terça-feira, 14 de novembro de 2006

Ortotanásia - Jayme Copstein


Mais uma palavra, fora do uso corrente, chega às páginas dos jornais: ortotanásia. Faz lembrar o conto de Arthur Azevedo, narrando as agruras de um pai para explicar ao filho o significado da palavra plebiscito.
No caso do ortotanásia, o furo é mais embaixo, como se diz hoje neste Brasil, onde não só palavras, mas idéias também – qualquer uma sem a esfericidade de uma bola de futebol – têm curso pouco corrente.
Daí, a polêmica sobre a deliberação do Conselho Federal de Medicina, aprovada pela Igreja, de definir como ética a decisão de não tentar prolongar o que restar da atividade orgânica em corpos devastados, nos quais só restou do que chamamos vida o inútil sofrimento.
Não se trata de matar, mesmo a título piedoso. Ortotanásia consiste, sempre por decisão do paciente ou de sua família, em o médico não mais interferir, para deixar a natureza seguir seu curso.
A grande dificuldade de encarar a questão chama-se culpa. Como o ser humano é o único animal que tem consciência de que vai morrer, considera a morte a punição extrema porque lhe rouba a vida, o bem supremo. Daí, a criação de entidades sobrenaturais que hão de recompensá-lo com a imortalidade da vida eterna ou castigá-lo com a morte interminável nas chamas do inferno.
Daí, também, o argumento falacioso, travestido de religião, de que ninguém é Deus para decidir sobre a vida. Mas ninguém pode se arvorar também em demônio, para impor sofrimento sem sentido aos seus semelhantes.
Com a ortotanásia, o Conselho Federal de Medicina e Igreja estão dizendo que o homem, quando se torna impotente diante da doença, deve pôr o destino nas mãos do Criador.

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