sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

A receita da vida – Jayme Copstein

O jornal "O Sul" publicou ontem reportagem de Ethevaldo Siqueira sobre a Feira de Las Vegas, onde a tecnologia mostra suas mais recentes novidades e profetiza as inimagináveis façanhas do amanhã. Ethevaldo faz balanço do que aconteceu nos últimos 40 anos, recuando a 1970, quando o homem não tinha computador pessoal, TV digital, DVD, celular, internet e tomografia computadorizada, e traz a interrogação dos jovens de hoje: "Como era viver nesse mundo?"

Não vou repetir o desgastado "éramos felizes e não sabíamos" porque é apenas meia verdade. O que nunca soubemos é ser felizes, pois felizes seríamos sempre se pensássemos como J. Batista de Oliveira, sonhando com o mundo que os primeiros trens prometiam trazer ao Rio Grande do Sul.

Não sei quem foi J. Batista de Oliveira. Ao contrário dos jovens que não conseguem imaginar o passado recente, eu o vejo como alguém perscrutando o futuro remoto, e me comovo com o que escreveu em 1893, mais de 10 anos antes de Santos Dumont conseguir voar com seu 14 Bis:

"Galopa o corcel de ferro campo fora, transpondo as maiores distâncias com vertiginosa rapidez. E lá vai ele, de terra em terra, levando a todas o progresso, e a todas a civilização. O que dantes era um ermo, está hoje um povoado; as aldeias, como por encanto, fizeram-se cidades; os campos, outrora incultos, ostentam formosas searas, prometedora recompensa do trabalho assíduo; e até nos próprios desertos, onde a influência do homem não pôde modificar ainda a natureza, ele passa veloz e silvando, como a dizer que em breve há de a civilização chegar ali também".

O trem de J. Batista Oliveira era a avó da Maria Fumaça. Sua "vertiginosa rapidez" não passava dos 40 quilômetros por hora, a metade da velocidade desenvolvida pelas primeiras locomotivas elétricas que então começavam a trafegar na Europa. Visto a esta distância, mais de cem anos decorridos, alguém pode até achar patético e ridículo o seu deslumbramento, mas não se deve perder de vista a resposta do físico Michael Faraday ao primeiro-ministro britânico Benjamin Disraeli, quando ele lhe perguntou para que servia a eletricidade, então apenas mera curiosidade de laboratório: "Para que serve uma criança, senhor primeiro-ministro?"

Quem não consegue entender o passado, não terá o amanhã como herança. A criança é pai do homem porque o ontem é a semente do futuro, adubada com o sonho. É a receita da vida. Sem a capacidade de sonhar, resta apenas a amargura do "éramos felizes e não sabíamos".

Nas estrebarias de Augeas

Contribuições a quem se dispuser a escrever a Antologia da Impunidade no Brasil: a) o gatuno FAA foi preso em novembro pela oitava vez em dois anos. Estava com comparsas, carregando o acervo de uma academia de ginástica que acabara de arrombar. Pelos sete delitos anteriores – furto e receptação, afora outros arrombamentos – o máximo que o retiveram na cadeia foi quatro meses. Em outras palavras: quando não está preso, FAA está delinquindo; b) TS bateu um recorde: preso em flagrante na metade de setembro de 2009, em outubro foi flagrado outra vez comentendo o mesmo crime: arrombamento de residência. Na folha corrida ostenta, como currículo, mais dois arrombamentos, dois furtos e três assaltos.

Para os policiais militares, que não fazem outra coisa senão prender os criminosos que a Justiça solta, é como limpar as lendárias estrebarias do rei Augeas, cujos cavalos bateram todos os recordes na produção de esterco. Só Hércules para resolver.