Lei da Anistia, cuja promulgação tem a data de 28 de agosto de 1979.

Fiquemos, portanto, com a primeira hipótese, a eleitoreira, considerada, porém, do ponto de vista histórico. Quando a anistia começou a ser negociada, ninguém do então MDB queria incluir Leonel Brizola e Miguel Arraes, sob o pretexto de não provocar os militares que os tinham como responsáveis pelas agitações que provocaram a reação militar de de 1964.

A verdade era outra: a luta pelo poder. Naquele tempo, um líder comunista desabafou na Rua da Praia – este colunista testemunhou – que não pensasse "Brizola que voltava para o comando". Teria de "mostrar ser bom militante para ser aceito de volta". Em outras palavras, havia novos líderes na oposição, ninguém estava disposto a dividir os privilégios da posição, principalmente naquele momento em que o maná da Terra Prometida ficava ao alcance da mão, após quase 20 anos a pão e água.

Quem resolveu a pendenga, dizem, foi Golbery do Couto e Silva, com a intenção clara de provocar e aprofundar o conflito para pulverizar a Oposição. Quem transmitiu a mensagem a Thales Ramalho, Ulysses Guimarães e Tancredo Neves, foi Petrônio Portela: sem Brizola e Arraes, não seria anistia.

Portanto, ressuscitar o debate, sabendo-se de antemão da sua esterilidade, para convocar Lula a exercer o seu paternal talento de apaziguador, só pode ter uma interpretação: demonstrar que ele deve se perpetuar na Presidência por ser o único capaz de governar o país, pacificando os ânimos etc. etc. etc. Em outras palavras: golpe de estado, arrombando as instituições democráticas, como Zelaya tentou, recentemente, em Honduras.

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Eliana Camejo e sua equipe sugerem a leitura da Revista do Shopping do Porto (Camelódromo), edição de dezembro, com uma centena de sugestões para homens, mulheres e crianças se vestirem na moda deste verão, gastando pouco.

Fritz&Frida (marca da Frölich S.A, indústria de alimentação) vão distribuir neste verão, em Imbé e Tramandái, 100 mil pulseirinhas do "bem", para identificar crianças veranistas e evitar que se percam dos pais.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Mundo louco – Jayme Copstein

Estava na praia, olhava as mulheres vestidas (ou despidas) segundo o figurino do início do mundo (folha de parreira, acrescida do meio sutiã, a adaptação dinâmica do velho suporte atlético) quando alguém ligou o rádio e sintonizou uma profecia de fim do mundo.

Justiça seja feita, o profeta não era nenhum pastor que ganha a vida tirando Deus da cartola de mágico onde antes enfiou o Diabo, mas um desses perspicazes comentaristas que pululam por toda a parte e conseguem também perpetrar o milagre de dizer nada a respeito de tudo. Falava ele de uma expedição russa para atacar um meteorito que navega (?!?) em direção à Terra, e cuja colisão "pode exterminar a vida no planeta".

A previsão do abalizado comentarista baseava-se na promoção de um filme sobre o fim do mundo, que por sua vez se baseia em uma ficção barata de Zacharias Sitchin, "The Twelth Planet" (O 12º Planeta). Hollywood pôs tudo no liquidificador, temperou com o fato das previsões astronômicas do calendário maia não ultrapassarem 2012, e hoje corre a versão de que o mundo acaba em 2012, levando pânico aos incautos.

De fato, o calendário maia não faz previsões astronômicas além de 2012, mas deve ter sido pela paciência esgotada com um sistema complicado de contagem de tempo que dividia o ano em 18 meses de 20 dias e acrescentava mais cinco dias (Uayeb) para aplacar os deuses com sacrifícios humanos Há um verbete interessante sobre isso na Enciclopédia Britânica, mas cabe, por pertinente, a observação de que, no Brasil, "aperfeiçoamos" a "cultura deles", enfiando dezenas de agulhas em bebês de dois anos de idade.

Não há nenhum sistema perfeito de contagem de tempo. O nosso próprio calendário assinala que estamos em 2010, a dois anos do fim do mundo, versão Hollywood. O ano do nascimento de Jesus – o primeiro da nossa contagem – foi calculada pelo monge Dionysius Exiguus no século 6. Ele tinha ideias peculiares em matéria de medição de tempo. Situava em uma sexta-feira, às cinco da tarde, o momento da criação do mundo. Com o que se descobre que o sábado, o dia do descanso, não era o sétimo dia, mas o segundo e que Deus é brasileiro: mal começa uma coisa já fica cansado.

Exiguus definiu o nascimento de Jesus no 753º ano da fundação de Roma, estabelecendo o ano de 754 como o primeiro da Era Cristã. Os primeiros estudos a respeito, relacionando acontecimentos históricos de data conhecida, referidos pela Bíblia, mostram que o monge tinha um erro mínimo de quatro anos. Portanto, de verdade, já estamos no ano 2014 da Era Cristã. Salvo melhor juízo, o mundo anda tão louco que se esqueceu de terminar em 2008. Imperdoável distração.

Foto de uma época

Converso com minha neta caçula. Vai fazer sete anos em março. Ela protesta: "Vô, os adultos não deixam mais as crianças brincar." O protesto me chama a atenção. Ela argumenta: "A gente está numa festa de aniversário, querendo se divertir, os adultos estão sempre perseguindo a gente pra tirar retrato. Não aguento mais aquela luzinha na cara da gente". Concordo com ela que o problema é grave. Ela sugere: "Por que não deixam pra tirar retrato na hora de cortar o bolo?"

O assunto é sério e urgente. Convoco imediatamente o Sinédrio das Netas. As mais velhas ponderam: "Não adianta, Vô. Hoje, quase ninguém curte festa ou viagem. Só fotografa. Depois, vai pra casa curtir as fotos. É como viajar depois da viagem. Ou se divertir depois da diversão. Coisa de retardado".

domingo, 3 de janeiro de 2010

De FHC a Lula – Jayme Copstein

Crônica que deveria correr a Internet, em lugar das chatices que costumam vir com o gancho de "imperdível", "sensacional", "passe adiante" – é a de Elio Gaspary na Folha de São Paulo de ontem: "Não foi o PT nem o PSDB, foram os dois". Gaspary resume análise de números da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PND) de 1996 e 2002 (anos tucanos) e a de 2008 (anos petistas), feita pelo economista Claudio Salm, comprovando que, de Fernando Henrique Cardoso a Luiz Inácio Lula da Silva, o Brasil cresceu com igual velocidade e em ritmo equivalente.

Salm é professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Comparou os números dos relatórios das PNDs de 1996 e 2002 (mandatos de Fernando Henrique Cardoso) e 2008 (a mais recente do mandato de Luiz Inácio Lula da Silva). Estabeleceu uma reta de progresso contínuo, sem nenhum contribuição especial do Governo petista que jogue a linha para cima.

Em 1996, início do Governo Fernando Henrique Cardoso, 48,5% dos domicílios pobres eram servidos por água encanada. Em 2002, fim do mandato, eram 59,6% - crescimento de 11,1 pontos percentuais (pp). A PND de 2008, no sexto ano do Governo Lula, mostra ascensão para 68,3%, crescimento de 8,7 pp. Verificou-se o mesmo com o serviço de esgotos: crescimento de 9,1 pp no período de FHC, incluindo 41,4% dos domicílios pobres, passando-se a 52,4% em 2008, com acréscimo de 11,3 pp.

Em 2002, os 79,9% de domicílios pobres servidos por eletricidade elevaram-se para 90,8%, aumento de 10,9 pp em 2002. Em 2008, somaram 96,2%, crescimento de 6,2 pp. Na telefonia, os números são: 5,1% em 1996, 28,6% em 2002 e 64,8% em 2008. Domicílios pobres eq    uipados com geladeiras eram 46,9% em 1996, 66,1% em 2002 e 80,1% em 2008.

Gaspary conclui a crônica, comentando que "Nunca antes na história deste país um governante se apropriou das boas realizações alheias e nunca antes na história deste país um partido político envergonhou-se de seus êxitos junto ao andar de baixo com a soberba do tucanato" Ao que se pode acrescentar uma frase lida em algum lugar: "Política é o meio que alguns têm para fazer fortuna e outros, para procurar desgraça". .

De profeta e louco

A revista Foreign Policy (http://www.foreignpolicy.com) organizou sua lista de Cem Pensadores Globais desta primeira década e incluiu entre personalidade como Barak Obama, o Papa, e o ex-presidente do Brasil Fernando Henrique Cardoso. Lula não entrou na lista. Tem lugar reservado na de "Sem Pensadores Globais". Questão de ortografia, supõe-se.

Foi relacionado, entre os cem pensadores um nome ao qual a imprensa brasileira não tem dado nenhum destaque. Já tenho recomendado sua página na Internet a um porção de amigos e dele tenho falado nesta coluna: economista Nouriel Roubini, da Universidade de Nova York. Foi chamado de maluco, em 2006, quando predisse o estouro da bolha imobiliária americana que mergulhou o mundo na crise. Agora, foi promovido a profeta.

Roubini já advertiu em página na Internet (http://www.roubini.com) sobre a nova bolha que está se formando nas chamadas economias emergentes – o Brasil é uma delas. Grandes quantias são trazidas das economias em crise, onde os juros se reduziram a taxas simbólicas, e estão sendo investidas em mercados de remuneração mais atraente. Quando a situação se reverter, esta bolha vai estourar com as consequências nada aprazíveis para as economias emergentes. Fica a interrogação: Roubini preservará sua posição de profeta ou reverterá à condição de maluco?