terça-feira, 20 de junho de 2006

A revogação das palavras - Jayme Copstein

No muito que se está escrevendo sobre o centenário de nascimento, poucos se referem à leitura preferida de Mário Quintana: contos policiais. O poeta chegou a ter uma bela coleção do “Ellery Queen”, revista especializada que a Globo autêntica, a do Rio Grande do Sul, traduzia e editava mensalmente. A partir de certa época, tudo aquilo lido, relido e decorado, o poeta trocava suas edições por outras que ainda não vira, no sebo do Martins Livreiro. Eram amicíssimos.
Bons tempos aqueles. Será que ainda existe a Ellery Queen? Se existe, anda matando cachorro a grito. Também Ágata Christie, para não morrer de fome, teria de escrever sobre orgasmos múltiplos, pela inutilidade de montar encaroçados enigmas a desafiar a argúcia do inspetor Poirot. O desfecho seria óbvio: o assassino fugiu para o Brasil onde ficou impune e foi feliz para sempre.
“Elementar, meu caro”, diria o dr. Watson, dando uma solene banana para o chato do Sherlock Holmes.
Ficará acaso zangado o bom-mocismo pateta que permitiu aos rábulas de porta de cadeia “construir” – a palavra está na moda - uma doutrina de canonização dos criminosos e caninamente a ela se submeter, a troco de uma cadeira à esquerda (antigamente, era à direita) de Deus Pai?
Pouco importa a resposta. O enigma criado é tão medíocre, apesar de indignante, que não exige sutilezas cerebrinas para decifrá-lo. Qualquer faxineira, da mais remota delegacia de qualquer barro perdido da periferia, sabe que toda a algaravia jurídica, chamada de alternativa, resumiu-se em revogar palavras. Na velha frase que até os marginais respeitavam – “um vai para a cadeia, o outro para o cemitério” – a cadeia foi para o lixo, sobrou apenas o cemitério para as vítimas.

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