domingo, 10 de janeiro de 2010

Duas tragédias e uma certeza – Jayme Copstein

Dois casos da semana passada explicam porque nos tornamos o país da impunidade e o Judiciário entrou em um beco sem saída, perdido em sofismas, graças à hipocrisia ampla, geral e irrestrita da sociedade brasileira.

O primeiro sequer despertou grande indignação, ao contrário de quando algum personagem de projeção social ou financeira (ambas se equivalem) protagoniza o papel de vítima, sem que alguém que lhe corresponda em poder tenha sido o algoz. É o caso daquele jovem pobre de Caxias do Sul, assassinado por dois jovens pobres, logo após ter retirado de um terminal bancário os 500 reais com que pagaria a continuação de seus estudos.

A notícia entrou e desapareceu dos jornais em alta velocidade. Contudo, perdurou tempo suficiente para informar que, enquanto a vítima desde idade mais tenra, quis trabalhar e estudar para se encaminhar na vida, seus assassinos tinham antecedentes criminais, mas nem por isso estavam presos. A lei é assim. Contudo, por que o jovem que escolheu o caminho do bem foi por isso mesmo foi assassinado, enquanto seus também jovens matadores por terem escolhido a trilha do mal, tinham liberdade para matá-lo, a lei no seu coitadismo hipócrita não explica. Se o fizesse, seus mentores teriam de admitir que foi arquitetada para assegurar impunidade a quem possa pagar advogados habilidosos e custear as despesas dos mil e um subterfúgios apelidados de "recursos" no direito brasileiro.

É desta garantia de impunidade que decorre o segundo caso, e não se pense no caso do jornalista Pimenta das Neves, que há dez anos assassinou Sandra Gomide, há quatro foi condenado a 19 anos, 2 meses e 12 dias pelo Tribunal do Júri, e continua em liberdade. O segundo episódio envolve o político Ronaldo Cunha Lima que, em 1993, quando era governador da Paraíba, tentou assassinar seu antecessor Tarcísio de Miranda Burity, desferindo-lhe um tiro no queixo, em uma confeitaria de João Pessoa. Não há nenhuma dúvida sobre a autoria e a torpeza do crime.

Passados já 17 anos, porém, ele ainda não pôde ser julgado porque o processo arrastou-se no Supremo Tribunal Federal até 2007, quando. Cunha Lima, já então deputado federal, após ter sido senador, renunciou ao mandato para perder o foro privilegiado e remeter o processo à Justiça comum. Passaram-se mais dois anos. Em 2009, o juiz do 1º Tribunal do Júri de João Pessoa mandou-o a julgamento, porém seus defensores recorreram e na quinta-feira passada, o Tribunal de Justiça da Paraíba anulou a sentença de pronúncia, pela "linguagem excessiva", seja o que isso signifique, porque "    poderia influenciar a decisão dos jurados".

Simplificando: começa tudo de novo. Se até nova sentença de pronúncia e julgamento, Cunha Lima eleger-se deputado federal, volta o processo ao STF, e vaivém seguirá até a prescrição. O caso sairá dos jornais para dar lugar a outro absurdo porque não nada no direito penal brasileiro que não favoreça o criminoso.

Ditos e achados

Carlos Brickmann, escrevendo sobre o recente Plano de Direitos Humanos do Governo Federal, cujo texto final saiu do Gabinete Civil de Dilma Rousseff e criou problemas com militares, com um aliado do presidente Lula, o ministro da Defesa, Nelson Jobim e a Igreja Católica: "Nada disso prenuncia coisa boa. Parece buscar-se no confronto aquilo que não se espera obter nas urnas. É um filme que já vimos. E nós morremos no fim". (texto integral em www.brickamnn.com.br ou www.jaymecopstein.com.br ).