sábado, 4 de abril de 2009

O Primor da Arte - Jayme Copstein

Quando ouço falar que o norte-americano Bernard Madoff conseguiu aplicar um dos contos de vigários mais antigos da era capitalista, não me surpreendo. Voltaire dá a entender que à espera de um otário para depená-lo há sempre há um espertalhão na próxima esquina. Até afirma que, quando o primeiro espertalhão encontrou o primeiro otário, ele inventou as religiões.

Mas falava em contos de vigário e o nome nada tem a ver com religião. Dizem que a falcatrua foi assim batizada quando um malandro francês fez-se passar por padre e extorquiu bons dinheiros de devotos. Cito a versão não para me mostrar erudito, mas com a intenção de debater se é a ingenuidade ou a voracidade que leva as pessoas a caírem no golpe.

Quase sempre é uma mistura das duas coisas. Por exemplo, em 1881, Porto Alegre viveu uma comédia quando o pintor Veríssimo Barbosa de Souza convenceu-se de ter inventado o navio movido a pressão de ar.

Estava “assuntando”, sem o que fazer, a idéia lhe veio à mente. Construiu um pequeno modelo, fez experiências na banheira de casa e se entusiasmou. Radiante e já antevendo a fortuna que a invenção poderia lhe trazer, contou tudo em segredo a alguns amigos mais chegados.

A idéia era fascinante e os amigos de Veríssimo acabaram contaminados com seu entusiasmo. Eles o estimularam a fundar uma empresa para construir o navio que haveria de revolucionar a navegação mundial.

Não houve dificuldade para angariar o capital. O pintor batizou o notável invento de “Primor da Arte” e, com o dinheiro dos acionistas, logo pôde construir um trapiche e começar a montagem da traquitana.

De repente a cidade se tomou de demência. Não se falava de outra coisa, todos queriam associar-se ao empreendimento, os primitivos sócios recusavam novas adesões. No máximo, a amigos muito chegados, concordavam em ceder algumas poucas cotas, assim mesmo com respeitável ágio.

A construção do Primor da Arte foi demorada, alimentando ainda mais o delírio. Correram rumores de espionagem internacional, de uma corporação inglesa pressionando para comprar o navio. O assunto tomou tal proporção que o governo da Província contratou engenheiros para avaliarem o projeto.

O laudo negativo – não passava de mirabolância – serviu para alimentar a polêmica. Os entusiastas do “Primor da Arte” o receberam com desprezo. Que todos esperassem para ver quem estava com a razão. Depois, não se queixassem da sorte que lhes batera à porta e a encontrara fechada.

O tempo foi passando e o Primor da Arte não dava o ar da graça. Os acionistas começaram a pressionar Veríssimo e o fizeram apressar o arremate do navio. Foi programada com alarde a viagem inaugural que deveria terminar em Triunfo, onde os numerosos adeptos do empreendimento ofereceriam uma festa para comemorar o sucesso.

Dito, mas não feito. A decepção começou em Porto Alegre, quando Veríssimo exibiu o revolucionário Primor da Arte. Era um barco comum ao qual ele havia adaptado foles imensos para soprar o “combustível”.

Na hora de partir, o desastre. Os foles não davam conta, o Primor da Arte foi se arrastando à custa de remo, com o devido acompanhamento de palavrões, até conseguir aportar em Triunfo dois dias depois.

Veríssimo tentou em vão tirar o corpo fora, alegando que a “pressa” resultara em foles defeituosos. De nada valeu. A empresa foi dissolvida, cada um ficou com seu prejuízo e ele foi literalmente cantar em outra freguesia. Poucos anos mais tarde, protagonizou episódio semelhante no Pará, onde “inventou” um avião também revolucionário. Depois de novo fiasco sumiu na História.

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