quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Tempos de antanho – Jayme Copstein

Nestes tempos de debate sobre o casamento de gays, vale retroceder a uma notícia curiosa, publicada pelo jornal "A Época", em outubro de 1891, e reproduzida por Alfredo Ferreira Rodrigues no seu "Almanak Litterario e Estatistico do |Rio Grande do Sul, edição de 1894:

O leitor não deve tomar por pilhéria esta notícia que é o que de mais verdadeiro possa haver. Pessoa muito respeitável, chegada no Mercedes e residente em Canguçu, informa-nos que em dias deste mês celebrou-se ali um casamento civil entre dois homens, sendo que o que representava a noiva estava vestido de mulher.

Fez-se a competente habilitação pelo cartório do juizde casamentos, correram as proclama, e os nubentes assim preparados foram à presença do juiz de paz com grande e festivo acompanhamento. O juiz de paz nenhuma desconfiança teve e celebrou o casamento. A noiva portou-se irrepreensível; não lhe faltou a imprescindível pudicícia, o choro e a ternura ao se deixar abraças pelas senhoras.

Não ficou somente aqui o caso: finda a cerimônia, houve grande bródio (= banquete) nupcial e só mais tarde, chegadas as cousas a certo ponto e depois de se beber muito vinho é que o caso fez explosão. Repetimos: o caso é verdadeiro.

Não se sabe o que aconteceu depois porque o jornal não contou em que consistiu a "explosão". Considerando-se, porém, o espírito da época, é de se imaginar a festa terminando na delegacia, como em Porto Alegre, em 1946, quando casamento semelhante foi interrompido pela polícia em um velho pardieiro da Rua da Praia. Aqui, os protagonistas foram logo soltos porque a "noiva" era filho de autoridade da própria polícia.

Em nenhum dos dois casos esteve em debate o direito da união entre gays, como acontece hoje. Fatos assim mereciam publicação pelo inusitado, como se vê no mesmo "Almanak" de 1894, transcrevendo notícia de casamento de "avó" com neto, publicada por "A Reforma", em 25 de novembro também de 1891, enviada pelo leitor Ignacio Capistrano Cardoso:

No 4º Distrito de Soledade, consorciaram-se Vidal Francisco da Silveira com sua avó e madrinha adotiva Eufrásia Borges da Silveira, senhora a quem Vidal com muita razão respeitava, tendo-se criado até aos 20 ano, idade que tem, reconhecendo-a como sua legítima avó e madrinha, pedindo-lhe sempre e respeitosamente sua bênção, visto como, desde muito tempo, era madrasta de seu pai Cândido Francisco da Silveira, ficando desta forma o filho padrasto de seu pai.e tios. A esposa passa a ser madrasta e nora do enteado e pai de seu marido, que é seu sogro; este, enteado do filho, porque casou com sua madrasta, viúva de seu pai Joaquim Francisco da Silveira, que faleceu em dias de março deste ano [1891]. A viúva, atirada assim a este vale de lágrimas, esperou o tempo de sete meses para maritar-se, o que fez efetivamente no dia 31 de outubro.

O informante de "A Reforma" não cuidou de revelar a idade da noiva, mas o mexerico sobre a sua pressa de se casar de novo sugere que não fosse muito mais velha que o noivo. Naquela época, era comum o casamento de homens idosos até com meninas mal entradas na puberdade. As mulheres, de maneira geral, não escolhiam os maridos – eram-lhes impostos pelo pai, levadas em conta conveniências que nada tinham a ver com sentimento.

Não fica fora de propósito que tivesse assim se tornado a segunda esposa de Joaquim Francisco e, ficando viúva, já dona de seu nariz, Eufrásia tivesse escolhido alguém jovem como ela para "maritar-se" outra vez. Apesar de tornar o noivo avô de si mesmo...