terça-feira, 19 de janeiro de 2010

O general e o poeta – Jayme Copstein

Mário Quintana dizia que poemas eram feitos apenas para serem poemas e não para serem entendidos. Falava em nome de todos os que garimpam as almas das pessoas e as apresentam umas às outras, pois nem sempre as pessoas sabem de si mesmas: "Qualquer idéia que te agrade / Por isso mesmo...é tua. / O autor nada mais fez que vestir a verdade./ Que dentro em ti se acha inteiramente nua..." – ele escreveu em "Sapato Florido".

A definição de poema de Mario Quintana me veio à lembrança depois de conversar com um amigo, Jaguaribe Meyer, sobre o texto de Fernando Pessoa, do qual é sempre citado verso que não é verso e não é dele: "Navegar é preciso, viver não é preciso".

Jaguaribe me trouxe a interpretação de alguém que vê neste "preciso" não a necessidade, mas a exatidão. O que não deixa de ser verdade. Navegar é um cálculo preciso dentro de uma rota pré-determinada, viver é puro imprevisto.

Tenho cá as minhas dúvidas, entretanto, de que Fernando Pessoa tenha querido dizer isso. Originalmente, como assinala o professor Claudio Moreno (http://198.106.73.59/01/01_navegar.htm), ele não escreveu a frase como verso, mas a inseriu como citação em nota encontrada entre seus inéditos, grafada como texto corrido: "Navegadores antigos tinham uma frase gloriosa: navegar é preciso, viver não é preciso. Quero para mim o espírito d'esta frase, transformada a forma para a casar com o que eu sou: viver não é necessário; o que é necessário é criar. Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso. Só quero torná-la grande, ainda que para isso tenha de ser o meu corpo e a (minha alma) a lenha desse fogo. Só quero torná-la de toda a humanidade; ainda que para isso tenha de a perder como minha".


 

Não há mais como perguntar a Fernando Pessoa o que ele quis dizer. O poeta inglês Robert Browning, quando lhe pediram explicação para um de seus versos, respondeu: "Quando escrevi, só Deus e eu sabíamos. Agora, só Deus."

Buscada no original, na biografia do general romano Pompeu, em "Vidas Ilustres", de Plutarco, a frase não vem sozinha. É seguida por: "Necesse est ut eam, not ut vivam" – "Que eu avance é preciso, que eu viva não é preciso".

Portanto, o que Fernando Pessoa quis dizer com a frase é o mesmo que o general Pompeu, quando incitava seus soldados a carregar os navios de trigo e enfrentar o mar tempestuoso para salvar Roma da fome.

Com a diferença: a mesma frase na voz de um general é uma palavra de ordem. Na de um poeta, é um verso. Navegar é preciso. A vida e a poesia, não. Se fossem, estaríamos todos mortos.

Não há como saber de Fernando Pessoa o que ele quis dizer.O poeta inglês Robert Browning, quando lhe pediram explicação para um de seus versos, respondeu: "Quando escrevi, só Deus e eu sabíamos. Agora, só Deus."