terça-feira, 31 de março de 2009

Shakespeare na Daslu - Jayme Copstein

Não sei como é em outros países. O noticiário é escasso cá por estas bandas, mas que no Brasil o Direito é um algo muito complicado, isso é. É só olhar para toda a lambança envolvendo a dona da Daslu, Eliana Tranchesi, para se ficar sem resposta à pergunta: como pode alguém ser condenado a 94 anos de prisão, se a Constituição limita em 30 anos a pena máxima a ser aplicada a qualquer crime, por mais horrível que seja?

A revista Veja afirma que, “como os crimes foram cometidos ao longo dos anos, a juíza considerou cada um deles independente e, portanto, merecedor de uma pena individual. Os sete anos por descaminho, por exemplo, foram multiplicados por seis, o número de delitos desse tipo, constatados pela investigação”.

Se a M. Juíza raciocinou assim mesmo, se o escrivão da reportagem não deduziu por conta própria, temos aí uma contradição insanável: uma única pena para seis crimes independentes. O máximo seriam seis penas de sete anos, a serem cumpridas simultaneamente, não uma pena de quarenta e dois anos que nem existe na legislação penal.

Logo a condenação não é de 94 anos, como está sendo noticiado, mas a soma de penas que hão ser cumpridas ao mesmo tempo e, com toda a certeza, relaxadas pelos mesmos benefícios – escova os dentes todos os dias, não reclama do rango da cadeia, não tira meleca do nariz e não faz pipi na cama. Cumpre apenas um sexto da sentença.

Então, a dona da Daslu, como a sua pena não deve ultrapassar 18 anos, descontados os atenuantes dos agravantes, não vai passar mais de três anos inspirando-se no sol quadrado para vender urtiga como orquídea à grã-finagem de São Paulo.

Como dizia o velho Shakespeare – muito barulho por nada. Também estava enganado. Enquanto se fala da Daslu, a caterva do Congresso é poupada: “quanto menos falardes e menos negócios tiverdes, tanto melhor para vossa honestidade”, dizia o próprio Shakespeare.

segunda-feira, 30 de março de 2009

Sigam-me - Jayme Copstein

Wanderley Soares, repórter dos melhores na área de Polícia e Justiça, é dono de um “achado” em sua coluna de O Sul: é aquele “sigam-me”, depois de relatar um fato, a partir do qual desenvolve sua tese.

Pois me lembrei do Wanderlei ao ler a notícia de que o deputado paranaense André Zacharow (PMDB) comanda um lobby de coleguinhas correligionários para torpedear a Medida Provisória 451, que estanca fraude legalizada, praticada por hospitais com os dinheiros do seguro obrigatório.

Os hospitais já recebem verbas do SUS para o atendimento médico, mas dão o “jeitinho” de convencer pacientes a lhes transferir o reembolso do DPVAT, o seguro obrigatório de veículos.

Dos cinco maiores hospitais que mamaram 16 milhões de reais nesta teta suculenta, três são de Curitiba, segundo notícia da revista “Veja”. André Zacharow preside a mantenedora do Hospital Universitário Evangélico de Curitiba, que em 2008 abiscoitou 3 milhões 960 mil reais do DPVAT. Exerce mandato de deputado federal pelo Paraná como segundo suplente, convocado após a morte de um dos titulares, Max Rosenmann.

O primeiro suplente, Marcelo Almeida ocupa a cadeira de Reinhold Stephanes, licenciado para exercer o Ministério da Agricultura. Ou seja, quem votou em Rosenmann e Stephanes, agora tem refestelados em seu voto, Marcelo Almeida e André Zacharow.

Santa simplicidade, dirão vocês, diante de mais uma denúncia. Uma imoralidade a mais, uma esperteza a menos – que diferença faz em um parlamento onde quem não é autor é cúmplice pela omissão do seu silêncio? Pois se o voto fosse distrital puro, a indignação do eleitor bastaria para dar fim à depravação política gerada pelo voto proporcional. A esta altura, o deputado Zacharow nem seria suplente, mas se o fosse, estaria enfrentando os eleitores na Justiça, se eles não estivessem de acordo com sua sabotagem à Medida Provisória 451. Como ?

Sigam-me. No voto distrital puro, o município (para vereadores) ou o estado (para deputados estaduais e federais) são divididos em distritos. Os candidatos são exclusivos de cada distrito e debatem seu programa e fazem suas promessas olho no olho do eleitor. São escolhidos por maioria de votos.

Assim sendo, permite a melhor instituição da democracia que é a retomada do mandato. Como é fácil identificar o grupo de eleitores que o escolheu por maioria de metade mais um, legítimo também é o direito deste grupo de eleitores (metade mais um) de pedir de volta o mandato e eleger outro representante, se o vereador ou deputado descumprir promessas ou mudar a postura ética ou ideológica.

Se garantir que é honesto, que não se corrompa sob pretexto algum.

Se garantir que o Quebra-Canelas FC vai ser campeão brasileiro, que monte o time, suborne os juízes, seja lá o que for para cumprir a promessa. Caso contrário, a porta da rua é a serventia da casa.

domingo, 29 de março de 2009

Ditos e achados - Nikita Kruschev

É ilusão botar o gato na cozinha, na esperança de que ele apenas engula o rato sem lamber o leite.

sábado, 28 de março de 2009

O mito dos essênios - Jayme Copstein

Tal como Atlântida, o continente submerso, cuja real existência milhares de livros jamais conseguiram provar, outro enigma – o dos essênios, seita judaica que originou o cristianismo – corre o risco de ser arquivado entre os mitos da História.

Atlântida, como continente perdido, é aludida por Platão como coisa ouvida falar. Já aos essênios, a primeira referência foi de Flávio Josefo, único sobrevivente do massacre de judeus perpetrado pelos romanos em 70 da Era Cristã, e que se tornou historiador, morrendo no ano 100.

Quando os manuscritos do Mar Morto, a versão mais antiga que se conhece do Velho Testamento, foram encontrados em 1947, aos essênios se atribuiu a autoria, considerando-se os documentos como prova de sua existência.

Recentemente, a professora de filosofia da Universidade Hebraica de Jerusalém, Rachel Elior, contestou tanto a autoria dos manuscritos como a própria existência da seita, à qual é atribuída, além do cristianismo, aorigem de outras instituições, entre elas a Maçonaria. Segundo a professora Elior, não há nada que os identifique dentro dos manuscritos.

A tese da professora Elior vai ser motivo de debates. A “História dos Judeus”, de Flávio Josefo, ao longo do tempo, depois da sua morte, sofreu acréscimos para autenticar outros mitos incorporados ao cristianismo, porque tenho sido convividos com contemporâneos de Jesus, seria testemunha idônea. É possível que os essênios apareçam dentro do mesmo contexto..

sexta-feira, 27 de março de 2009

Abusos contra idosos - Jayme Copstein

Eis um crime que não aparece muito nas páginas dos jornais, mas é registro freqüente na Justiça criminal: o abuso contra idosos, praticados por tanto por familiares quanto por espertalhões que se adonam de seus haveres, sob pretexto de caridade.

O Tribunal de Justiça do Estado acaba de confirmar sentença de primeira instância, condenando a um ano e dois meses de prisão em regime aberto, a filha que se adonou casa e da aposentadoria (cerca de dois salários mínimos), da mãe paralisada por um derrame e a expeliu para um galpão nos fundos do imóvel, sem que ninguém para lhe prestar até os mais elementares cuidados de higiene. O crime foi cometido no município de Crissiumal.

Casos assim deveriam merecer a mesma repercussão dos abusos de adultos contra menores. Em ambos os casos, trata-se de vítimas indefesas. Há verdadeiras quadrilhas agindo contra idosos, cujo discernimento desgastou-se com o tempo.

A exigência algumas formalidade para legitimar procurações e vendas de imóveis contribuiria para inibir a ação dos espertalhões.

quinta-feira, 26 de março de 2009

Os chifres do cavalo - Jayme Copstein

O presidente Luiz Lula da Silva, cuja informalidade encanta os adeptos, indigna os opositores e diverte a quem já aprendeu a não levar a sério a política brasileira, algumas vezes comete excessos censuráveis.

Ontem, em entrevista conjunta com o primeiro-ministro britânico Gordon Brown, ora em visita ao país, atribuiu a “gente branca e de olhos azuis” a responsabilidade pela crise mundial.

Lula completou o disparate, dizendo que não conhece banqueiros negros ou índios, em uma visão limitada que não é verdadeira nem mesmo em relação ao Brasil e mostra ignorância do sólido sistema financeiros das comunidades negras e indígenas norte-americanas.

É apenas um exemplo. Basta uma pesquisa na Internet para localizar bancos nacionais na África, na Ásia, Oceania, em qualquer país do mundo. Em janeiro deste ano, os ministros das Finanças dos países africanos reuniram-se para estudar a criação do Banco Africano de Negócios, com sede na Líbia, e aqui já temos outro exemplo.

O presidente está procurando é chifre em cabeça de cavalo para desviar a atenção de um tema desconfortável, ao qual jamais se refere – o esbanjamento do seu governo nos anos de vacas gordas, facilmente verificável no aumento da despesa pública, sem que os investimentos essenciais em educação, pesquisa, infra-estrutura e segurança tenham chamado atenção. Teria sido o caminho para criar uma economia minimamente independente, menos vulnerável, não de todo, claro, diante de um mundo globalizado.

No tempo em que dispunha de um Judas para apedrejar diariamente, fosse ou não sábado de Aleluia, Lula se lavava na “crise do Bush”, somando aos desastres bélicos do norte-americano a responsabilidade das falcatruas dos banqueiros de Wall Street, como se ele, Lula, pudesse ser acusado pessoalmente pelas diabruras de Daniel Dantas.

Escapa a esse raciocínio, de atribuir a fantasmas a culpa de nossos pecados, é que o resto do mundo é dependentes da prosperidade norte-americana. Faltou riqueza nos Estados Unidos, faltou no resto do mundo. Não é a primeira vez que acontece – a quebra da Bolsa, em 1930, é uma referência na história das finanças mundiais.

Quem liga a tevê, o rádio, lê jornais ou acessa a Internet, é soterrado em um terremoto de informações pseudoeruditas, seja das autoridades para esconder sua imprudência, seja de analistas improvisados para dissimular a incompetência. Outra pesquisa fácil na Internet mostra que o principal produto de exportação de muitos países é a mão-de-obra.

De novo, ficando em um exemplo, os trabalhadores etíopes nos Estados Unidos remetem anualmente para seus familiares em torno de um bilhão e 200 milhões de dólares, constituindo-se na principal e significativa fonte de divisas para o país.

Todavia, enquanto o presidente, sem que a sua assessoria lhe forneça esses dados para preservá-lo, protagonizava a cenas de mau gosto, no Senado – Comissão de Assuntos Sociais – em reunião presidida pelo senador gaúcho Paulo Paim, o IPEA (Instituto de Pesquisas Econômicas) apresentava novo indicador, o IQD (Índice de Qualidade do Desenvolvimento), considerando dados de produção setorial, massa salarial, confiança dos empresários, investimento estrangeiro, exportações, meio ambiente, pobreza, mobilidade social, desigualdade de renda, desemprego e ocupação formal.

Pelo que foi dito ali, deduz-se que, não arrefecendo a crise mundial, em maio, o Brasil começa a regredir, perdendo as conquistas duramente havidas nos últimos 15 anos. É no que dá quando se desvia o olhar do bem nação para focá-lo exclusivamente nas benesses do poder.

terça-feira, 24 de março de 2009

O pulular das ratazanas - Jayme Copstein

A grossa bandalheira escondida sob os luxuosos tapetes do Senado veio a furo quando as ratazanas que ali pululam sacudiram a poeira no quebra-pau pelo poder. Resultou um único beneficiário – o dono do restaurante onde a paz foi firmada – e um benefício – discussão nas mesas de café e de bar (foro importante neste país) sobre a falta de autenticidade do Parlamento brasileiro.

O debate, contudo, é estéril, por que se toma o efeito pela causa. Na semana passada, troquei idéias a esse respeito com o jornalista José Luiz Prévidi, cujo portal na Internet (www.previdi.com.br) é visita obrigatória pela inteligência e bom humor. Em foco, o projeto do finado Clodovil Hernandez, de reduzir de 513 para 250 o número de deputados federais.

Minha pergunta é: em que a diminuição das cadeiras da Câmara ou do Senado melhora a qualidade da representação parlamentar?

Confrontado com a indagação, um amigo me argumentou na mesa do café: “É menos gente a roubar”. Ou será menos gente a roubar mais, como respondi? Prevalecendo a lei da oferta e da procura, só vai encarecer o valor da propina. Vale acrescentar: por que 250 e não 249 ou 251 deputados? E por que Clodovil não propôs também um numerólogo assessorado por uma cartomante (ambos pagos pela Diretoria de Assuntos Aleatórios e Conexos do Congresso) para determinar o número da honestidade?

O que torna o projeto de Clodovil mera fatuidade é que ele não leu a Constituição que jurou cumprir nem a Lei Complementar 78 de 1993, definindo o que ele propôs mudar: número máximo de 513 deputados federais, divididos entre os 27 Estados e o Distrito Federal proporcionalmente ao número de habitantes de cada um, porém fixando máximo de 70 e mínimo de oito para cada representação.

A Constituição de 1946 fixava o mínimo em 6 deputados, cabendo aos territórios federais apenas um representante. Afora esse aumento de duas cadeiras no limite mínimo, todos os territórios foram transformados em Estados e o Mato Grosso do Sul emancipou-se do Mato Grosso. Só aí foram acrescentados 38 deputados federais.

Atualmente, os políticos de 10 Estados e do Distrito Federal se beneficiam com a distorção: Acre, Amapá, Amazonas, Distrito Federal, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Norte, Rondônia, Roraima, Sergipe e Tocantins. Se voltasse o limite mínimo de quatro cadeiras por Estado, como era na República Velha (Constituição de 1891), seriam eliminados os mandatos de 44 deputados federais.

Este é o caminho, pois, para quem pensar realmente em mudança. Fora disso, é ,mera fatuidade ou conversa de mesa de bar ou de café, onde há quem acredite que o “terceiro senador” foi invenção do regime militar. Está na Constituição de 1946, há 63 anos, sem que as pessoas sequer procurem saber.

segunda-feira, 23 de março de 2009

A hora do basta - Jayme Copstein

Com o Poder Público agindo como se o país inteiro fosse feudo de políticos corruptos, que nenhuma satisfação devem a quem quer que seja, chegamos à fronteira da abjeção: ou exigimos clareza da classe política, com punição exemplar aos ladrões, ou só nos restar rasgar a Declaração de Independência e nos conformarmos com a condição de mero covil. Não há mais o que debater.

A cada fim de semana, dezenas de milhares de torcedores enchem os estádios de futebol de todo o país. Não se consegue a décima parte para montar protesto nas cidades brasileiras, sob a forma de comícios, cartazes, panelaços, mensagens pela internet, enfim para dizer que chegou a hora do “Basta!”.

Todavia são de estarrecer os números revelados pelo portal eletrônico “Contas Abertas” (http://contasabertas.uol.com.br), dos quais vamos valem como exemplo os “gastos” do Senado.

Examinem esses números. Quem puder permanecer calado, parabéns – merece os políticos que tem. Talvez, quem sabe, consiga ingressar na confraria.

Em 2007, as despesas do Senado, só com pessoal, somaram 2 bilhões mais cem milhões de reais. Em 2008, com a crise internacional se avolumando, o país cortando investimentos, a despesa cresceu 200 milhões de reais (valor equivalente bem mais do que um milhão de sacos de milho) – somou para R$ 2 bilhões, 300 milhões.

Onde vai tanto dinheiro? Cada “diretor” do Senado – são 181 no total – recebe, em média, 20 mil reais por mês. Completam a folha de pagamento 3500 servidores efetivos, 3000 assessores (cargos de confiança) e 1800 funcionários terceirizados. Ou seja, 102 funcionários por senador. Entre os cargos de confiança, até amantes de políticos já falecidos encontram osso para chupar o tutano.

Só em bufês – coquetéis e salgadinhos – a conta somou 230 mil reais. É de forrar estômago de dinossauro. Rasgar dinheiro deve ser uma das solenidades nas comemorações do Senado – 369.800 reais só para promovê-las.

Em cópias xerográficas, mais 3 milhões, 800 mil reais. O que não exclui também que os Pais da Pátria sejam os mais bem informados do planeta – um milhão e meio de reais para assinaturas de jornais e revistas – e que não se trumbicam porque muito se comunicam: 11 milhões e 100 mil reais em telefonia.

Viagens também são rubrica importante no orçamento do Senado: Entre 2007 e 2008, foram gastos 49 milhões e 400 mil reais na compra de passagens ou despesas de locomoção. Só as viagens internacionais consumiram 3 milhões e 900 mil reais em passagens.

E há a caixa preta, rotulada de despesas médico-hospitalares e odontológicas, pagos a hospitais e clínicas famosas no país: quase 60 milhões de reais em 2008. Sob pretexto de preservar a privacidade dos beneficiados, não são especificados os serviços que consumiram esta montanha de dinheiro. Tem muito silicone de madame, balançando ao vento, às custas do contribuinte.

Por aí afora. Esta é a hora, portanto, de se dizer: “Basta!”.

domingo, 22 de março de 2009

Pobre do boi - Jayme Copstein

Naquele ato variado chamado democracia, entre uma ditadura e outra, dos anos 50 e 60 do século passado, corria uma anedota no Brasil. Periodicamente, os generais se desentendiam, punham os tanques na rua, confrontavam o número de apoios que tinham na tropa e depois festejavam a pacificação nacional com um churrasco. “Pobre do boi” – dizia-se. “É sempre ele que paga a conta!”

Pois agora, por ordem expressa do grande guia Luiz Inácio Lula da Silva, o bando de Zé Sarney e o bando de Tião Viana reuniram-se em um restaurante de Brasília para a pacificação nacional. Tanques, no confronto, só os de lavar roupa suja.

Boi, nem tanto, porque o que cada um teve de engolir de sapos dava para restaurar todos os pantanais devastados do mundo, se é que entendem as minhas metáforas politicamente corretas. E não se fala mais no assunto, nem nos diretores nomeados por Zé Sarney nem nos telefones de Tião Viana.

Durante o ágape – um pouco de grego supre a dignidade ausente – houve ligeiras escaramuças entre bugios – quem “dedou” quem – mas, todos eram devotos de DK Omeu, santo padroeiro dos salvadores da pátria. Acabaram concordando que a culpa é da imprensa e não se fala mais no assunto.

No meio da semana passada, o jornalista Salomão Schartzmann comentando a atualidade política na Band-News, torneou a frase: “Escândalo é como peixe, sempre tem um bem fresco”. Nada a ver com o ágape dos patriotasem Brasília. Foi o boi mesmo quem pagou a conta.

Ditos e achados -- Humberto Castello Branco

Nas sociedades subdesenvolvidas, a motivação para resolver problemas excede de muito o conhecimento técnico e a capacidade prática para escolher e aplicar soluções adequadas. Esse contexto de frustração é propício ao surgimento de dois protagonistas funestos para o sadio desenvolvimento democrático: um é o demagogo, que promete resolver todos os problemas, apelando para fórmulas mágicas que trariam soluções integrais e rápidas. Outro é o extremista, que renuncia ao penoso esforço das soluções de melhorias, que por sucessivos incrementos remedeiam os males sociais. O radicalismo ideológico simplifica barbaramente a realidade; se o problema é de luta de classes, escolhe-se uma classe eleita e eliminam-se as outras; se o problema é conter o consumo para acumular capital, escraviza-se o consumidor, transferindo todos os recursos para as mãos do Estado; se o problema é o divisionismo político, estabelece-se a ditadura do partido, e quando este perde o seu fervor, fazem-se expurgos e revoluções culturais.

sexta-feira, 20 de março de 2009

Bugios, papagaios e quero-queros - Jayme Copstein

Zé Sarney, reincidente na presidência do Senado, desconversa sobre os escândalos protagonizados pelos coleguinhas do Congresso. Fazendo pastiche de seu estilo literário: tática de quero-quero em guerra de bugios. Enquanto aliados e adversários alvejam-se com o excremento que todos produziram – uns por ação, outros por omissão – ele fala em papagaios, os que Joaquim Nabuco presenteava aos anti-esclavagistas estrangeiros para engajá-los na Abolição.

Em artigo, ontem, na Folha de São Paulo, afora demonstrar que “nunquismo na história deste país” é doença contagiosa, Sarney consegue arrancar lágrimas até em frade de pedra ao se autoproclamar pioneiro na luta pela redenção da raça negra: é sua a idéia de criar a Fundação Palmares e também o sistema de cotas nas universidades e no serviço público, destinado a dar “condições de levar a raça negra a sair da miséria”.

Reconhece, porém, que a primeira não alcançou os objetivos e a segunda se politizou, perturbando o clima de convivência no Brasil, mas omite por que assim aconteceu. Não fosse a corrupção desenfreada, da qual o Senado é apenas ponta de iceberg, se os que fazem política, em vez de só ter olhos para os próprios bolsos, se concentrassem na educação do povo, os problemas ou seriam resolvidos ou teríamos todos capacidade para equacioná-los.

De nada vale imitar canto de quero-quero com tagarelice de papagaio. Por mais estridente que seja, não consegue se sobrepor à fedentina da guerra dos bugios.

Bilhete ao senador Tião Viana - Carlos Umberto Campos

Tenho acompanhado o noticiário político nacional e constato que o senhor está sendo defenestrado na mídia. O motivo é o malsinado celular do Senado emprestado por V. Exa. (este pronome de tratamento tem que ser repensado) à sua filha que teria viajado ao México, com o povo pagando a conta (R$ 10.000,00), segundo divulgado pela mídia.

A explicação que o senhor deu é que fez o que fez por ser um pai preocupado. Ouvi hoje no rádio, aqui no RS, a interpretação que o jornalista deu à sua desculpa (que cá entre nós é risível/burlesca). Disse ele que seria como se o senhor tivesse falado assim: "Eu tenho preocupação como pai e vocês contribuintes que paguem a conta. Agora, se vocês tiverem preocupação com seus filhos que paguem a conta vocês mesmos."

Parabéns o senhor só receberá de mim no dia em que tratar a coisa pública com mais seriedade e deixar de contribuir (oferecendo argumentos) àqueles que falam em FECHAR O SENADO, porque não tem sentido o sistema bicameral, que é caro/desnecessário/deficiente.

Para finalizar gostaria que o senhor se manifestasse sobre as seguintes inquietações que tenho:

- o que é pior: uma ditadura ou uma falsa democracia?

- uma falsa democracia não a mesma coisa do que uma ditadura branca?

- o nosso voto em uma falsa democracia tem algum valor? Senador: faça só o melhor para o Brasil. É para isto que lhe outorgaram um mandato!”

Eu quero a minha diretoria - Miguezim da Princesa

(Contribuição de Guilherme Sociuas Villela)
I
Senadores da República,
Venho relatar meu tormento:
Trabalhei a vida inteira,
Tive um fusca e um jumento,
Mas não consigo juntar
Dinheiro para comprar
Uma casa ou apartamento.

II
Depois de muito lutar,
Vim parar na capital,
Onde tudo é muito caro
Na especulação fatal.
Por mais que tenha apelado,
Difícil é ser contemplado
Com imóvel funcional.

III
Trabalho até altas horas
Da vista se irritar,
Da perna ficar dormente,
Do cabelo arrepiar,
Da coisa mudar de tom,
Mas hora-extra que é bom
Ninguém vem pra me pagar.

IV
Quando vou à Paraíba
Num baú a chacoalhar,
Não aparece um cristão
Disposto a me ajudar
Com uma passagem de avião
Pra melhorar meu padrão
E o cansaço aliviar.

V
Princesa é como no México:
Esse celular normal,
Que a gente compra nas lojas,
Quando pega, pega mal.
Assim quando lá eu for,
Vou pedir ao senador
Um celular funcional.

VI
Quero ingressar no Senado,
Ser funcionário exemplar,
Tomar conta de garagem,
Limpar o chão, capinar,
Dirigir escadaria,
Mas depois, no fim do dia,
Degustar um caviar.

VII
Eu quero ser diretor
Para dar nó de gravata,
Ficar enrolando bufa
Ou filmando passeata,
Ganhar mais que senador,
Passear no corredor
Só espalhando bravata.

VIII
Eu quero ser diretor
Montado na brilhantina,
Cheio de ajuda de custo
Para botar gasolina
No posto do meu irmão
Que fica na contramão
Da ética que me arruína.

IX
Diretor eu quero ser
Para um assunto retado:
Passar o dia flanando
Atrás de rabo assanhado
De piriguetes sabidas
Que se fingem de perdidas
No corredor do Senado.

X
Eu quero ser diretor,
Bem nos conformes da lei.
Só que existe um problema:
A lotação eu não sei.
Eu topo qualquer lugar,
Até mesmo pra escovar
O bigode do Sarney.

De volta à Babel - Jayme Copstein

Alguém me perguntou qual a coisa mais engraçada que testemunhei como jornalista.

Ora, foi tanta ridicularia que não caberia em uma simples lista. Mas uma proposta da qual dei muita risada e hoje me preocupa foi apresentada no último Fórum Social de Porto Alegre, o de 2005, por Bernard Cassen, diretor do jornal francês Le Monde Diplomatique.

Ele defendeu que os povos de origem romana deveriam se comunicar cada um em seu idioma, para banir o inglês e quebrar a hegemonia norte-americana. A proposta de monsieur Cassen não incluía a proibição de os norte-americanos aprenderem outras línguas, um sério risco, pois assim poderiam reaver logo a hegemonia perdida.

Na época, achando maluca a sugestão, fiquei pensando na Babel em que desembocaríamos, cada um falando sua língua em entendimentos internacionais. Já imaginaram um francês dizendo a uma brasileira que ela tem um pescoço muito bonito? Ou um brasileiro pedindo a uma castelhana a concha emprestada para servir-se de sopa?

A tese é ridícula em si, não passa de rematada asneira, mas implica em algo muito sério: parte de quem nos considera o mesmo bando de botocudos que, no século 16, os franceses mobilizaram contra outro bando de botocudos, para disputar aos portugueses o monopólio do pau-brasil.

Claro que Cassen não é nenhuma Branca de Neve ou Bela Adormecida, despertando de repente com o beijo de uma idéia salvadora da humanidade. A mensagem era bem clara e no Fórum Social ele não a escondeu em sutilezas: “Para quebrar a hegemonia norte-americana”. Ou seja, na cabeça dos europeus, os povos da América Latina têm de ser subservientes a potências imperialistas – eles ou os norte-americanos.

Como cada puxa a brasa para a sua sardinha, Cassen quis nos seduzir e engajar como tropa de choque, das ambições francesas de hegemonia mundial, aquela que nos daria o tratamento fraternal e civilizado que foi dispensado ao Haiti no continente e a todas as colônias que dominaram ou ainda dominam na África.

A tese na verdade pretendeu ressuscitar os sonhos imperialistas de Luiz Napoleão, dos quais são exemplos a tragédia de Maximiliano no México e a Guerra do Paraguai, outro fiasco hegemônico, enigma que um dia os historiadores haverão de decifrar.

O que desejamos é, na falta de uma língua universal, falar todos os idiomas que pudermos aprender – o inglês, o francês, o alemão, o russo o chinês. Tem gente que acha desnecessário para ser presidente da República. Mas serve para entender e evitar os contos de vigários que os imperialistas e seus beleguins queiram nos passar.

quarta-feira, 18 de março de 2009

Fim da Era Gutenberg - Jayme Copstein

O Christian Science Monitor será o primeiro grande jornal dos Estados Unidos a trocar a edição diária em papel pela edição “on line” restringindo a circulação impressa a uma edição semanal, a partir de 23 de abril.

Com o que o CSM encerra um capítulo da sua história de mais 100 anos, em que os 223 mil exemplares de 1970 despencaram os 52 mil de hoje. Em compensação, a edição eletrônica (http://www.csmonitor.com), também pioneira na imprensa americana, cresceu de um milhão de páginas visitadas mensalmente em 1995, para 4 milhões, em 2008, e 5 milhões atualmente, com tendência de crescimento.

O significado desta mudança põe definitivamente em foco o debate que se fazia até agora com timidez: estão os jornais impressos com os seus dias contados? A resposta depende do que se considera a Era Gutenberg. Se é apenas uma tecnologia que se utiliza do papel servindo como veículo, como “mídia” a resposta é sim e com data marcada: não ultrapassa o próximo decênio.

Se Era Gutenberg, porém, for um conceito, não. A comunicação de massa, o acesso universal à informação, a partiu da qual a civilização humana emergiu do obscurantismo da Idade Média para os tempos modernos, só se tornou possível quando Gutenberg inventou os tipos móveis, mas tem sobrevivido e se agigantado com as novas tecnologias, graças à velocidade alucinante com que são inovadas.

Nos anos 70, lembro de ter escrito uma reportagem – Na briga do livro com o microfilme, venceu a cadeira de balanço – em que ridicularizava a tese da substituição da informação impressa pela microfilmada, caricaturando alguém tentando ler um conto policial na calentura da cadeira de balanço, tendo ao colo uma traquitana como as leitoras de microfilme, hoje peças de museu.

Mas tenho presente que ainda hei de viver o suficiente para ler as páginas de um livro projetadas no teto do dormitório, eu espichado na cama, as luzes se apagando automaticamente quando o sono me fechar os olhos, para que continue em meus sonhos a aventura que o autor contava seu texto.

A sacripanta - Jayme Copstein

Pois agora se descobre que Tia Mariquinhas, aquela que vivia presenteando sobrinhos e afilhados com cadernetas de poupança, para aprenderem que mão que economiza é mão que não pede, está a serviço das “zelites”.

Que sacripanta. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva acaba de fazer a denúncia, ao anunciar medidas severas para evitar que especuladores venham para a poupança, afugentados de outras aplicações pela redução da Taxa Selic. Para combater a voracidade dos ricos, o Presidente anuncia a diminuição do rendimento da poupança dos pobres.

Lula não disse o que o jornal Valor Econômico já havia comentado e foi repercutido aqui (“Sinuca de bico”, domingo, 15 de março): se os investidores correrem para o meio por cento ao mês mais correção pela TR, o Governo fica sem dinheiro para fechar suas contas, pois o dinheiro da poupança é carimbado: financiamento habitacional. Será obrigado a inflacionar a moeda, com a competência desta grande reserva da Nação, Zé Sarney, autor da maior inflação como jamais houve na história deste país.

Até aí nada de novo. O problema é Tia Mariquinhas, a sacripanta com aquela cara de santinha de pau oco, missa diária, comunhão semanal. Enquanto todos acreditávamos que ela queria incutir bons hábitos na criançada, na verdade conspirava contra a estabilidade da República.

Ainda bem que contamos com um grande estadista na Presidência. Ele contribui com sua proverbial clarividência, a turma da poupança com os seus vinténs. De cada um se tira o que se pode.

terça-feira, 17 de março de 2009

Lula e Obama - Jayme Copstein

Pode-se conjecturar mil e um itens na pauta do encontro entre Barak Obama e Luiz Inácio Lula da Silva, mas com toda a certeza a substituição da Venezuela pelo Brasil no fornecimento de petróleo aos Estados Unidos foi um deles. Rumores vazados para os jornais e a reação de Hugo Chavez, oferecendo aos russos uma base militar na América Latina às vésperas da viagem de Lula, deram fundamento às suposições.

Veio depois uma desconversa norte-americana a respeito do etanol, assunto destacado como prioritário na pauta de Lula, segundo os jornais. Era tema para muita reflexão, declarou Obama, no jargão diplomático que permite dizer um redondo “não”, através de um “sim” evasivo.

E Hugo Chavez ficou pendurado no pincel porque, afora os imensos custos da empreitada, os russos não mostraram interesse na oferta, cientes das conseqüências de cutucar a onça com vara curta, erro cometido por Bush no fim de seu mandato, pretendendo um escudo anti-míssil no Leste Europeu.

A Venezuela vende aos EUA entre 40 e 70% do seu petróleo, mas as ameaças de Chaves, de “cerrar el grifo del crudo”, não têm o menor sentido: além de representar apenas 11% de todo o petróleo que os americanos importam, o volume maior destina-se a abastecer as quatro refinarias e os mais de 15 mil postos de serviço da PDVSA nos Estados Unidos. É de onde brotam os 80 milhões de dólares diários que mantêm de pé o Tesouro em Caracas.

A substituição não só da Venezuela, mas de parte de outros fornecedores mundiais de óleo cru pelo Brasil é previsível na próxima década, não só pela capacidade de fornecê-lo graças às imensas jazidas detectadas nos últimos anos, mas também pela estabilidade política que permite falar em consolidação da democracia.

Como o dinheiro, matérias-primas não têm ideologia. Os compradores apenas exigem regularidade no fornecimento, duvidoso quando o maior talento do fornecedor é a insanidade – o caso de Chavez.

O padroeiro do eleitor - Jayme Copstein

Não é de hoje que os leitores perguntam “Quando vai terminar tudo isso”, referindo-se à esbórnia em que se transformou o nosso Congresso, com a falta de escrúpulos de uns e a cumplicidade de outros, escondendo a própria imoralidade em conveniente silêncio.

A resposta mais correta, com a contundência da verdade, foi publicada em dezembro de 2006, em um jornal paulista: “Tudo vai terminar no dia em que os que perguntam votarem com mais critério e consciência”. Na ocasião, o país fervia indignado pelo assalto ao Tesouro que as mesas do Senado e da Câmara Federal haviam praticado.

Muito escândalos depois, o país segue fervendo de indignação, os congressistas continuam assaltando o Tesouro e outra pergunta substitui a primeira: quando o eleitor brasileiro vai votar com critério e consciência para terminar com tudo isso?

A resposta também tem a contundência da verdade – no dia de São Nunca. Porque este é o seu santo padroeiro.

segunda-feira, 16 de março de 2009

Veemência e violência - Jayme Copstein

É difícil entender o gesto de cinco vereadores de Porto Alegre – quatro PTB, um do PMDB – devolvendo à psicóloga Sônia Sebenelo o livro que escreveu sobre “Gênero e Poder”, durante sessão de pré-lançamento na Câmara Municipal.

Discordando do termo “ex-ladra” usado pela autora para relatar a comovedora história de vida de Teresa Franco, a “Nega Diaba”, emergida da marginalidade, como exemplo da luta da mulher por um lugar ao sol, os edis decidiram marcar posição através de gesto descortês na aparência, porém uma agressão à liberdade de pensamento na essência.

Teresa Franco, em cujo currículo se inclui mandato de vereadora já quase no final da vida, registrou em declarações à imprensa, as atribulações de seu passado de prostituição, furtos e drogas, relato ao qual acrescentava a fantasia de ter sido a primeira traficante mulher de Porto Alegre.

A discordância dos vereadores centrou-se na expressão “ex-ladra”, usada por Sônia Sebenelo ao relatar no livro a trajetória de Nega Diaba. Queriam “ex-batedora de carteiras”, entendendo haver entre as duas expressões uma diferença cuja sutileza só está ao alcance de intelectos mais privilegiados.

Não é, porém, a discordância o ponto central. É a descortesia do gesto, o de devolver o livro à autora em plena sessão da qual eram, como seus pares, os anfitriões. A grosseria transforma veemência, direito do debatedor, em violência para coagir o antagonista ao silêncio. É incompatível com um legislativo, o altar onde a chama da liberdade se mantém acesa, mesmo nos piores tempos quando se refugia no aconchego dos mártires.

É com gestos assim que começam as ditaduras. Hoje se impõe o que pode e não pode ser escrito. Amanhã, o que pode ser e não pode ser votado na Câmara Municipal, na Assembléia Legislativa ou no Congresso. Depois de amanhã, o que cada de um nós deve pensar e dizer em honra do Guia dos Povos. .

domingo, 15 de março de 2009

A urina da vaca - Jayme Copstein

Um grupo nacionalista indiano, em campanha para banir alimentos ocidentais, anunciou o lançamento de refrigerante feito com... urina de vaca.

A notícia está no site da BBC, com a ressalva de o novo produto estar em testes de laboratório. Será fabricada em diversos sabores, entre eles o de frutas silvestres, e será receitado até para tratamento de câncer.

Como os indianos consideram a vaca um animal sagrado, acham que a sua urina é miraculosa.

Tem gente que considera a “cultura deles” milenarmente sábia por politicamente correta. Não se espantem, pois, se qualquer dia desses virem a militância se refrescando na fonte.

Sinuca de bico - Jayme Copstein

O segredo da Taxa Selic vai ser desvendado agora. A pressão que obrigou o Banco Central a baixá-la drasticamente pôs o Governo em uma sinuca de bico, como alerta reportagem do jornal Valor Econômico. A redução maior torna a caderneta de poupança, com seus 0,5% ao mês, correção pela TR e isenção do IOF, melhor investimento que qualquer outra aplicação financeira.

O Governo teme uma corrida dos investidores para a poupança, o que esgotaria o rio de dinheiro que toma emprestado para financiar seus déficits e bota praticamente no chão o sistema financeiro.

Nos bastidores, os gênios da heterodoxia buscam agora uma fórmula para mudar a caderneta de poupança, sem abalo político para o Governo. Uma das idéias é igualar a poupança a qualquer outra aplicação financeira, dando-lhe apenas rendimento igual ao da Selic.

Como o público receberia a mudança é uma incógnita. Tem gente iniciada no “vintém por vintém” desde tenra idade, quando a tia ou a madrinha presenteavam com a caderneta da Caixa, no tempo do “mão que economiza é mão que não pede”.

sábado, 14 de março de 2009

Ficções brasileiras - Jayme Copstein

A nação se mostra perplexa diante do assalto aos dinheiros públicos, perpetrado por funcionários do Senado, abiscoitando horas extras em período de férias.

Que novidade há nesse golpe, tão velho quanto o conto do vigário? Já houve tempo em que bastava passar cinco minutos em cargo de confiança para incorporar a gratificação da função.

Se alguém cavoucar a fundo as espertezas registradas pela história do país vai encontrar em regulamentos portuários dos anos 50 do século passado, a proibição de admitir novos estivadores antes que os turnos de trabalho somassem mil horas mensais.

A alguém com todos os parafusos no lugar, bastaria multiplicar 30 ou 31 dias por 24 horas para saber que um mês, no máximo, pode ter 720 horas ou 744 horas. Neste país palavroso pela própria natureza, que importa a aritmética, se a gente sempre tem “jeito” para tudo? Inventou-se o “tempo ficto”, tempo fictício, que não é medido pelo relógio, mas só existe para calcular vantagens.

Para “dar jeito” na proibição foi criada outra categoria fictícia, a dos “bagrinhos”, substitutos dos estivadores titulares, chamados para preencher eventuais faltas ou quando o aumento da carga e descarga dos portos exigia mais mão de obra. Na continuação, os titulares criaram um feudo. Não trabalhavam – ninguém lhes cobrava as faltas – e alugavam sua vaga aos bagrinhos.

O regulamento foi revogado ao tempo de Castello Branco, mas o conceito de tempo ficto restou pendurado nos costumes e foi estendido à previdência social, para ser contado como tempo de contribuição sem haver contribuição.

Funcionários burocráticos das empresas de mineração conseguiram, apesar das delícias do ar condicionado de seus escritórios, o mesmo adicional de insalubridade e a mesma contagem de tempo “ficto” dos mineiros que empedram os pulmões debaixo da terra. Um contínuo, tendo ingressado na mineradora com 15 anos de idade, aos 30 se aposentou, com 35 anos de “trabalho”. Ou seja; já estava “trabalhando antes mesmo que as gônadas de seu pai tivessem fabricado o espermatozóide que o gerou.

Não há, pois, razão para tanta alaúza por que funcionários do Senado gadunharam horas extras – tempo ficto, minha gente, como diria Collor de Mello, brasileiras e brasileiros, como diria Zé Sarney, povos e “povas” como só falta alguém dizer.

Há uma historinha antiga, parecida, envolvendo os compositores Benedito Lacerda e Humberto Porto, quando emplacaram a marcha “A jardineira” como o maior sucesso do Carnaval de 1939.

Era plágio descarado da canção que, em 1906, Candinho das Laranjeiras fizera para seu bloco Flor ou Filhos da Primavera e que todo mundo conhecia. Foi um escândalo. Confrontado com o plágio, Benedito Lacerda cunhou a frase lapidar:

“Se a gente soubesse que ia dar tanto rolo, a gente não tinha feito.”
Já contei esta história, mas vale repeti-la porque, tão logo estourou o fuzuê das horas extras do Senado, pra lá de fictas, o novo secretário da Casa, Heráclito Fortes (DEM-PI) apelou aos jornalistas: "Parem com isso. A coisa vai chegar aonde?"

À cadeia, lugar pr’a lá de certo, com toda a certeza não, porque, graças ao próprio Congresso, este é o país da impunidade.

Por sua vez, o erudito e impoluto Zé Sarney, presidente do Senado, desconversou, fazendo pequeno discurso sobre responsabilidades e falando na devolução do dinheiro. Só falando, mas não exigindo.

Em outras palavras, Fortes e Sarney repetem Benedito Lacerda: “Se a gente soubesse que ia dar tanto rolo, a gente não tinha feito.”

Os patriotas - Jayme Copstein

Fernando Collor de Melo está de volta e aprova no Senado a moralização das Agências Reguladoras, proibindo nomeações de correligionários (alheios, com toda a certeza) e endurecendo a fiscalizar do PAC. Gregos e troianos lhe cobram as travessuras de seus tempos de presidente. A palavra está bem empregada. Mordidas de PC Farias eram bolinha de gude, comparadas com as grandes falcatruas que os sucessores aperfeiçoaram.

A melhor teoria diz que Collor foi despejado do Planalto não saber as quatro operações. Aprendeu a multiplicar o patrimônio, mas não a dividi-lo. No mar da política brasileira, quem não abre a mão, não nada – afoga-se, segundo o grande patriota D.K. Omeu.

quinta-feira, 12 de março de 2009

A teoria das conspirações

Leitores me remeteram muitas mensagens sobre a coluna “No altar da hipocrisia”, analisando a reação diante dos crimes sexuais contra menores, rotina no Brasil, apenas não tão divulgados quanto o necessário.

Entre essas mensagens, chamou-me a atenção um “tijolão” de légua e meia, defendendo a tese de conspiração internacional para submeter o Brasil através da prática do aborto. A mensagem, em sua consistência, não difere muito das que, no lado oposto, assestaram os canhões contra o arcebispo do Recife e até o próprio Papa Bento XVI.

É fácil criar fantasmas para desviar a atenção do essencial, tão fácil que é arma predileta das ditaduras para eliminar os antagonistas e esconder suas mazelas. O essencial, a ignorância que semeia a miséria e a violência nem entram na cogitação dos que se posicionam segundo as suas próprias paixões e não percebem que falam as mesmas coisas para si próprios, como se estivessem diante de um espelho, apenas com a imagem invertida.

quarta-feira, 11 de março de 2009

Está faltando um inspetor - Jayme Copstein

Yeda Crusius tem razão quando se queixa de que o desmentido das acusações, imputadas por líderes gaúchos do PSOL, não mereceram o mesmo destaque no noticiário.

Se a veracidade das denúncias formuladas era hipótese consistente, não havia como divulgá-las fora das manchetes. Mas se apenas a busca da verdade estava em jogo, não há outro lugar também para a retratação, sob pena de tudo sugerir o trucidamento político da governadora.

Como a assunto vai terminar é um enigma. Provavelmente em nada porque a impunidade é o destino de todas as transgressões neste país.

No rescaldo, a tragédia do ex-representante do governo gaúcho, Marcelo Cavalcante que aparentemente se suicidou em Brasília, premido por dívidas. Nada que a perícia médico-legal não possa esclarecer. Ninguém é jogado de uma ponte sem que seu corpo fique marcado pela violência de quem o coagiu.

Há muitos rumores em torno do caso sem nenhum pé na realidade – prêmio da colaboração em investigações policiais é imunidade, não o dinheiro para resolver aperturas financeiras.

Tudo isso faz lembrar uma peça do britânico J. B. Priestley – “Está lá fora um inspetor” – cujos personagens confrontados pelo remorso, representado por um policial fictício, admitem sua culpa no suicídio da operária de uma fábrica da família.

A peça é um libelo contra a ganância e a indiferença do capitalismo em relação ao destino do resto da humanidade, que em nada difere, nos métodos e na voracidade pelo poder, do fundamentalismo cego que só enxerga seus próprios objetivos.

Falte entre nós alguém descompromissado com dogmas, como o também britânico George Orwell, para trazer a esta tragédia o inspetor que é a nossa consciência, principalmente dos que para ela contribuem com a cumplicidade do seu silêncio.

terça-feira, 10 de março de 2009

Crime e militância - Jayme Copstein

Discordo do tratamento que alguns colegas deram ao cidadão que anteontem, em Porto Alegre, manteve o presidente da Corsan (Companhia Riograndense de Saneamento) e dois assessores sob a mira de um revólver, para receber mais de 180 mil reais devidos por serviços prestados.

Durante todo o tempo da cobertura jornalística, houve colegas chamando o homem e a sobrinha, por sinal, sua contadora, de criminosos. Com toda a certeza, crime eles cometeram: extorsão mediante ameaça e porte não autorizado de arma.

O problema está na diferença de tratamento, quando se chama de militantes os assassinos de quatro seguranças de uma fazenda em Pernambuco, apenas porque filiados ao MST, ou às mulheres da Via Campesina que, sob ameaça de foices e enxadas, imobilizaram seguranças e destruíram patrimônio de empresas privadas aqui no Rio Grande do Sul.

Não se consegue perceber qual o elo entre o vandalismo da Via Campesina e a luta da mulher por seus direitos civis. Como também é impossível entender o patuá do ministro Tarso Genro, qualificando apenas de “arrojo” a violência dos invasores do MST.

Mesmo que o Estado brasileiro tenha se demitido de vez de suas atribuições constitucionais e ingressado no “cada um por si” e no “salve-se quem puder”.

Merecem até mais condescendência: ao mesmo tempo em que caloteia seus fornecedores e prestadores de serviços, a Corsan comemora o que sua administração chamou de “lucro” com festa no Palácio Piratini. Ora, se sobrou dinheiro em caixa e há dívidas para pagar, a pergunta é lógica: até que ponto o calote das dívidas engordou o lucro da empresa e financiou a comemoração?

A Corsan alega dúvidas sobre algumas notas fiscais apresentadas pelo prestador de serviço. O exame da suposta irregularidade se prolonga desde 2008. O que há de tão suspeito em uma nota fiscal que não possa ser apurado em 10 dias, 15 dias, um mês que seja. Se o Poder Público tem o direito de suspeitar do cidadão, a recíproca cabe ao cidadão: ele também pode suspeitar da demora de liberar ou de lhe negar o pagamento.

Acredite se quiser - Jayme Copstein

Com bastante freqüência lêem-se nos jornais alusões às “entidades da sociedade civil organizada”.

É nome de muita pompa e ainda mais circunstâncias. Basta observar as ruas de qualquer das nossas cidades para se ter a medida de organização desta sociedade. Ela consegue superar todas as circunstâncias quando uma de suas “entidades” postula no Supremo Tribunal Federal uma súmula vinculante para declarar a “inconstitucionalidade da prisão civil do depositário infiel”.

Trocando em miúdos: liberdade de ação e impunidade a uma das muitas categorias de gatunos que infestam o país.

Há quem discorde da necessidade de tal súmula vinculante, argumentando com o “bis in idem” do direito tributário. A expressão latina literalmente significa “duas vezes do mesmo”, mas a tradução melhor acabada seria “mais do mesmo”, principalmente no caso em questão: como a impunidade no país já esgotou todos os limites, mais dela própria se acrescenta a si mesma.
Segundo os defensores da tese do “bis”, que o povo nas ruas traduz por “farinha do mesmo saco”, já não há mais o que acrescentar à libertinagem jurídica praticada no país, desde que se tenham meios de pagar um advogado esperto. No máximo o que cabe é súmula vinculante, assegurando a impunidade ampla, geral e irrestrita também ao ladrão de galinhas. Sua carência de recursos para pagar defensores já é proverbial. As penosas hoje não valem pagam sequer passe de ônibus.

segunda-feira, 9 de março de 2009

Caso Kliemann - Jayme Copstein

Depois de assinar com competência as biografias de Loureiro da Silva e de Cyro Martins, Celito de Grandi trabalha agora no “Caso Kliemann”, tentando decifrar o enigma do crime que abalou o Rio Grande do Sul dos anos 60 do século passado.

De Grandi é jornalista e escritor de talento, o que já permite antever livro-reportagem de grande repercussão. Estivemos conversando sábado passado, no Bar da Associação Riograndense de Imprensa, sobre a carta de um cidadão, enviada ao programa que eu apresentava na madrugada da Rádio Gaúcha, nos anos 90, confessando-se testemunha do assassinato.

Segundo a carta, uma gangue de jovens da Praça Maurício Cardoso financiava a compra de drogas, furtando moradias das vizinhanças na ausência dos donos.

Certos de que o casal Kliemann tinha saído para comemorar o aniversário de casamento, dois dos integrantes da gangue entraram na casa, mas se depararam com Margit.Um deles era seu sobrinho e a matou para não ser denunciado à Polícia.

O remetente, na época da carta vivendo em Santa Catarina, identificava o segundo participante como alguém que havia tomado rumo na vida, tornando-se empresário em Porto Alegre.

A carta não aludia a nenhuma prova concreta ou a outros testemunhos. Já se tinham passado, então, mais de 30 anos. O crime estava prescrito. Era uma escolha difícil divulgar ou não o seu teor e apenas uma alusão, sem identificar os atores, foi feita no programa.

Buscou-se evitar um segundo crime, como o que foi cometido contra o próprio Euclides Kliemann, insinuado como o autor da morte da mulher por quem investigava o caso. Da maledicência resultou a tragédia de sua morte em um estúdio de rádio.

Conversávamos sobre todas essas coisas, Celito de Grandi e eu, no Bar da Associação Riograndense de Imprensa. O sobrinho de Margit não viveu muito mais tempo depois do episódio, vítima de suas próprias circunstâncias.

Ocorreu-nos, porém, que remanescentes da gangue da Praça Maurício Cardoso – entre eles o suposto empresário – poderiam confirmar ou não a versão da carta. Mesmo diante do irremediável, a reparação é sempre possível com o restabelecimento da verdade. Ajuda a sepultar os fantasmas que nos assombram e a permitir que os mortos repousem em paz

domingo, 8 de março de 2009

No altar da hipocrisia - Jayme Copstein

Deixemos de ser hipócritas. O Brasil não se abalou com o estupro em si da menina de nove anos em Pernambuco. Milhares de estupros contra crianças são cometidos todos os dias no país e deles pouca conta se dá. Eram também notícia, junto com a de Pernambuco, mas disso já não se fala mais, uma menina morta em Minas Gerais pelo estuprador e ainda outra, aqui no Rio Grande do Sul, cujo autor foi “liberado após ser ouvido” e “encontra-se foragido” – dois lugares para lá de comuns na crônica policial.

Há abundância de registros, não noticiados, nas delegacias especializadas, postos de saúde e entidades de assistência a menores, onde parte dessas crianças são atendidas quando algum familiar busca ajuda. O mais comum, porém, é as meninas serem escorraçadas de casa, acusadas de terem seduzido o pai ou “padrasto”. (*)

Confrontada com a lógica de que uma criança não tem ascendência sobre adultos, a mãe de uma dessas meninas foi direta em sua justificativa: “Criança eu faço quando quiser, arranjar marido é que é difícil”.

Na essência o palavreado tosco não difere da decisão unânime do Supremo Tribunal Federal, quando absolveu por unanimidade o estuprador de uma menina de 12 anos, porque que “Nos nossos dias não há crianças, mas moças de 12 anos. Precocemente amadurecidas, a maioria delas, já conta com discernimento bastante para reagir ante eventuais adversidades, ainda que não possuam escala de valores definidas a ponto de vislumbrarem toda a sorte de conseqüências que lhes pode advir (Habeas-corpus 73.662-9 MG).”

A diferença está em que a mulher concedeu impunidade ao estuprador da própria filha, os ministros do Supremo, ao estuprador de filha alheia.

Não, o Brasil não se abalou com o estupro e a gravidez de gêmeos da menina de 9 anos nem com o caso do Rio Grande do Sul, do qual ninguém deu muita conta, nem se fala mais.

O país ficou algariado com a decisão do arcebispo do Recife, de excomungar os médicos e a mãe da vítima que os autorizou ao aborto preventivo, porque a excomunhão toca na ferida mais pútrida deste país: a simplificação das soluções – aborto, esterilização, pena de morte, apenas exemplificando – para soterrar o estrume que a sociedade brasileira produz com sua irresponsabilidade, alienação e sibaritismo.

Fácil é chamar o arcebispo do Recife de atrasado, de reacionário, de medieval porque obcecado pelos dogmas da disciplina, impermeabilizou-se à percepção do extremo risco representado pela gravidez de gêmeos em uma menina de sete anos. Fácil é chamar o Papa Bento XVI de nazista porque apoiou seu arcebispo, de acordo com os cânones da religião que lidera.

Difícil é assumir nossas responsabilidades para banir a ignorância que gera a miséria e seus corolários: a doença, o crime e a corrupção. Dos quais o estupro e a prostituição de menores já é mero pormenor.

(*) Quem quiser ver essas “moças” de 12 anos, como as classifica o STF, transite pela “zona” de qualquer cidade brasileira. Em Porto Alegre, 24 horas por dia, estão na Rua Garibaldi, quadra entre Voluntários e Farrapos. Há “ideólogos”, travestidos de responsabilidade social, que defendem a situação, qualificando-as de “arrimos de família”.

sexta-feira, 6 de março de 2009

Velhas cantigas - Jayme Copstein

“As pressões que o PMDB, capitaneado por José Sarney, Renan Calheiros, Michel Temer e outros menos votados, ameaçam desembocar em crise política. É estranho, tanto a vocação do sr. José Sarney, que parece estar sempre em qualquer rampa por onde a vida do país deslize para o atraso, quanto o poder que ele detém dentro do parlamento, a ponto de tornar refém o governo da República. Ocupado com as tricas e futricas do apoio deste PMDB, descaradamente na base do toma lá, dá cá, o governo do sr. Luiz Inácio Lula da Silva parece imobilizado e estático, e com isso descontentando outros aliados, à espera do cumprimento de promessas, utilizadas como engodo para mantê-los bem comportados”.

Sabem de quem é este texto? Deste colunista. Foi escrito em 14 de janeiro de 2004 e é reproduzido agora porque o leitor Mário Borba, de Porto Alegre, pergunta por que ele não tem se ocupado com mais profundidade do fandango em que os personagens citados transformaram a vida pública brasileira.

A razão é simples: estar falando como se pregasse no deserto. Em janeiro de 2008, em comentário de estreia na Rádio Pampa, falei a Marne Barcelos que, se pegasse tudo o que já havia escrito sobre a malandragem e corrupção na política, bastaria substituir os que morreram por outros “vivos”. O resto poderia ficar tal como foi redigido, palavras por palavra, vírgula por vírgula.

Confesso que há exagero nessa afirmativa. Passados cinco anos desse comentário, sequer o nome dos “vivos” é necessário mudar.

“Em nome do bom senso e para preservar vidas inocentes é necessário que se contenham malucos messiânicos, do tipo João Pedro Stédile, ou Bruno Maranhão. Faça-se com urgência, antes que ocorra uma tragédia semelhante ou até pior que a de Carajás, quando a irresponsabilidade criminosa de líderes do MST jogou uma massa de pobres coitados conta a Polícia Militar”.

O texto (“Antes que seja tarde”) é de 2006. Acrescente-se apenas que militantes do MST assassinaram quatro seguranças de uma fazenda em Pernambuco.

Poderia seguir nesta trilha até o infinito. Nunca contei quantos comentários escrevi sobre a política brasileira, mas apenas reproduzo o parágrafo final de “O comício dos deserdados”, de 2005:

“A sociedade brasileira é permanente exercício de hipocrisia dissimulado na eloquência de um comício de deserdados. Eles são convocados para bloquear estradas, fechar ruas, destruir patrimônio público, gritar palavras de ordem e ouvir discursos de privilegiados – o advogado, o médico, o jornalista, o juiz, o dentista, o economista, o empresário, o contabilista, o burocrata, o artista da novela, as senhoras do chá das cinco, os jovens dos bares da moda. Os deserdados continuam cada vez mais deserdados”.

Que mais se pode dizer?

quinta-feira, 5 de março de 2009

A porteira - Jayme Copstein

Há poucos dias alguém se queixava de que a impunidade inutilizou o Código Nacional de Trânsito, após 11 anos de vigência. Ora, faz muito mais tempo que a impunidade ampla, geral e irrestrita desde que se tenha um bom dinheiro para pagar advogados competentes, destruiu a segurança das pessoas e mandou para a lata do lixo tudo o que dizia respeito à ética, à moral e à decência.

Exagero? Os escândalos protagonizados pelos políticos bastam para concluir que a palavra deveria ser mais forte, como as que antigamente não se falava na frente de senhoras. Hoje são elas que as dizem sem nenhum constrangimento.

Como tudo isso começou? Há alguns dias, alguém contrapunha que a ditadura militar terminou há mais de 20 anos. Portanto, a ela não podem ser atribuídos os pecados de hoje.

Estamos falando apenas de impunidade. A pergunta que cabe é: quem abriu a porteira para a tropilha passar? Foi nos anos 70, quando os crimes praticados pelo delegado Sérgio Fleury não podiam mais ser escondidos, que a ditadura foi buscar a doutrina para livrá-lo da cadeia.

O primeiro sintoma do que haveria de ocorrer dali por diante aconteceu em um programa de rádio, quando um Delegado de Polícia tentou prender o estelionatário que se fazia passar por coitadinho, para arrancar donativos dos incautos. “Não pode me prender”, o vigarista reagiu. “A lei agora está do nosso lado.”

Continua até hoje.

Direito à impunidade - Jayme Copstein

De novo a ministra do STF, Ellen Gracie, merece destaque e aplausos por sua coragem e discernimento. Frustrou outra artimanha para garantir a impunidade como direito de infratores. Negou relaxamento da prisão preventiva decretada contra acusado em tráfico de drogas no Estado de São Paulo, pedido sob a alegação de se ter escoado o prazo legal, sem que o julgamento tenha sido concluído.

Só que o juiz de primeira instância não pôde dar a sentença por uma manobra da própria defesa: testemunhas residentes fora da jurisdição, ouvidas por carta precatória, paralisando a tramitação do processo.

A propósito: quando o jornalista Pimenta Neves vai começar a cumprir a pena pelo assassinato premeditado de sua ex-namorada, praticado por motivo torpe sem chance de defesa para a vítima? Se o culto do ritual conforta a Justiça, para a Nação, contudo, é um vexame.

Por falar em vexames.. - Jayme Copstein.

Renan Calheiros é um dos bravos moralizadores da República. Encarnou o personagem ao se engajou de corpo e alma na cassação de Collor de Mello porque dele não conseguiu apoio para se eleger governador das Alagoas.

Calheiros acaba de eleger o mesmíssimo Collor de Mello para a presidência da Comissão de Infraestrutura do Senado, derrotando Ideli Salvatti, candidata de Luiz Inácio Lula da Silva, de quem é aliado muito leal. Tudo, naturalmente, sob a tutela de José Sarney, aliado também lealíssimo de Lula, pelo qual já foi chamado de “grileiro do Maranhão”.

Há quem manifeste temores de que Collor esteja retomando a carreira. Se for, que diferença faz? Se corrupção fosse futebol, pelo que cometeu quando presidente Collor só teria lugar em peladas de solteiros contra casados, antes do tradicional churrasco regado a cerveja. Não se surpreendam se, um dia, for convidado de honra da Granja do Torto.

quarta-feira, 4 de março de 2009

O direito à impunidade - Jayme Copstein

O Supremo Tribunal Federal – decisão da ministra Ellen Gracie – negou habeas corpus a acusado de homicídio duplamente qualificado, que desejava revogar sua prisão preventiva, alegando não haver razões para temer que ele fugisse e a demora do julgamento.

Particularidade: o acusado estava foragido há 21 anos e a demora no julgamento se deve a que, segundo a legislação brasileira, o Tribunal do Júri não pode julgar à revelia.

O pedido de habeas corpus, negado na primeira instância, já tinha sido apreciado na segunda instância e também pelo Superior Tribunal de Justiça, consumindo tempo e recursos do Judiciário, por malícia do defensor. Supostamente não sendo analfabeto, o bacharel fez letra morta de um aforismo herdado da tradição oral do Direito Romano, que até as traças do Fórum conhecem de cor e salteado: ninguém pode defender-se alegando sua própria torpeza (Obrigado ao desembargador Túlio Martins, pelas lições que nos proporciona nos Guerrilheiros da Notícia).

O incidente, no máximo, será apenas incorporado ao folclore dos foros, como aquele outro, do defensor rogando piedade ao “pobre órfão” que assassinara aos pais. Prejuízo a pessoas com interesses lesados pela morosidade da Justiça em conseqüência da litigância de má-fé não serão considerados pelo Judiciário, nem a grave infração à ética do exercício profissional da advocacia será tida em conta pela OAB.

A impunidade no Brasil é um direito dos criminosos. A segurança da população é um cacoete burguês, segundo doutrinas importadas diretamente dos bares de Berlim e das caves de Paris.

Mau augúrio - Jayme Copstein

Não é bom augúrio ao PSOL do Rio Grande do Sul a negativa formal do vice-governador Paulo Feijó, de qualquer relação com as denúncias de corrupção, formuladas contra a governadora Yeda Crusius.

No primeiro noticiário a respeito, o nome de Feijó foi citado de refilão como uma das fontes. Com toda a certeza, tratou-se de alusão – mal-interpretada – ao que ele dissera, quando teve o seu próprio embate com a governadora.

O presidente do DEM-RS, Onyx Lorenzoni, para enfatizar a desvinculação com as denúncias, esclareceu que a ruptura da coligação com a governadora teve origem na recusa do DEM, de “enganar os eleitores gaúchos no episódio da proposta de aumento do ICMS.”

Lorenzoni não deixou de fora o ressentimento do partido por Yeda ter proposto, após o primeiro turno da eleição de 2006, alijar Feijó da chapa majoritária para permitir aliança com legenda mais forte.

No frigir dos ovos, o PSOL acabou solitário na empreitada. Só tem a companhia do PT, do qual se separou para constituir partido independente, alegando corrupção tão grave igual à levantada contra o Piratini, porém até mais abrangente.

Das ditaduras - Jayme Copstein

Polêmica da Folha de São Paulo com seus leitores pôs em evidência a paixão e a consequente irracionalidade com que tudo é discutido no Brasil. Analisando as acrobacias políticas de Hugo Cháves para se perpetuar na presidência da Venezuela, o editorialista se deixou capturar em uma armadilha semântica ao comparar ditaduras latino-americanas dos anos 60 e 70 do século passado e qualificá-las em mais ou menos brandas, de acordo com o número de assassinatos por elas praticados.

Não há diferença entre o assassinato do brasileiro Manoel Elias e de russos, chilenos, cubanos, espanhóis, alemães, italianos, gregos, enfim, de dissidentes das ditaduras de todos os matizes ideológicos – e até sem nenhum disfarce para o exercício do banditismo. Pouco importa que esta tenha trucidado 10 pessoas e aquela outra, 10 mil pessoas. Crime tudo é, seja qual for o pretexto, com a agravante de ter vitimado pessoas indefesas.

Chamou-me a atenção, entretanto, artigo de Fernando de Barros e Silva, um dos editores da Folha de São Paulo, ressalvando que a “esquerda armada” brasileira era menos organizada que a chilena ou a argentina e por isso foi dizimada com mais facilidade. Pode ser, também, que as Forças Armadas brasileiras fossem mais organizadas que suas congêneres chilena ou argentina, mas o dado traz ao debate algo até agora só afirmado pelo historiador Hélio Silva, em seu “1964 – golpe ou contragolpe?”. Não que isso possa atenuar a gravidade dos crimes cometidos nos cárceres das ditaduras latino-americanas, mas convida à reflexão sobre o que aconteceu naquela época. Atrás dessa história, há menos santos do que se quer fazer crer.

O caso do menino - Jayme Copstein

Evitar a publicidade seria mais conveniente aos interesses do menino, cuja guarda é disputada pelo pai norte-americano e a família da mãe brasileira, já falecida. Mais cedo ou mais tarde a criança acabará se descobrindo personagem de um drama em que, sob o pretexto de exercício de amor, adultos exerceram sua capacidade de odiar.

O caso em nada difere de muitos outros que já transitaram pelas páginas dos jornais em vários países. O mais rumoroso foi protagonizado por um menino cubano, cuja mãe, também separada do pai, vivia nos Estados Unidos e lá faleceu. Os tios maternos também pretenderam cassar a guarda do pai que ficara em Cuba.

A notícia foi estampada nos jornais de todo o mundo. Engajou-se na briga quem nada tinha ver com peixe, apenas por ser “fidelista” ou “antifidelista”. No meio do tiroteio, a criança. Por fim, a decisão correta da justiça norte-americana: nada havendo de objetivo em desabono à conduta do pai, a ele cabia a guarda do filho. O que, aliás, foi comemorado em Havana como mais uma vitória sobre o imperialismo norte-americano etc. etc. etc.

Não há diferença entre os dois casos, afora o ingrediente politicamente correto não ser o tempero da discussão. Daí porque fica difícil entender o que a secretária de Estado Hilary Clinton e o chanceler brasileiro Celso Amorim tinham para conversar a respeito, conforme também foi noticiado pelos jornais. Será que os dois nada mais têm o que fazer, para andar metendo o bedelho onde só compete à Justiça decidir?

segunda-feira, 2 de março de 2009

A delação - Jayme Copstein

A delação premiada está em debate por nenhuma razão importante: completou dez anos.

Qualquer lei que complete dez anos no país, sem ter sido sepultada por outra lei absolutamente igual, que nada lhe acrescente afora algumas virgulas marotas, é digna de manchete de jornal, de seminário de juristas, cursos de atualizações de prefeitos, viagens de vereadores, deputados e senadores e ajudas de custo a intelectuais politicamente corretos para observar como os sistemas preconizados pelo grande filósofo K. Lhorda funcionam em Judas Lost Boots.

Instigantes, porém, são as questões éticas levantadas por bacharéis contrários à delação e que conseguem enxergar semelhança entre gatunos, latrocidas, traficantes e estupradores e os apóstolos de Jesus de Nazaré ou os Inconfidentes de Minas Gerais.

Houve até quem argumentasse com a sua falta de eficiência para combater o crime. O que novamente nos conduz às profundas elucubrações do professor Enro Loll, dedicado integralmente há décadas à pesquisa da relação entre as cuecas e os fundilhos. Apesar de ainda não ter encontrado sequer indícios, o ilustre catedrático promete chegar lá antes que se resolva a quadratura do círculo.

A mesma veemência, entretanto, os opositores da delação premiada buzinam quando se sugere a criação dos Juizados de Instrução, sob o comando de um promotor de Justiça, que não permitiria torturas para extrair “confissões” ou “colaborações”, mas cuidaria da legalidade das provas para que não fossem destruídas por chicanas jurídicas, eticamente tão censuráveis quanto um dos conceitos – o de traição – do verbo delatar.

A impropriedade da denominação é flagrante. O conceito adequado é o de confissão, de testemunho em sinal de arrependimento, como é formulado em outros países.

Aqui novamente temos de nos socorrer do grande filósofo K. Lhorda que concebeu as benesses da lei a quem demonstra ânimo de regeneração como um direito dos criminosos, tornando seus reféns todos os que atuam no sistema penal, impondo-lhes a obrigação de conceder indistintamente a impunidade, mesmo diante da evidência de que continuarão a delinqüir e a semear o luto e o pânico a toda a sociedade.

Por falar nisso...

O que a imprensa brasileira anda chamando de “reviravolta” no caso da brasileira que simulou gravidez e cenas de violência no metrô de Zurique, é formalidade do Juizado de Instrução, sistema adotado pela Suíça em seus procedimentos penais. A admissão de culpa feita á Polícia, sem a presença de um promotor, não é aceita como prova para instruir o processo e não tem validade no julgamento.

Há, porém, outro equívoco, já refletindo a nossa proverbial “esperteza” – o de que ela pode mudar a sua versão quando for interrogada oficialmente. A questão é se deve fazê-lo porque o testemunho dos policiais – sob juramento e sob sanções severas da lei – é admitido como elemento de convicção.

Ninguém é obrigado a dizer ou fazer coisas que possam incriminá-lo – o silêncio é um direito – porém a negativa diante de provas é agravante para fixação da pena, porque significa, no mínimo, falta de consciência do mal praticado..