segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Mundo louco – Jayme Copstein

Estava na praia, olhava as mulheres vestidas (ou despidas) segundo o figurino do início do mundo (folha de parreira, acrescida do meio sutiã, a adaptação dinâmica do velho suporte atlético) quando alguém ligou o rádio e sintonizou uma profecia de fim do mundo.

Justiça seja feita, o profeta não era nenhum pastor que ganha a vida tirando Deus da cartola de mágico onde antes enfiou o Diabo, mas um desses perspicazes comentaristas que pululam por toda a parte e conseguem também perpetrar o milagre de dizer nada a respeito de tudo. Falava ele de uma expedição russa para atacar um meteorito que navega (?!?) em direção à Terra, e cuja colisão "pode exterminar a vida no planeta".

A previsão do abalizado comentarista baseava-se na promoção de um filme sobre o fim do mundo, que por sua vez se baseia em uma ficção barata de Zacharias Sitchin, "The Twelth Planet" (O 12º Planeta). Hollywood pôs tudo no liquidificador, temperou com o fato das previsões astronômicas do calendário maia não ultrapassarem 2012, e hoje corre a versão de que o mundo acaba em 2012, levando pânico aos incautos.

De fato, o calendário maia não faz previsões astronômicas além de 2012, mas deve ter sido pela paciência esgotada com um sistema complicado de contagem de tempo que dividia o ano em 18 meses de 20 dias e acrescentava mais cinco dias (Uayeb) para aplacar os deuses com sacrifícios humanos Há um verbete interessante sobre isso na Enciclopédia Britânica, mas cabe, por pertinente, a observação de que, no Brasil, "aperfeiçoamos" a "cultura deles", enfiando dezenas de agulhas em bebês de dois anos de idade.

Não há nenhum sistema perfeito de contagem de tempo. O nosso próprio calendário assinala que estamos em 2010, a dois anos do fim do mundo, versão Hollywood. O ano do nascimento de Jesus – o primeiro da nossa contagem – foi calculada pelo monge Dionysius Exiguus no século 6. Ele tinha ideias peculiares em matéria de medição de tempo. Situava em uma sexta-feira, às cinco da tarde, o momento da criação do mundo. Com o que se descobre que o sábado, o dia do descanso, não era o sétimo dia, mas o segundo e que Deus é brasileiro: mal começa uma coisa já fica cansado.

Exiguus definiu o nascimento de Jesus no 753º ano da fundação de Roma, estabelecendo o ano de 754 como o primeiro da Era Cristã. Os primeiros estudos a respeito, relacionando acontecimentos históricos de data conhecida, referidos pela Bíblia, mostram que o monge tinha um erro mínimo de quatro anos. Portanto, de verdade, já estamos no ano 2014 da Era Cristã. Salvo melhor juízo, o mundo anda tão louco que se esqueceu de terminar em 2008. Imperdoável distração.

Foto de uma época

Converso com minha neta caçula. Vai fazer sete anos em março. Ela protesta: "Vô, os adultos não deixam mais as crianças brincar." O protesto me chama a atenção. Ela argumenta: "A gente está numa festa de aniversário, querendo se divertir, os adultos estão sempre perseguindo a gente pra tirar retrato. Não aguento mais aquela luzinha na cara da gente". Concordo com ela que o problema é grave. Ela sugere: "Por que não deixam pra tirar retrato na hora de cortar o bolo?"

O assunto é sério e urgente. Convoco imediatamente o Sinédrio das Netas. As mais velhas ponderam: "Não adianta, Vô. Hoje, quase ninguém curte festa ou viagem. Só fotografa. Depois, vai pra casa curtir as fotos. É como viajar depois da viagem. Ou se divertir depois da diversão. Coisa de retardado".