terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Utopias de bar – Jayme Copstein

Na polêmica em andamento sobre impunidade no Brasil, escapa o essencial: a receptividade devota – há quem fale de servilismo intelectual – a especulações utópicas sobre o mundo perfeito, com que pensadores e fraudadores intelectuais preenchem a recesso imposto pelo duro inverno do Hemisfério Norte.

Como sempre, os laboratórios de teste, tal como ocorre com medicamentos "experimentais", são a África e a América Latina pela generosa oferta de cobaias humanas. Há quem atribua nomes pomposos a essas utopias devotas – direito alternativo, por exemplo – que mais parecem geradas em mesa de bar do que em templos, na fase do "zomozzz todozzz zirmãoszz". Podem ser sintetizadas em uma cantoria religiosa, profetizando que, no Dia do Senhor, lobo e cordeiro estarão na mesma mesa.

Deus não foi muito explícito a respeito, mas tudo indica que o lobo e o cordeiro quando comparecem ao mesmo banquete, um está confortavelmente sentado, com os talheres em punho e o guardanapo no pescoço, o outro – adivinhem quem – deitado em uma bandeja, ornado de ervas, batatas. Não será com sermões de bom-mocismo que se evitará o hábito do lobo de devorar ovelhinhas. O máximo que se vai conseguir é ele se disfarçar de cordeiro para continuar o banquete. Não é que o está acontecendo no Brasil?

Um motorista de táxi me contou – soube em suas andanças pela cidade – que um cidadão se apresentou à Polícia para confessar um assassinato ainda não esclarecido e ser preso. O delegado o identificou, tomou-lhe o depoimento, conferiu todos os pormenores da confissão com os dados de registro da ocorrência, para certificar-se de que não se tratava de algum maluco em transe, e liberou o cidadão, para responder o inquérito e o processo em liberdade.

O "queixoso" protestou com veemência. Como ia ser libertado, se era um assassino, confessara sem coação, tinha direito a ser preso. O delegado respondeu que não podia fazer nada. Profissão certa, endereço conhecido, apresentação voluntária, a lei não permitia que o prendesse.

O "queixoso" fez então um apelo patético: "Doutor, pelo amor de Deus, me prenda. Os amigos do cara que eu matei andam atrás de mim para se vingar. Se o senhor não me puser na cadeia, eles me matam!".

O doutor delegado lamentou muito, mas nada podia fazer. Lei é lei. Tem que ser cumprida. Ou como diriam nossos antigos foliões: dura lex, sed lex, no cabelo só Gumex.

A propósito

Frase de um candidato, colhida nos vestibulares ainda em andamento nas universidades (transcrição "ipsis litteris"): "A tempos já se havia necessidade de medidas que não somente sorrateiras quanto a cultura alcoólica brasileira."

Com toda a certeza, tese assim tão poderosa credencia o candidato ao curso de Direito. Mas há fortes suspeitas de que outro concorrente estivesse tentando "colar" de sua prova. Escreveu: "Imajine que esta pessoa passe no vestibular e imprevisivelmente sua família lhe dá um carro."

Nem se precisa imaginar: se houver atropelamento, paga duas cestas básicas para aprender que neste país tem lei.

Feliz é um terceiro vestibulando – Filosofia, na certa – que sentenciou: "Sinto-me feliz quando vou ao banheiro e tomo banho, porque tenho certeza que sairá água do chuveiro."