Estava revisando alguns livros, quando me bateu a curiosidade de ver que efemérides Coruja Filho (pseudônimo literário de Sebastião Leão) registrou em "Datas Rio-grandenses", neste Dia de São Pedro. Pois nem de propósito: em 1849, ele assinalou uma batalha campal travada por adolescentes, que marcou a história da cidade de Porto Alegre – bagadus x tinteiros.
Era um tempo em que não havia tevê, drogas ou computadores, a cuja influência se atribui, hoje em dia, muitos dos problemas protagonizados por menores. Já podiam ser identificados, entretanto, então, dois males que persistem na sociedade brasileira: educação e má distribuição de renda
Os bagadus eram meninos de famílias pobres que moravam no então 3º Distrito de Porto Alegre, área compreendida pelas Ruas do Arroio (Bento Martins), Varzinha (Demétrio Ribeiro), Pantaleão Telles (Washington Luís), Cadeia (desaparecida na reurnabização da cidade), Praça da Harmonia e parte das Ruas dos Andradas, Ponte (Riachuelo) e Igreja (Duque de Caxias). As famílias dos tinteiros, mais abonadas, habitavam a área entre as Ruas do Arroio e Portão.
Os dois bandos viviam brigando e por mais de uma vez causaram ferimentos sérios uns nos outros. Geralmente os bagadus eram os vencedores porque tendo de trabalhar desde cedo, eram fisicamente mais fortes.
Naquele ano de 1849, um fato agravou a rivalidade: em uma novena ou festejo do Espírito Santo, um grupo de tinteiros encontrou três bagadus desprotegidos e decidiram surrá-los para se vingar das derrotas sofridas.
Imediatamente, os bagadus se mobilizaram, pois um dos surrados era seu próprio chefe. Os dois grupos trocaram notas e combinaram a tarde de 29 de junho para resolver a questão no Alto da Bronze. O que se seguiu foi hilariante. É Sebastião Leão que nos conta:
"De fato, na hora e dia indicados, ali se achavam armados com bengalas e facas, dezenas de meninos dos dois partidos. Travou-se tremenda luta entre os dois grupos, que inopinadamente viram-se cercados por numerosa força armada, que para ali fora enviada pelo Chefe de Polícia, Dr. Sayão Lobato. O comandante da força recebera ordens terminantes de não maltratar os meninos, e, simplesmente, amedrontá-los, pois era convicção do Chefe de Polícia que a presença da força bastaria para que os dois partidos batessem em retirada. (...)
Vendo-se cercados pela polícia, os dois grupos inimigos aliaram-se e reagiram como homens. A princípio os soldados foram apanhando às pauladas, sem tugir nem mugir, mas, quando sentiram as costas quentes, começaram a despejar bordoadas a torto e a direito. O aspecto da luta tornou-se mais grave, e terríveis seriam as suas conseqüuências, se não tivessem acudido ao local do combate, grande número de chefes de família e as mães dos jovens guerreiros, que conseguiram dar têrmo à batalha."
Soares Andréa, o Presidente da Província, para terminar de vez com as brigas entre os dois bandos, anunciou que seriam presos e remetidos para a Escola de Aprendizes de Marinheiro os menores que brigassem nas ruas. Para dar exemplo, ordenou a prisão de "alguns meninos vagabundos, de maus costumes, e mandou que passassem pelas ruas da cidade, no meio de um pelotão de soldados de baionetas caladas, e depois embarcassem para o Rio de Janeiro".
Segundo a nota de Sebastião Leão foi o suficiente para acabar de vez com as brigas de tinteiros e bagadus. Temerosos do mesmo destino, nunca mais se engalfinharam.
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