segunda-feira, 23 de janeiro de 2006

Caminhões e urutus - Jayme Copstein

Fala-se muito de fortunas que Juscelino Kubitschek e seus amigos teriam ganho, para permitir à indústria automobilística estabelecer-se no Brasil. Neste país, não dá para pôr a mão no fogo por ninguém em matéria corrupção, mas, no caso, não é verdade.
Foi o contrário. A indústria automobilística recebeu grandes incentivos porque o projeto de Juscelino, de ocupação do Oeste e do Noroeste, não teria passado de ficção sem uma estrutura de transportes.
Qualquer observador mais atento perceberá que a rodovia não é a mais adequada para as grandes distâncias. Mas é só olhar a situação das ferrovias e da marinha mercante brasileiras nos anos 50, para se deduzir que não havia escolha – o caminhão era inevitável.
Naquela época, Emil Farhat, escritor e publicitário, publicou livro de grande sucesso, O País dos Coitadinhos, mostrando os absurdos que populismo criara no Brasil.
De acordo com a legislação, pouco importando o tamanho, os navios eram obrigados a ter um número mínimo de tripulantes. Chamou a atenção de Farhat que, no Rio Amazonas, pequenos barcos de carga começaram a rebocar duas, três canoas, cheias de gente. Quando perguntou se não era arriscado levar passageiros de maneira tão precária, teve a resposta surpreendente: “Não são passageiros. É o excesso de tripulação que não cabe no navio. A gente tem que levar por que a lei obriga.”
Essas coisas vêm à lembrança diante da notícia de que o presidente do Senado, Renan Calheiros, vai torrar 130 milhões de reais para construir o anexo III da chamada Câmara Alta.
Com apenas 81 senadores, para que se necessita de um terceiro anexo, se o Senado já tem dois outros? É simples: os 81 pais da pátria empregam – estamos falando apenas de gente na ativa, aposentado não conta mais – nada menos do que 3.500 funcionários. Mais de 43 assessores por senador.
Aquelas duas ou três canoas rebocadas pelos pequenos barcos do Rio Amazonas, levaram ao equívoco do caminhão como solução de emergências para os transportes.
Os dois ou três anexos do Senado que levamos a reboque, extorquidos em 37 por cento de impostos, pode gerar outro equivoco, de nefastas conseqüências, para resolver problemas da democracia. Em lugar dos caminhões de Juscelino, os urutus de um general.

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