quinta-feira, 26 de janeiro de 2006

Demônios e utopias - Jayme Copstein

Nestes últimos tempos, indignados com a corrupção dos políticos e chocados com crimes hediondos cometidos por pessoas de todas as camadas sociais, leitores têm sugerido que a falta de Deus é que nos conduz ao abismo.
É difícil avaliar se os políticos corruptos ou as pessoas que cometem crimes praticam ou deixam de praticar esta ou aquela religião. Nada lhes é perguntado nem elas tomam a iniciativa de confessar.
O certo é que criar um inimigo hipotético, a quem comumente chamamos diabo, não ajuda muito a construir um exercício de amor no coração das pessoas. O que se faz é apenas estabelecer um símbolo para o qual devemos canalizar nossas frustrações e o ódio que essas frustrações acabam despertando.
No Brasil, o choque é maior porque a principal religião do brasileiro é a utopia. Sempre haverá, na próxima esquina, um messias, um salvador da pátria, um rei mágico, uma fada benfazeja, uma divindade qualquer, com roupagens humanas, capaz de nos conduzir ao paraíso com sua simples presença, até mesmo sem fazer um gesto ou pronunciar uma palavra mágica.
Quando tudo na prática se vazio e inútil, substitui-se a utopia pelo demônio, o perpétuo conspirador a quem atribuímos a perversidade de destruir a felicidade que se esperava cair do céu.
Apesar de o dicionário nos dar uma lista infindável de sinônimos para a pa-lavra diabo – canhoto, tinhoso, coisa-ruim, maligno, enfim, uma série interminável – no dia a dia temos acrescentado ora a palavra comunista, ora a palavra neoliberal, ora o nome Fernando Henrique Cardoso, ora o nome Luiz Inácio Lula da Silva, ora Roberto Jéferson, ora José Dirceu, apenas para citar os demônios mais recentes. É como se tivéssemos diabos de plantão, para explicar o fracasso das utopias, a que nos conduz a ignorância e a credulidade que dela resulta.
Falta Deus em nossos corações? Não, não falta. Falta conhecimento, cultura, falta amor. Sobra, sim, ignorância, falta de escrúpulos e paixão pelo poder.

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