segunda-feira, 2 de janeiro de 2006

Em memória de Clóvis Ott - Jayme Copstein

Recebo surpreendido e com imensa tristeza a notícia da morte de Clóvis Ott, maluco genial que vi nascer para o jornalismo, no velho celeiro chamado Diário de Notícias. Desde o início, me pareceu uma espécie nova de Peter Pan, com visão de adulto e coração de criança. Isso o tornava combinação feliz, não muito comum, de talento fora de bitola e decência.

O texto perfeito o trouxe para a jovem Folha da Manhã, da velha Caldas Junior, onde eu trabalhava no Correio do Povo. Em certa manhã, às vésperas de se encerrar o prazo das inscrições para o extinto Prêmio Visconde de Cayru, que destacava reportagens sobre o comércio, li uma reportagem sua, maravilhosa na abordagem humana dos problemas enfrentados pelos pescadores artesanais do Guaíba.

Como se recusasse a inscrever o trabalho no concurso, eu o fiz à sua revelia, e ele só aceitou o fato porque consumado e porque a “ursada” tinha sido obra minha. Quando o resultado saiu, Clóvis era o vencedor e eu, o segundo colocado.

Corri à redação da Folha da Manhã para abraçá-lo e ao mesmo tempo me vingar da sua teimosia, dizendo-lhe: “Tu não entendes nada de jornal, otário!”

Ele não estava. Foi Zeca Vieira da Cunha, outro grande jornalista daquela geração, hoje no leme da revista eletrônica Coletiva.Net, que me informou: “Ele saiu com o Alemão!”

O alemão era Floriano Corrêa, chefe de reportagem e paizão de toda aquela gurizada que começava. Fui encontrar os dois no bar do edifício vizinho, o Clóvis Ott zangado e chorando. Zangado porque achava que não merecia o prêmio, chorando porque tinha me vencido, eu que o inscrevera.

Foi preciso proferir a frase mágica – “Tu não entendes nada de jornal, otário!” – para que todos caíssemos na gargalhada.

Depois disso, muito pouco encontrei Clóvis. Foi para a Europa, fez nome na publicidade, notabilizou-se como correspondente internacional, destacou-se na cobertura da Revolução dos Cravos que devolveu a democracia a Portugal.

Voltou para Porto Alegre nos anos oitenta, mas a cidade já tinha inchado e as muitas passarelas e viadutos haviam terminado com as encruzilhadas mais importantes. As pessoas passam lá cima ou aqui em baixo, como se ocupassem o mesmo lugar no espaço e o pior – sem se enxergar.

Só que o tempo ou a geografia não diminuem nem a admiração nem o afeto que a gente nutre por criaturas como Clóvis Ott. Ele pertence àquela legião dos que sobrevivem para sempre na ternura e na beleza que semeiam no coração de seus semelhantes.

4 comentários:

  1. Anônimo8:44 PM

    Poxa, Jayme. Belíssima homenagem a esse mestre. Escrevi uma também, no meu blogue. Mais chula e menos poética. Mas a admiração pelo Clóvis é a mesma.

    (Dificilmente vais lembrar. Mas, em 95, quando passei no vestibular pra jornalismo, liguei gaguejando pro teu programa. Deste um cumprimento simpático dando força. Mais adiante, fui cair na mão do mestre Clóvis. Aí é que eu comecei a acreditar de verdade no tal do jornalismo. Meu forte abraço pra ti.)

    ResponderExcluir
  2. Desculpa o atraso da resposta, Marcelo. O meu computador andou "asmático".
    Me lembro da tua ligação, sim. É a convivência com colegas como o Clóvis que nos faz "acreditar de verdade no tal do jornalismo", como dizes.
    Abraços.

    ResponderExcluir
  3. Anônimo1:08 AM

    Estimado Sr. Jayme Copstein,

    Meu nome é Marcos Renner Ott, filho do Clóvis Ott. Eu estava navegando, quando, de repente, me deparei com essa coluna escrita por você um dia depois da morte do meu pai. Gostaria de agradecê-lo pelos elogios feito a ele e por mais uma história, inédita, pelo menos para mim, sobre o meu querido pai.

    Grande abraço,
    Marcos.

    ResponderExcluir
  4. Não há o que agradecer, Marquinhos.
    Afora a Justiça da homenagem, a necessidade de registrar a história do jornalismo gaúcho.
    Abraços do
    Jayme

    ResponderExcluir