segunda-feira, 31 de julho de 2006

Fora da conta - Jayme Copstein

Será a guerra moderna uma batalha de relações públicas em que se contam, para ganhar a simpatia da opinião pública mundial, apenas os inocentes do nosso lado – as nossas crianças, mulheres, velho e doentes – imolados pelos erros do adversário?
É como se tudo tivesse começado naquele momento em que os habitantes de um prédio residencial na aldeia libanesa de Quana foram trucidados pelo bombardeio israelense. O que pode ter acontecido momentos antes, quando uma plataforma móvel de lançamento de mísseis foi levada para o prédio, para atrair a mira automática e precisa dos radares, não está sendo contado.
É como se tudo tivesse começado, naquele momento, em que aquelas crianças foram estraçalhadas e não há décadas, com homens-bombas em ônibus que levavam crianças israelenses para a escola, e até crianças-bombas, como a foi explodida em uma lancheria de Tel-Aviv, onde um adolescente de 13 anos comemorava com a famílias e seus amigos o bar-mitzvah, a maioridade judaica.
Isso não está sendo mais contado.
Naquele exato momento, um plano de paz, prevendo a reparação dos danos da guerra, a normalização de relações entre Israel e o Líbano, porém com o desarmamento do Hizbollah, havia sido concertado por Condoleezza Rice e aceito pelo governo de Tel-Aviv. Seria submetido em seguida ao governo de Beirute. Só que o Hizbollah não podia aceitá-lo. Daí, a plataforma de lançamento de mísseis no prédio residencial de Qana.
É o que ainda não foi contado.

Comentários:
Anônimo: Por que não dizer que começou em 1.948, ou melhor antes da 1a. guerra ? Ou talvez começou no Antigo Testamento ? A verdade é que todos estão pouco se lixando. Afinal por que Israel não ataca a Síria? Nessa briga quem sempre 'paga o pato' são os libaneses e palestinos. Gosto muito de seu blog por que vai fundo nos problemas. Mas às vezes percebo seu viés conservador. Mesmo sendo judeu, você deveria ser mais humanista e não tão pró-Israel. Você tem que estar do lado da humanidade.

Blog:
“Fora da conta” teve por objetivo mostrar o outro lado da questão. Em momento algum justificou o que vem a ser mais um ato neste confronto de tragédias (a dos judeus e a dos palestinos) do Oriente Médio. Nada a ver com “posições conservadoras”, seja lá o que isso signifique, principalmente em relação à análise de problemas brasileiros. Contudo, veja o que se pode fazer com as palavras: ao dizer que tenho de "estar ao lado da humanidade", significa que a humanidade está contra Israel? Não conheço quem tenha procuração para falar por "toda a humanidade" e há muita controvérsia a respeito, principalmente de parte dos cristãos libaneses, massacrados, não pelos israelenses.

sexta-feira, 28 de julho de 2006

Receita de poder - Jayme Copstein

O Brasil teima no equívoco de tentar resolver os problemas dos seus negros com números, sem atinar que afeta também as camadas mais pobres de todas as demais etnias. É a péssima qualidade do ensino público, escolha sem alternativa para quem não pode pagar, o fator que alimenta a ignorância e realimenta a pobreza.
Fale-se com qualquer ministro de Educação, seja qual for o governo, e ele despejará um caminhão de números bilionários, naturalmente queixando-se de que a imprensa – sempre a imprensa – não os divulga. Só que estamos todos cansados de saber – não fossem apenas números e contivessem algum resquício de qualidade, frações do alegado bastariam para amenizar e em muito os problemas que nos afetam.
O Inep – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais – acaba de divulgar os dados do Censo Escolar de 2005, o primeiro que se faz no país, pesquisando a cor da pele, se branca, preta, parda, amarela, indígena. Como inicialmente a pergunta causou grande polêmica, foi acrescentado um último quesito – sem declaração. Pois cerca de 20% dos alunos preferiram esta resposta, ou seja, não responder, e não se sabe se são todos negros, achando que a omissão ameniza a tragédia pessoal ou se aí também há brancos, indignados ante a possibilidade de se incentivar o preconceito.
O fato não pode ser descartado porque, em se tratando de Censo, o universo reduzido, o de 80%, não propicia dados suficientes para a formulação exata de uma política educacional que inclua todos os brasileiros, independemente da sua condição social, religiosa, o que for.
Acaba não tendo importância porque, falando francamente, os políticos que temos não estão interessados em nenhuma política, seja educacional ou não. Quando mais mantiverem a grande massa na ignorância, mais conseguirão engajar eleitores alienados. É a sua receita para se perpetuarem no poder.

A morte de um tempo - Jayme Copstein

Lançado ontem na Associação Riograndense de Imprensa, o novo livro de Sérgio Dillenburg mostra porque um certo Rio Grande do Sul ficou para traz e acabou sepultado nas dobras do tempo. Não que tenha sido a intenção do autor defender a tese em “Do reclame ao marketing” – este é o nome do livro - projeto de Erica Coester através da Alternativa Consultoria. O que Dillenburg, pesquisando a história do jornalismo gaúcho, pretendeu e conseguiu com precisão, foi traçar o papel da propaganda no fortalecimento do rádio como veículo de expressão.
A leitura do texto, contudo, mostra como foi. São citadas nominalmente a Cervejaria Continental e A.J. Renner, conhecidas por serem avessas à publicidade. A Continental foi vendida para a Brahma e a Renner tornou-se anunciante à altura da sua própria grandeza só quando os primeiros frutos apareceram, após Harry Kley, valendo-se de amizade pessoal, conseguiu convencer Jacob Renner a lhe dar “reclames”.
A difícil relação desses empresários com a publicidade é sempre retratada por aviso afixado na ante-sala de seus escritórios e reproduzido por Dillenburg no livro: “Esta casa não dá esmolas e propaganda”. Mais significativo é o relato de Alcides Gonzaga, em “Homens e coisas de jornal”. Não querendo desagradar um jornalista de quem gostava muito, Antônio Chaves Barcellos pagou o preço do “reclame”, com a condição de que não fosse publicado, para evitar outros pedidos.
A concorrência de empresários de fora do Estado, promovendo vendas em massa de seus produtos, abriu o orçamento da antigas empresas para a propaganda, mas não o seu espírito. Internamente, ele ainda se mantinha, equiparando esmolas e reclames. Foi por isso que o tempo as sepultou em um de seus desvãos.

Crime inominável

Fatos podem ser distorcidos com facilidade nos noticiários de rádio e tevê até pela ênfase que um repórter dá ao seu relato. Exemplo, as imagens da TV Globo, ontem, mostrando a repressão a desordens em uma partida de futebol, o repórter dizendo que a Polícia ao usar cassetetes, que nem remotamente podem ser consideradas armas mortais, “agiu com extrema violência contra torcedores que explodiam bombas de fabricação caseira”.
Todos conhecemos até demais as conseqüências destas desordens, seguidamente ocupando as manchetes dos jornais. Ninguém vai se dar ao trabalho, por absurdo e irreal, de perguntar, em nome dos que já morreram nessas tropelias, qual a maneira pacífica de enfrentar quem lança bombas de fabricação caseira. Um hino religioso, um samba de carnaval ou quem sabe um discurso contra as elites?
Mas não se culpe o jovem repórter. Ele traz a visão destorcida dos bancos acadêmicos, onde se instalaram confortavelmente alguns beleguins de ideologias totalitárias, que exploram a sede de justiça da juventude para arregimentar os mais ingênuos em tarefas de propaganda.
É o caso do Oriente Médio, em que tragédias em confronto, a de palestinos e judeus, é mostrada com essas distorções para semear conflitos onde eles não existem. A insistência em contabilizar brasileiros mortos no conflito entre Israel e o Hizbollah, no Líbano, da própria TV Globo, teve como conseqüência a pergunta de um empregado, em conflito com seu patrão: “Por que os judeus estão matando os brasileiros do Líbano?”
É tradição no Brasil a integração e até o entrelaçamento de etnias e credos religiosos, os mais diferentes. Aquela frase de. Getúlio Vargas, que as raízes de qualquer brasileiro estão plantadas na cozinha ou na senzala, agora é modesta. Hoje, cada um de nós tem essas raízes em qualquer continente habitado do planeta. Eu próprio, judeu que sou, tenho netos em cujas veias correm oito etnias identificáveis, de negros a alemães, com generosa contribuição árabe.
Distorcer, portanto, acontecimentos por mera submissão a interesses internacionais de uma ideologia, é trair compromissos assumidos de informar com a maior precisão possível, mas acima de tudo com absoluta honestidade. Pior, é conspirar para destruir o que o Brasil tem de mais precioso: uma história única de convivência fraternal de todos os povos que aqui buscam a paz não encontrada em seus países de origem. É um crime inominável.

Comentários
Anônimo:
Parabéns pelo comentátio.Também já me perguntei o porquê só brasileiros e libaneses estão sendo vítimas. E em Jerusalém? E quem são os integrantes do Hisbollah? Santos?
Acho que o senhor sendo tão claro em sua exposição, poderia contribuir para esclarecimentos à população, colocando suas opinião na mídia, que é o veículo de maior de comunicação existente.

quinta-feira, 27 de julho de 2006

Curandeiros e pajés - Jayme Copstein

Como não podia deixar de ser, por mal escrito e eivado de inconstitucionalidades, o governo vetou o novo projeto de regulamentação profissional do jornalismo. Mas curiosas são as reações, tanto de aplauso como de crítica, antagônicas entre si, ambas absolutamente descabidas.
Não há o que lamentar nem o que festejar no caso. Mais valeria que o bom-senso restabelecesse o centro da polêmica, a envolver, de um lado, vaidades equiparáveis a de curandeiros que desejam passar por médicos; de outro, a de pajés, tentando capturar o poder absoluto sobre a tribo, em nome de Tupã.
A nossa regulamentação profissional envolve o aprimoramento cultural do povo brasileiro, através da formação universitária do jornalista. Se o ensino superior despeja magotes de analfabetos diplomados em todas as profissões, não só no jornalismo, aí é uma questão da imoralidade que envolve sucessivos governos, adeptos de números em desfavor da qualidade.
A moralização do exercício profissional do jornalismo é luta antiga da categoria, que há 30 anos exigiu a regulamentação como forma de banir excrescências, como a de uma manicure, que exercia sua profissão em salões de barbeiro no centro de Porto Alegre. Ela era a jornalista bem mais paga do Brasil. Um conhecido empresário, até líder de classe, a usava como laranja para “descarregar” despesas. Naquele tempo, jornalistas e professores eram isentos do imposto de renda.
A luta da categoria, hoje, é por uma efetiva fiscalização das leis em vigor. Estamos cansados de o Ministério do Trabalho alegar falta de gente para fiscalizar e banir a intrujice. Mas não é nos transformando em “Grandes Irmãos”, que vamos resolver o problema.

quarta-feira, 26 de julho de 2006

Os escribas de Ramsés III - Jayme Copstein

Há mais curiosidade do que expectativa sobre o que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva vai fazer com o projeto de lei que amplia de 11 para 23 as funções de jornalista com exigência de diploma. Vetará ou não, no todo ou só em parte a nova tentativa de restringir a liberdade de a opinião no Brasil?
O presidente está pisando em ovos porque, às vésperas das eleições, sua decisão, seja qual for, tem custo político. Pouco importa, entretanto: o projeto, elaborado pela Federação Nacional dos Jornal é tão mal escrito – o que aliás não recomenda jornalistas – é tão manifestamente inconstitucional que não resistirá a qualquer contestação na Justiça. Aliás, é a própria ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Roussef quem reconhece: “O governo acha que, em várias partes, o projeto tem problemas sérios de ilegalidade”, ela afirmou. O Ministério da Justiça recomendou o veto integral.
Não se precisa mais do que bom-senso para se perceber os absurdos pretendidos pelo projeto. Já não se pergunta para que um fotógrafo ou cinegrafista necessitam da formação de um “canetinha”, como eles chamam os repórteres que colhem a notícia e redigem a matéria. Vamos nos fixar nos colunistas, profissionais especializados que abordam temas específicos de medicina, direito, economia e por aí afora. A exigência de um curso de jornalismo para um médico divulgar pela mídia temas de saúde equivale à exigência de curso de medicina a jornalistas que queiram tratar do assunto. Ou então, curso de educação física para os que queiram comentar futebol, vôlei, qualquer outro esporte.
Apresentei este argumento a um colega entusiasmado com a pretendida regulamentação. Ele contrapôs: “Não, será assim - o médico dita para um jornalista escrever a matéria”. Eu o divisei com uma pena de íbis na mão, desenhando hieróglifos em pedaços de pergaminho. Ele ficaria muito bonitinho, fantasiado de escriba egípcio.

Nas águas do Grande Irmão

A 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul acaba de descriminalizar a bigamia. Se desembargadores têm poder e alçada para revogar a legislação penal, que antes era só do Congresso, eis um debate edificante e altamente filosófico na busca pelo sexo dos anjos.
A decisão reconheceu como estável, equiparando a casamento, uma união que o jornal noticia como “paralela”, sem dar conta de que é simultânea e caracteriza crime de bigamia. Terá chegado, com duas décadas de atraso, o profético 1984 de George Orwell, para substituir pelo arbítrio a inteligência e o discernimento na resolução dos conflitos sociais?
O que parece existir, aí sim, é um poder tentando estabelecer-se paralelamente, à margem da Constituição. Ao contrário da liberação de costumes que aparenta, sufoca o direito de ser ou deixar de ser por obstruir o entendimento e anular a capacidade das pessoas de concordar ou discordar. Elas se integração a um rebanho confuso e passivo, que jamais saberá quando a água é vinho ou o vinho é água sem que o Grande Irmão decida.
Era essa a idéia de Orwell ao denunciar a farsa do totalitarismo. Mas, afinal, se uma união simultânea é tida como casamento autêntico, é ou não é bigamia? Diz o jornal que o desembargador-presidente da 8ª Câmara Cível acha que não porque o”o homem já estava morto quando o processo se iniciou”.
De novo uma interpretação muito original. A morte pode extinguir a punibilidade, mas não o crime. Ou será que morto o ladrão, o roubo deixa de existir?

Culpar Israel

Conversei com o jornalista Nahum Sirotsky, um dos mais bem equipados correspondentes internacionais, sobre os recentes acontecimentos do Oriente Médio. Eu lhe manifestei preocupação porque o noticiário divulgado no Brasil tem nítido sinais de distorção.
Houve coisas ridículas como o desleixo do Jornal do Brasil, em sua página na Internet, estampando, em lugar de título, a recomendação: “Culpar Israel”. Mas há exemplos piores, como as contradições de noticiosos da Rede Globo, quer em seu canal aberto, quer na GloboNews.
Seguidamente vão para a tela imagens de um foguete atingindo um edifício em zona residencial, em cujo terraço o Hizbollah instalara uma plataforma de lançamento, segundo informação do repórter da própria Globo, Marcos Losekan. Tinha sido fornecida pelo Exército israelense, para mostrar a precisão na mira do alvo, evitando, tanto quanto possível, danos a outros prédios e a civis.
A informação só apareceu em um boletim. Em seguida escamoteada do noticiário e a imagem hoje é usada para ilustrar qualquer bombardeio israelense.
Ontem mesmo, ao relatar o recrudescimento das ações, a Globo afirmava na chamada que, após 24 horas de calma, Israel havia retomado os bombardeios e com isso desencadeado o revide do Hizbollah. No corpo da matéria, entretanto, o repórter Marcos Losekan, afirmava que voltando o Hizbollah a atacar com mísseis, Israel revidara, retomando os bombardeios.
O direito à opinião é de todos. Vivemos em uma democracia. É tão irrestrito quanto o que todos temos, independemente de nossas simpatias ou ojerizas, a informações imparciais. Foi por isso que conversei com Nahum Sirotsky, que vive em Israel. Ele diz:
“ Em Haifa, há poucos instantes, caíram 15 misseis sobre uma mesma área com grande destruição e sem vitimas. Foram mais de mil, até agora, os mísseis lançados contra centro urbanos de Israel, não poupando nem mesmo Nazaré, a cidade onde nasceu Jesus, e de população predominantemente árabe.
Os religiosos judeus insistem que a reduzida perda de vidas é um milagre. Com tão intenso bombardeio, apesar da grande destruição que esses mísseis provocam, os mortos são apenas 20. Explica-se: ao longo dos anos, os israelenses construíram um sistema de abrigos subterrâneos, nos próprios edifícios residenciais. Nos prédios mais recentes há inclusive um quarto que se isola do exterior para a hipótese de ataque por armas quimicas e biológicas.Assim mesmo o número de feridos é grande.
Os números de baixas, do lado do Líbano, não são conhecidos com precisão. Há muita informação desencontrada. Calcula-se que haja 300 mortos, mas a extensão da tragédia pode ser medida, entretanto, pelas centenas de milhares de libaneses que deixaram seus lares, para fugir dos horrores da guerra.
O impasse para o cessar fogo está em chegar-se a um acordo que não favoreça a imagem do Hisbollah. Seu objetivo único e declarado é a destruição de Israel. Não há como conviver com isso.”
São informações objetivas, sem distorções.

Comentário

Anônimo:
Escrevo artigos, discursos, etc..
Uma pessoa representativa, instado por libaneses locais, pediu-me um artigo. Pessoa lúcida, aceitou a minha linha de argumentação: o Libano,também é vítima do Hizbzllah e seus fanáticos aliados.
A colônia parece não ter gostado muito, mas para outros caiu a ficha.
Creio que se deve insistir neste ponto, ainda não assimilado e terrivelmente coberto pela mídia.

terça-feira, 25 de julho de 2006

De Cristóvão a Onofre - Jayme Copstein

Hoje é dia de São Cristóvão, padroeiro dos motoristas. Só que, nas estradas estaduais do Rio Grande do Sul, eles teimam em dirigir embriagados. Na primeira metade de 2006, já foram presos 107 bebuns, o dobro do ano passado. Então, não adianta rezar para São Cristóvão mesmo porque, para cachacheiros o santo é o outro: Onofre.
Aliás, apesar da popularidade, os dois andaram cassados naquela espanada dos altares, procedida pelo Vaticano em 1969. Não havia provas da sua existência. A popularidade de Cristóvão fez com que fosse devolvido à santidade. A seu respeito consta que foi martirizado no ano 250 da Era Cristã, mas não se sabe seu nome verdadeiro. Daí, negar-se que tenha existido.
Pagão de nascimento, como era um homem alto, de muitos músculos e pouco cérebro, ao converter-se ao cristianismo foi orientado a praticar a caridade à beira de um rio, transportando de graça, nas costas, de uma margem a outra, pessoas que não pudessem pagar o barqueiro. Ganhou, então, o nome de Óforo que, em grego, significa carregador.
Um dia lhe coube transportar um menino que, de tão pesado, o fez chegar ofegando na outra margem. O menino lhe explicou: “Te pareci assim tão pesado porque carrego nas costas os pecados do mundo. Eu sou Cristo. Porque me transportaste, te chamarás Cristóforo, o carregador de Cristo”. A palavra evoluiu, em português, para Cristóvão; em espanhol para Cristobal; e, em inglês, para Christopher.
Vamos repetir: não adianta apelar para São Cristóvão quando se dirige bêbado. O santo é outro, Onofre. Como ele também gosta de “umas-e-outras”, não dá para contar com ele.

segunda-feira, 24 de julho de 2006

O demônio e suas circunstâncias - Jayme Copstein

É só uma palavra. Muda de formna, de acordo com as circunstância, mas é definitiva como sentença para condenar o “outro”, que também é “o outro” por imposição da religião ou da ideologia.
Chama-se isso “demonização”. A palavra “elite” é exemplo. Assaltam-se os cofres públicos, conspira-se contra a ordem democrática. São apenas “pequenos equívocos”. Não o roubo desenfreado, o atentado à liberdade, mas o deixar-se descobrir. O crime mesmo, a culpa, é de quem, indignado, denuncia. É uma “elite”, é uma minoria apegada seus privilégios e à moral burguesa. “Privilégios” e “burguesia” também é demonização.
Fica muito claro: o “demônio” é um só, eternamente inconformado.com os deuses que, como dizia Voltaire, inventam paraísos religiosos e políticos quando encontram otários.
Mudam as circunstâncias, variam as palavras, permanece a sentença. Na ordem dia, truculência. A de Israel. Não a do Hizbollah com seus 3.500 foguetes, de alcance médio, fornecidos pelo Irã, massacrando gente indefesa de áreas agrícolas.
Baalbeck, no Líbano, é atingida, a indignação cresce. Marcos Losekan conta em boletim da Globo que o Hizbollah instala suas plataformas de lançamento em cima de edifícios residenciais, escondendo-se no meio da população civil, para atacar sem ser revidado. A informação é fugaz. Evapora-se no boletim seguinte.
Nazaré é alvo premeditado dos foguetes do Hizbollah. Não há indignação, não se diz que monumentos históricos também são esconderijos de terroristas, não se fala que é a cidade de Jesus. Foi lá que ele nasceu. Lá não há nenhuma instalação militar.
Terá Jesus deixado de ser história e virado o demônio da vez?

sexta-feira, 21 de julho de 2006

Sem apelação - Jayme Copstein

Está chegando ao fim o primeiro ato da tragicomédia que os anais do Judiciário e do jornalismo vão registrar como o Caso Richthofen. Começa com o massacre a cacetadas de um casal adormecido, planejado pela filha e executado pelo namorado e o irmão dele. Termina com o espetáculo circense, montado no Tribunal do Júri de São Paulo, em que não faltam até lencinhos oportunos para aparar lágrimas subseqüentes. O segundo ato só se conclui daqui a alguns anos, quando as muitas apelações forem julgadas.
É Shakespeare ou filme mexicano? O grande problema é o espetáculo de mau-gosto, passando ao público a impressão de que a justiça tenha mais a ver com uma partida de futebol, onde alguém, já nos descontos, pode aparecer com o chute decisivo vai mudar a sorte do jogo. Ou um argumento decisivo, não uma prova, para mudar o rumo do julgamento.
Leis penais, ritos de processo, provas técnicas, nada disso parece ter importância. A imprensa, que deveria fiscalizar, como lhe cabe, em nome dos interesses maiores da sociedade, colabora com o espetáculo de mau-gosto, pautando repórteres que ignoram até coisas comezinhas do Tribunal do Júri e regorgitam em suas tevês as chicanas dos espertos bacharéis.
Pouco importa, depois de tudo, se os assassinos serão condenados a 20 ou 200 anos. A sentença mais preocupante é outra: o Brasil, por ter perdido as referências éticas em todos os níveis, está sendo condenado a ser o eterno país do carnaval.
Sem apelação.

quinta-feira, 20 de julho de 2006

Sentença exemplar- Jayme Copstein

A Justiça do Rio Grande foi exemplar ao julgar o atropelamento de uma senhora no centro de Cachoeira do Sul, em 2001, por um menor de 14 anos, que dirigia o carro da família. A 3ª Câmara do Tribunal de Justiça do Estado acaba de condenar os pais do menor a dois anos de detenção, para punir a sua irresponsabilidade. Como não é o caso de cadeia, a pena foi substituída pela prestação de serviços à comunidade e não por aquelas inócuas cestas básicas que além de estimular ainda barateavam a impunidade.
É isso que se chama tolerância zero. É o fim do “sabe com quem está falando”, e do gente de ”boa família”. Pessoas de bem não entregam um automóvel a um menino de 14 anos para mostrar que ele “ já é um homem”.
O que leva a outra reflexão: se em contraposição alguns juízes não estimulassem a impunidade de motoristas imprudentes, criando dificuldades na sua prevenção através das multas e punições previstas pelo Código Nacional de Trânsito, muitas vidas poderiam ser poupadas, inclusive a da própria a turma do “sabe com quem está falando” e das “pessoas de bem”.
Só o que falta agora é a notícia de que o cumprimento desta sentença seja fiscalizado com rigor para que o exemplo não se perca nas poucas linhas deste comentário.

Os órfãos do Brasil - Jayme Copstein

Para a Justiça brasileira, a orfandade no Brasil deve ser uma questão de tempo ou de metro: quanto mais alto e mais velho, mais órfão o individuo fica, com o direito a grudar as presas na teta gorda da Pátria.
Não fosse assim, não faltaria atenção nem dinheiro para dar assistência aos pirralhos de metro e meio de altura, meninos e meninas de 12, 13, 14 anos de idade, que andam pelas esquinas, pedindo esmolas, boa parte deles órfãos até de pais vivos.
Não que falte a vontade de atender e o dinheiro. Nada se insinue, por favor contra a inteligência e a sensibilidade dos ilustres magistrados. É que nada sobra depois de atender aos órfãos maiores, como os filhos dos filhos dos filhos dos veteranos da Guerra do Paraguai, os descendentes de Tiradentes, que nunca os teve, os reprimidos pela ditadura militar, aos quais acaba de se juntar o jornalista Hermano Alves, com uma indenização milionária de 2 milhões e uma suculenta aposentadoria mensal de 14 mil reais.
Pois a Justiça brasileira, por decisão do Tribunal Federal de Brasília, acaba de criar a nova categoria dos órfãos da Varig e da Transbrasil. A desembargadora Neuza Alves da Silva concedeu tutela antecipada, ordenando que o governo complemente os valores dos benefícios aos respectivos aposentados e pensionistas, porque deveria ter fiscalizado a administração do fundo de pensão, o Aerus, e não o fez com competência.
Não duvidem que, nesta senda, qualquer dia o nosso magnânimo Congresso inclua entre as cláusulas pétreas da Constituição o direito à orfandade dos maiores, reservando os primeiros lugares da fila aos deputados cassados por corrupção e aos demagogos de quem o eleitor já cansou.
Quanto ao demais órfãos, os esmoleiros das esquina – por que a preocupação? Continuarão cada vez mais órfãos.

quarta-feira, 19 de julho de 2006

Na ponta do lápis - Jayme Copstein

Com 44 por cento dos eleitores manifestando indecisão ao DataFolha, é malícia ou irresponsabilidade, senão a soma dos dois, fazer prognósticos sobre as próximas eleições presidenciais. O tema já foi aqui abordado quando DataFolha fez pesquisa em 7 de julho (ver “A aritmética dos espertos, neste blog) e 45% por votantes, um por cento a mais então, dentro da margem erro de 2%, recusavam revelar seu voto.
Este um por cento de diferença mexeu com a posição de três dos candidatos no ranking fictício e foi suficiente para mudar a profecia que dava corujas peladas no primeiro turno. Mesmo persistindo a babaquice do “se a eleição fosse hoje” (ou se o jogo de futebol terminasse no momento em que alguém marcou um gol), ainda que a ecografia tenha terminado com o enigma na barriga das mulheres, continua valendo o velho provérbio: de cabeça de juiz e boca de urna nunca se sabe o que pode sair.
Façamos contas simples, ao alcance de toco de lápis e resto de papel de embrulho. Pode ser até a estreita margem branca dos jornais. Se descontarmos os 7 por cento dos eleitores que permanecem firmes em sua obstinação de voto branco ou nulo, os 55 por cento dos que já revelaram sua intenção, reduzem-se a 47%, menos da metade do eleitorado. Sobram para a disputa 55 milhões de votos, mais de quatro vezes a diferença entre os principais candidatos.
Repita-se: com estes números, é malícia, senão for irresponsabilidade, qualquer prognóstico sobre as eleições presidenciais de outubro…

O jogo da verdade - Jayme Copstein

O julgamento de Suzane Richthofen e dos irmãos Cravinho é um espelho da hipocrisia que preside os julgamentos pelo Tribunal do Júri no Brasil. O que menos parece importar é a apuração da verdade.
A título de permitir o amplo exercício da defesa, temos apenas a imitação barata de filmes norte-americanos de terceira categoria. A única verdade apurada do espetáculo de mau-gosto é que “ampla defesa” não passa de carnaval para embotar o entendimento dos jurados, para dissimular impunidade à disposição de quem possa pagar bons advogados.
Há de tudo nesse julgamento, até agressão à própria legislação que define o ritual do nosso Júri. Depoimento de testemunhas em plenário só é admissível diante de fator superveniente – alguém que saiba algo não conhecido no correr do inquérito judicial, relevante para a apuração dos fatos.
O defensor dos Cravinho arrolou quase uma dezena de testemunhas, a mãe do acusado e vizinhos amistosos que, de repente, descobriram: os meninos são muito bonzinhos, apenas arteiros. Têm como passatempo predileto massacrar a bordunadas um casal milionário adormecido.
O advogado de Suzane não fica atrás. Admitiu publicamente estar escamoteando um argumento-bomba para o final do julgamento. Artimanha para confundir ainda mais os jurados, obstrução da justiça e infração à ética, só induz a uma indagação: por que o mesmo espetáculo de ampla defesa não está presente no julgamento daqueles assassinos e estupradores do casal de namorados Liana Friedenbach e Felipe Caffé?
A brutalidade foi a mesma nos dois crimes. A diferença é a herança milionária dos Richtofen.
É a única verdade em jogo.

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Comentários:

Jaime Gimenez Jr:
Por falar em hipocrisia...se a Suzane fosse uma favelada talvez o assunto não estivesse nem no jornal do bairro.

Blog: Vocês já acessaram o site do Gimenez? Pois cheguem em www.jgimenez.fot.br que vale muito à pena. É um banho de bom humor e inteligência.

Anônimo: Discordo deste tipo de comentário, que "se Suzane fosse pobre". Acho o contrário, se Suzane fosse pobre, certamente um juiz "bem brasileiro", fazendo "justiça social" diria que ela é uma coitada, uma vítima da exclusão social, que "foi levada" a cometer o crime pela sociedade, quem sabe até mereceria uma indenização do governo por isso. E por favor, não me digam que não é bem assim: se alguém sem um tostão furado, por exemplo, roubar R$ 100.000,00, e for preso, não se é cobrado o dinheiro dele, afinal, ele é pobre, coitado. O prejuízo fica para quem foi roubado, e o ladrão sai livre leve e solto no máximo em meia dúzia de anos... É ou não é "totalmente excelente"??

terça-feira, 18 de julho de 2006

Santos Dumont, seu lugar no céu - Jayme Copstein

Comemora-se este ano o centenário do primeiro vôo bem sucedido de um artefato mais pesado do que o ar. É o que hoje chamamos de avião. Naquela época era aeroplano. A efeméride reacende a velha polêmica que confunde a primazia do vôo com a invenção do próprio avião.
Quem inventou o avião? Ninguém. Resultou de longo aperfeiçoamento, começado sabe-se lá quando, que tem até historinha de grego: Ícaro, despencando do céu porque chegou muito perto do Sol e a cera que prendia suas asas derreteu.
Quem voou primeiro com algo mais pesado que o ar, que conseguisse subir com energia gerada dentro do próprio artefato, foi indiscutivelmente Santos Dumont. Está registrado oficialmente como recorde no Aeroclube de Paris, testemunhado por uma multidão e perpetuado por filmes e fotografias.
O vôo dos irmãos Wright, também documentado pela imprensa, em 1903, três anos antes, sequer se aproximava deste feito. Mal-comparando, era como se fosse um desses aviõezinhos de papel que a gente lança com a força do braço. Muito maior e pesado, precisava de uma catapulta para planar no ar. Não haveria braço que o fizesse decolar.
O problema é que a polêmica esconde, até de nós, brasileiros, o lugar bem mais importante que Santos Dumont ocupa na história da aviação. Deve ser equiparado a Cristóvão Colombo e a todos os descobridores que libertaram o homem para a civilização. Foi ele quem percebeu que os balões flutuam no ar como os barcos flutuam na água. Neles adaptou um motor de automóvel aos balões, para não depender do vento, e também o leme que permitiu navegar para a esquerda e para a direita e voltar para o ponto de partida. Sem isso, os balões não teriam nenhuma utilidade prática.
Mais tarde, o problema se apresentou com os aviões, para fazê-los subir e descer sem que se esborrachassem no chão. De novo, funcionou o gênio de Santos Dumont. As asas do seu 14 Bis eram dotadas de caixas que se moviam para cima e para baixo, fazendo com que o ar impelisse o avião para o alto ou o trouxesse suavemente para a terra. Sem essa descoberta, não teria havido aviação. Sem Santos Dumont, teria demorado muito mais para ser descoberto.

segunda-feira, 17 de julho de 2006

Da teoria à prática do Direito - Jayme Copstein

Zero Hora desta segunda-feira é uma antologia sobre a teoria e a prática do Direito no Brasil, não só no Rio Grande do Sul. Nas páginas 4 e 5, a extensa reportagem dá conta da legislação que proíbe a venda de bebidas alcoólicas a menores de 18 anos.
Na teoria. Na prática, uma placa, em casa noturna de Caxias do Sul – será apenas casa noturna? – revoga a lei e baixa o limite de idade, só para mulheres, até os 16 anos.
Já seria motivo para o fechamento da casa e o encaminhamento de todos, proprietário, gerente, empregados e freqüentadores à delegacia de Polícia mais próxima. Tinha mais, porém: um quarentão bebia vodca com duas meninas de 14 e 15 anos, alegando que eram suas sobrinhas e ele as havia liberado. Motivo de sobra para enquadrar o lustroso galã em falsidade ideológica e corrupção de menores.
Tudo na teoria. Na prática, diferente. Um habilidoso rábula de porta de cadeia provaria que o responsável era o porteiro, por desobedecer as educativas e terminantes ordens de vedar o ingresso dos menores e até lhes pregar um sermão contra o pecado. O que o tornaria merecedor de exemplar condenação.
Também na teoria. Na prática, convertida em umas poucas cestas básicas porque, como é sabido, todos neste país fizemos a opção pelos pobres.
Na teoria, é claro. Na prática, os pobres não têm nem aquela porcaria de pão que o diabo amassou.

sexta-feira, 14 de julho de 2006

Os navios submersos - Jayme Copstein

Meu irmão Raphael, professor universitário aposentado e interessante mistura de poeta tímido e filósofo perplexo, cunhou uma frase da qual nunca me esqueci: a gente passa um dia na vida da escola, a escola fica na vida da gente para o resto dos nossos dias.
Lembro-me bem do dia, em março de 1937, quando fomos, ele, eu e o primo Bernard, para o Lemos Júnior. Jaime – com “i”, o primo mais velho, era aluno antigo
O outono já estava nas ruas com seus antigos aromas de flores murchas e frutos passados. Sobravam alguns calores de verão. É possível que uma ou outra cigarra vadia ainda recalcitrasse em seu berimbau, antes de bater à porta dos formigueiros.
Mas se ainda havia cigarras, a meninada não pôde notar. O outono é quase sempre uma estação silenciosa na velha cidade e os primeiros ventos que prenunciam o inverno chegam calados e sisudos como velhos senhores que têm a grave missão de preparar um cortejo.
Naquele março, entretanto, os ventos traziam estranhos ruídos, de percussão em metal, um tanto abafados, sugerindo artesãos fantasmas, esculpindo sinos do casco de navios submersos.
A imagem não estava fora de propósito. O prédio do Lemos Júnior – agora Colégio Estadual – olha de frente, com sua porta alta e as muitas janelas, para o terrapleno oeste, junto ao Saco da Mangueira, hoje saneado, urbanizado e habitado.
Mas naquele tempo, a cidade terminava 100 metros adiante, na rua Barão de Cotegipe, limitada por um casario amarelo que secava em meio a umas tantas chácaras. Dali para frente, era puro banhadal, com greda fétida, escorregadia como sabão, atolando as vacas transviadas dos tambos das proximidades.
Por todo o inverno, a meninada continuou escutando os sinos dos navios submersos, imaginando fantasmas de corsários forjando sabres para atacar nos sete mares.
Eram as dragas, saneando o pantanal, para ser urbanizado e habitado, como é hoje. Mas sem atinar com o que fosse, acrescentávamos o nosso próprio alarido, cadenciado pelo grito dos inspetores de disiciplina, como se fosse o breque de um samba: “Meninos!”
Não adivinhávamos que, naquele momento, a realidade copiava parte da fantasia. Era de fato uma forja, na qual se modelava a vida e se traçavam os rumos de muitas gerações.
O “velho” Lemos Júnior completa hoje 100 anos.
Vêm-me à mente a frase do meu irmão Raphael: a gente passa um dia na vida da escola, a escola fica na vida da gente para o resto dos nossos dias.
As lembranças deste primeiro dia são a homenagem da família Copstein à oficina de saber onde ela forjou o seu destino.

A mágica do voto nulo - Jayme Copstein

Foi Protásio Alves, nome de uma das principais avenidas de Porto Alegre e ilustre homem público gaúcho, apesar de grandemente desconhecido do próprio Rio Grande do Sul, que escreveu estas palavras singelas em 1930: “Estou convencido de que só a educação do povo, o que não pode deixar de ser senão obra do tempo, operará melhora nos costumes políticos”.
Desde então, um quarto de século, duas ditaduras e três constituições depois, o eleitor brasileiro está perplexo diante da inutilidade de seus esforços. Já elegeu todos – médicos, engenheiros, operários, advogados, empresários, milionários, miseráveis, profetas, bruxos, mentirosos, vigaristas e até gente honesta, sem nenhuma melhora nos costumes políticos. Apela, agora, para a mágica besta: voto em branco ou nulo, para ver, de novo, no que vai dar.
Vai dar na mesma coisa.
Não é mudando de demagogia que se vai ao xis do problema. Apesar de pais da corrupção, os próprios corruptos são filhos da ignorância.
Deixar de votar é perpetuá-los no poder e o povo, no sofrimento.

quinta-feira, 13 de julho de 2006

Por trás da notícia

É estranho que a explosão de violência em São Paulo só tenha começado em ano eleitoral e que nela agora se incluam alvos políticos, como câmaras de vereadores e outras instituições da administração pública, completamente fora do interesse de meros bandidos. Algo pôde ser pressentido na ação de um dos protagonistas, mais entusiasmado com a causa e menos com a sua intenção, que pichou um “contra a opressão nos presídios”. É uma frase por demais rebuscada, absolutamente estranha ao linguajar no mundo do crime.
Mais clara, porém, foi a manifestação “espontânea”, de quem esperava condução para ir ao trabalho, em bairro afastado do centro de São Pauilo. Foi tentada por um pequeno grupo, logo dissolvido pela Polícia, com a gesticulação também por demais conhecida.
Afora São Paulo ser um Estado que pode decidir um pleito no primeiro turno, há a tentativa de exploração eleitoral em alguns discursos de cunho nitidamente paternalista. Se dá certo como tática, não se pode dizer. Que lembra máfiosos vendendo proteção em filmes de gângster, isso lembra.
A Máfia, porém, cumpria suas promessas enquanto lhe pagavam. Nem todos honram tanto a palavra empenhada.

quarta-feira, 12 de julho de 2006

Patrimônios - Jayme Copstein

Noticiário recente, destacado em todos os jornais, se não chega a insinuar o enriquecimento ilícito do presidente da República, levantou suspeitas sem nenhum fundamento. Mestre Carlos Brickmann, em sua coluna no Observatório da Imprensa, recorda aos coleguinhas lições básicas de jornalismo. Escreveu:
“A manchete sobre o patrimônio de Lula, que dobrou durante seu Governo (embora não seja nada de excepcional para um homem cujas despesas, praticamente todas, são pagas pelo Governo), traz um erro de conceito: se não há qualquer suspeita sobre o aumento de patrimônio, a manchete não se justifica. Se há suspeita, o aumento de patrimônio deve ser investigado. E, se do trabalho de reportagem resultar alguma acusação, esta sim deve ser manchete.”
Brickamnn acertou na mosca. Nossa imprensa retroage a conceitos que pareciam superados há longo tempo e nos trazem de volta o jornalismo panfletário do fim do Império e de parte da República, até esgotar-se no clímax de Carlos Lacerda e Samuel Wainer.
De novidade nem os apelidos para desmoralizar desafetos pessoais ou políticos. O que pode ter sido acrescentado são meros exercícios de ficção, impingidos como análise das pesquisas de opinião que não existiam naquela época.
O concreto é a filosofia de que o desmentido de uma notícia é outra notícia, melhor ainda. Foi herdada dos tablóides franceses que começaram a circular logo após o fim da guerra e se defrontavam com falta de credibilidade. Os jornais tradicionais tinham todos colaborado com os nazistas, ninguém mais os comprava e era preciso recapturar o leitor através das manchetes gritantes e de um pesado sensacionalismo.
É uma filosofia inadequada para os tempos de hoje em que o jornalismo impresso confronta-se é com a agilidade da mídia eletrônica, com a instantaneidade da internet, do rádio e da tevê. Não é retroagindo aos tempos da bodurna que se vai resolver a crise. O provável é perder-se a credibilidade, conquistada após a memorável reforma editorial do Jornal do Brasil, feita por Alberto Dines, e que equiparou qualitativamente o jornalismo brasileiro aos melhores do mundo.

Problemas de ortografia - Jayme Copstein

Ninguém fique triste com a perda da Copa do Mundo, apesar de todas as pesquisas de opinião nos assegurarem o hexacampeonato. Claro, temos de nos indignar porque em campo não nos estenderam um tapete vermelho para desfilarmos nossa soberania, em flagrante desrespeito às intenções dos apostadores da bolsa de Londres que elegeram a nossa vitória por dez a um.
Tudo tem compensações na vida. Se não somos hexacampeões de futebol e a Itália, imaginem o horror, já ameaça nossa hegemonia com seu tetracampeonato, temos outra façanha a comemorar: a invenção do voto bocal, aquele que dispensa o eleitor até de votar. Basta que revele ao pesquisador de opinião em quem pretende votar, para que os jornais estampem a vitória por maioria absoluta de intenção de votos válidos. Isso, é claro, “se as eleições fossem hoje”.
As especulações não levam em conta que a mais de 60 dias do pleito, as pesquisas mostram os 20% de eleitores indecisos ou que pretendem anular o voto e podem mudar de opinião até 1º de outubro. As eleições não são hoje.
O problema não é de intenções. O inferno delas está cheio, sem cogitar sejam boas ou más. O problema é a ortografia do voto bocal. Como se escreve esse “bocal” – com ou sem cedilha? Não é uma questão acessória diante da legislação que permite manipulações, mas proíbe jornalistas de rádio de tevê de abordar especificamente temas eleitorais.
Haverá boçalidade maior do que essa?

terça-feira, 11 de julho de 2006

De ladrões e censores - Jayme Copstein

Não se sabe até onde vai a censura ao rádio e à tevê no Brasil em tempo de eleição. Mas é de supor-se que não alcance preocupações de ordem semântica como a de se perguntas se não deveria haver maneira de distinguir entre pequenos e grandes ladrões.
Não é mera questão de palavras. Ouçam:
“Não são só ladrões os que cortam bolsas ou espreitam os que se vão banhar para lhes colher a roupa; os ladrões que mais própria e dignamente merecem este título são aqueles a quem se atribuem o governo das províncias ou a administração das cidades, os quais já com manha, já com força roubam e despojam os povos.
“Os ladrões pequenos roubam um homem, os grandes gatunos roubam cidades e países”. Os ladrões pequenos furtam por sua conta e risco; os grandes gatunos roubam sem temer perigo.
“Os pequenos ladrões, se furtam, são enforcados; os grandes gatunos além de furtar, enforcam os pequenos”.
Como se diz nos filmes de cinema, qualquer coincidência é mera semelhança. Ou o contrário: qualquer semelhança é mera coincidência.
Tanto faz como tanto fez. Não se precipitem, não tirem conclusões apressadas os censores e patrulheiros ideológicos de plantão. O que acabou de ser lido é trecho do Sermão do Bom Ladrão (*), pronunciado pelo padre Antônio Vieira em 1665, há 341 anos.
Só se espera que a censura ao rádio e à tevê no Brasil não alcance o Padre Vieira.
Era só o que faltava.

segunda-feira, 10 de julho de 2006

No país do vale-tudo - Jayme Copstein

Discussão estéril, a do FGTS para os empregados domésticos. O que deveria estar em debate apaixonado é a educação deficiente que gera trabalhadores não qualificados e os obriga ao trabalho, cujo regime é o do vale-tudo. Aí se origina a cadeia de delinqüência, com destaque para contrabando, sonegação de impostos, assaltos a caminhões de carga e assassinato de seus motoristas, terminando na máfia que controla pontos dos vendedores ambulantes e a pirataria da produção artística.
O que vai acontecer não é novidade. A falta de esclarecimento faz com que esses trabalhadores desqualificados considerem o FGTS como um plus ao salário. Em lugar de direitos, porém, os empregados domésticos serão também personagens de uma comédia por demais conhecida no mercado formal: simulação de demissões, com a multa de 40% devolvida ao empregador. Implica a sonegação do imposto de renda e das contribuições sociais porque o empregado continua trabalhando informalmente.
A novidade cria também uma espécie de Frankenstein jurídico: o trabalhador parcialmente regido pela CLT. Atenta contra o princípio constitucional de todos serem iguais perante a lei. Vai sobrecarregar os tribunais. Não pode haver cidadãos de segunda classe.
A palhaçada de deputados e senadores em propor, associada às hesitações do governo no veto, só é possível porque lida-se com uma maioria de eleitores analfabetos, que não entendem o que está acontecendo. Exigissem seu direito a uma educação qualificada, não aceitariam as esmolas que a demagogia lhes oferece nas vésperas das eleições em troca do voto. Baniriam da cena política, para sempre, os corruptos e os demagogos.

sexta-feira, 7 de julho de 2006

A aritmética dos espertos - Jayme Copstein

É possível fraudar pesquisas eleitorais?
A pergunta nasceu de troca de idéias com o jornalista Sérgio Reis, a respeito da falácia de que a atual eleição presidencial já estaria resolvida no primeiro turno, antes de começar a campanha.
A resposta é “sim”, mas não exclusivamente pesquisas eleitorais. Pode-se fraudar qualquer coisa, mas os institutos de especializados não teriam o menor interesse em fazê-lo. Ao contrário das aparências, eleições não têm grande importância para eles. Pesquisas eleitorais funcionam como propaganda da eficiência do trabalho..
O forte dos institutos de pesquisa é detectar o comportamento do homem comum, diante de determinadas situações, desde sentar-se na mesa do bar até empurrar o carrinho no supermercado. Tudo tem em vista a criação, o lançamento e a aceitação de novos ou revitalização de velhos produtos. O perfume do sabonete que embeleza 9 entre 10 estrelas de cinema ou a cor da embalagem da ração do cãozinho de estimação resultam de pesquisa.
É daí que vem o grosso do seu faturamento. Prever com grande aproximação o resultado de um pleito mostra como conhecem o ofício e enriquece sua confiabilidade. São extremamente técnicos e cuidadosos no levantamento dos dados, com mecanismos para prevenir fraudes. É o chamado universo de confiança, apurado repetindo a mesma pesquisa 100 vezes, na mesma camada da população. Em 95% dessas pesquisas obtém-se o mesmo o mesmo resultado; em 5% dos casos surgem disparates.
Os 95% repetidos constituem o universo de confiança. A pesquisa também é realizada várias em cada zona com pesquisadores diferentes, para evitar que preferências ideológicas ou até eventual desonestidade pessoal possa falsificar os resultados.
A fraude, pois, não é dos institutos, mas de quem interpreta as pesquisas. É o nosso famigerado jeitinho, que não passa de consumada malandragem.
No pleito deste ano, o “jeitinho” começou liquidando a eleição presidencial ainda no primeiro turno, excluindo dos dados recolhidos que 45% dos eleitores ainda não tinham decidido em quem votar ou mesmo se votariam em branco ou anulariam o voto. De forma que os 130 milhões de eleitores ficaram reduzidos a 60 milhões de votantes, bastando 30 milhões e 1 voto - menos de 30% dos 130 milhões de eleitor, para somar a maioria absoluta.
O jeitinho não parou aí. Como é preciso manter baixo o número dos votos válidos, uma bem orquestrada campanha de voto em branco ou anulação de voto foi estimulada, a partir da desilusão do eleitor com a corrupção generalizada da classe política. Sem dizer, também, que a recusa de participar na votação favorece o candidato de partido de militantes mais engajados e mais disciplinados. Em outras palavras, ao se omitir e reduzir à metade o universo dos votantes, o eleitor está votando em dobro no candidato que ele repudia mais do que os outros.

Barrigas arrepiadas - Jayme Copstein

A certeza de que a eleição presidencial já estava decidida no primeiro turno, foi uma manobra ardilosa de marketing político. A interpretação das pesquisas só levava em conta, como números definitivos, as intenções de votos válidos. Descartava as indecisões dos eleitores que ainda não tinham escolhido candidato e intenções de votos brancos e nulos, computando somente a militância que vota por convicção e é capaz de crer que a terra é quadrada e centro do universo. Basta que alguém, de “pedigree”, lhe diga.
Já que são da moda e do gosto atual as comparações futebolísticas, equivaleria a dizer, como alguns narradores esportivos, que o time A, ao marcar goal no primeiro minuto da partida decisiva, seria campeão se terminasse naquele momento.
Mas a partida não termina naquele momento. Faltam 89 minutos de jogo e teoricamente o time B pode até marcar 89 goals, um por minuto, antes do apito final. O resultado seria uma goleada de 89 a 1. Na prática é puro delírio a que nenhum narrador esportivo se permitiria.
Aconteceu, entretanto, com as pesquisas eleitorais. Computados apenas 45|% das intenções de voto, que teoricamente também podem mudar, a eleição foi dada como resolvida. Mas se assim era, por que tanta negociação, por que tanta concessão até aos inimigos mais mortais de ontem? É porque a barriga do mentiroso sempre se arrepia. Ele é o único que sabe a verdade escondida.

terça-feira, 4 de julho de 2006

Tempos de Brás - Jayme Copstein

A Justiça garante sigilo para os envolvidos na Máfia dos Sanguessugas e isso significa estender a eles a impunidade, já consagrada para os mensalões. É como se fosse uma convocação: “Corruptos de todo o mundo, aproveitai que o Brás é tesoureiro!”
Identifique-se que o Brás aqui citado é personagem fictício de um provérbio antigo, consagrado no Brasil pelo grande jurista Dacaomeu Furtado: rouba quem pode, vai pra cadeia quem é pobre.
A advertência é necessária para prevenir indenizações por danos morais, pedidas pelos descendentes de um outro personagem fictício, o Brás Cubas, de Machado de Assis, cujo provérbio é diferente e até oposto: não transmitir a miséria humana que herdou porque deseja um país decente e justo para quem vier depois. Sentimento com toda a certeza não compartilhado por esta decisão da Justiça e dos corruptos que ela protege.
Se alguém duvidar que indenizações assim sejam concedidas, que se mire no exemplo de Minas Gerais, onde recebem pensões descendentes de Tiradentes que não deixou descendência. Só nos falta, agora, conceder “algum” para compensar os filhos dos filhos dos filhos de Adão e Eva, por terem sido expulsos do paraíso.

segunda-feira, 3 de julho de 2006

A "lista" dos corruptos- Jayme Copstein

Os velhos raposões da política brasileira sabem que o voto proporcional esgotou a paciência e a tolerância da Nação. Como renunciar ao festim de corrupção lhes seria mortal, estão montando uma arapuca para acalmar o eleitor indignado. Chama-se voto de lista.
Vocês ouvirão Zé Sarney e assemelhados deitando verbo em favor desta pretensa mudança, que não muda coisíssima alguma. Só perpetua feudos. Já temos este voto de lista.
O voto proporcional é um voto de lista em que o eleitor, não o partido, indica quem será eleito para os mandatos conquistados pela legenda partidária. No pretendido voto de lista – prestem a atenção porque aí está a arapuca –a indicação dos eleitos é cassada do eleitor e transferida aos velhos malandros que proliferam em todas as legendas partidárias, alguns até transformando-as em balcão de negócios. O eleitor só vota na lista, não vota em ninguém.
É menos do que trocar seis por meia dúzia. Simplesmente o eleitor abdica do seu direito de escolher, que já lhe é furtado no proporcional, para tornar-se um mamulengo nas mãos dos raposões.
Que Zé Sarney e assemelhados desejem perpetuar este Brasil injusto, desigual, de poucos cevando-se na riqueza produzida por todos os outros, é da sua história pessoal. É inacreditável, porém, Tarso Genro defender tal deboche. Ele conhece na própria carne a manipulação das oligarquias partidárias. Ou será outro o motivo pelo qual deixou de ser o presidente nacional do PT, quando estourou o escândalo do mensalão?
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Comentários
1. Erico Valduga (Porto Alegre, RS, Brasil) - É certo: parlamentarismo e distrital puro, se possível a partir de uma constituinte exclusiva. Parlamentarismo para acabar o danoso reinado de quatro anos. Distrital puro para aproximar o eleito do eleitor, obrigá-lo a ser responsável. Seria um bom começo para o país que queremos.
Blog do Jayme - Jornalista veterano, repórter político dos melhores, faz diagnóstico correto. Ele sabe das coisas.

A inteligência do gênero - Jayme Copstein

Será que a Câmara Federal pretendeu desviar a atenção da imoralidade em que refocila, aprovando a tolice da deputada Iara Bernardi, mandando discriminar “brasileiros e brasileiras”, nos documentos oficiais? Se foi, revela outra imoralidade: desatenção, omissão e ausência, quando não está em jogo “o quanto vou levar” ou “o que vem do orçamento para meu feudo eleitoral”.
Não há nenhuma novidade na papagaiada. Foi inaugurada por Zé Sarney, na época chamado ladrão de terras com todas as letras, mas hoje o mais chegado amigo de infância do presidente da República. Depois a linha caiu nas frases feitas de Fernando Collor de Mello, do qual não se precisa repetir o que foi dito. Seus acusadores hoje rezam pela mesma cartilha em que ele se fez político.
O mais grave de tudo é até onde desceu a ignorância neste país. Afinal, a deputada Iara Bernardi é professora, e noções mínimas de semântica, a ciência do significado das palavras, deveriam constar de seu currículo.
A palavra “gênero” não significa sexo – macho e fêmea – mas designa seres ou objetos agrupados por características comuns. Todos, homens e mulheres, pertencemos ao gênero homo, e naturalmente à espécie homo sapiens, para designar os antropóides dotados de inteligência. Será que teremos de discriminar, também, a “mulier sapiens”?
É exatamente o que propôs, sem nenhuma inteligência, a deputada Iara Bernardi.