quarta-feira, 1 de abril de 2009

Pela dignidade do diploma - Jayme Copstein

Em 1946, ingressei no curso Odontologia da Faculdade de Medicina de Porto Alegre, para satisfazer a vontade paterna de ter uma profissão de nível universitário. No ano seguinte, um deputado – Pedroso Junior – propôs a extinção do diploma de cirurgião-dentista. Desejava que a Nação desse vários passos para trás, alegando bastar pulso de atleta e um pouco de jeito para ser dentista. O boticão faria o resto.

Eu já era jornalista ao ingressar na Odonto, e logo me tornei redator de “O Bisturi”, criado e editado pelo segundo-anista de Medicina, Helio Gomes Leal. No ardor dos 18 anos, contra-argumentei nas páginas do jornalzinho que, para ser deputado como Pedroso Junior, bastavam apenas de alguns votos acaudilhados no interior.

A luta para preservar a dignidade da Odontologia como profissão, tornada prerrogativa exclusiva dos portadores de diploma universitário específico a partir de 1934, prolongou-se por um decênio, enfrentando sucessivas tentativas de demagogos, cujos argumentos não conseguiam em nada atenuar a sandice de Pedroso Junior.

Estou relembrando acontecimentos de um Brasil abrutalhado, com mais de 50% de analfabetos e expectativa de vida que não ultrapassava os 43 anos de idade, mas que eu supunha ter ficado lá para trás, no meio do século passado, porque me sinto perplexo por ter de assistir, hoje, o Supremo Tribunal Federal gastar tempo de seus ministros e recursos da Nação, para decidir se o Brasil volta lá para trás, cassando a dignidade da profissão de jornalista, cujo exercício, também após décadas de luta, tornou-se prerrogativa de portadores de diploma universitário específico.

A perplexidade cresce quando vejo a Universidade assistir, inerte, sem protestar, sequer franzindo a testa de desagrado, como se em nada lhe dissesse respeito, este atentado a uma suas instituições – os cursos de comunicação social.

Da última vez que estive na UFRGS, em dezembro passado, como orador dos jubilados de 1948, cobrei o absenteismo, perguntando “por que setores da sociedade brasileira, com a omissão e a passividade de outros setores influentes, desejam voltar ao passado, retirando do jornalismo o status de profissão de nível universitário, com exigência de diploma específico”.

Uma professora, após a solenidade, me argumentou com a demasia das regulamentações na sociedade brasileira e a necessidade de enxugá-las, em nome da liberdade de pensamento. Não perguntei a ela porque escolhera crucificar o jornalismo para salvar a pátria. Ocorreu-me que com chá de urtiga eu haveria curar espinhela caída, mas que a excessiva regulamentação da Medicina me impede de salvar a humanidade.

Também tenho idéias muito próprias de como aplicar leis e emitir sentenças. Nem por isso estou reivindicando o fechamento dos cursos de Direito e a abolição dos tribunais, apesar de me impedirem de fazê-lo, por “excesso de regulamentação”.

O diploma universitário do jornalista não inibe o livre pensar nem sua livre manifestação.Os jornais, as emissoras de rádio e tevê reservam espaços generosos para os colaboradores, convidados ou não, aos quais basta enviar a matéria em originais legíveis, respeitadas as normas de linguagem e a limitação do espaço. Da mesma maneira, a interação, através das cartas de leitor, do e-mail ou telefonemas de ouvintes e telespectadores, é parte importante das atividades do jornalismo de hoje.

Alegar que a exigência do diploma de curso superior para o exercício profissional do jornalismo atenta contra a liberdade de pensamento é uma balela. Ofende a inteligência e o bom-senso, qualidades que deve prevalecer hoje na decisão do STF.

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