Jamais passou pela minha cabeça um Parlamento, com a tradição da Assembleia Nacional da França, reunir-se para analisar o fracasso da sua seleção no campeonato mundial de futebol. Há o precedente da Guerra do Futebol quando Honduras e El Salvador se engalfinharam em 1969, após conflitos entre torcedores nas eliminatórias para a Copa de 1970, mas o futebol foi apenas pretexto. Por trás, a expulsão imigrantes salvadorenhos de território hondurenho, com o confisco de plantações dentro de um projeto de reforma agrária. Houve mais de 12 mil baixas, a maior parte civis.
A França, pois, haveria de parecer o primeiro país civilizado a levar a sério problemas de futebol, não fossem rumores sobre as suas dificuldades financeiras. Há muita resistência à pretendida reforma da previdência social impondo o aumento da idade mínima para aposentadoria, de 60 para 65 anos. Discutir o fiasco da seleção serviria de cortina de fumaça, enquanto o governo de Sarkozy negocia a aprovação do projeto nos bastidores.
Se verdade ou apenas mito nascido em mesa de bar, onde diplomatas amadores decidem os destinos do mundo, é difícil saber. Que os países europeus não andam bem das pernas, não é segredo. O bilhão de euros disponibilizados para socorrer os países europeus em dificuldades não tem nada de benemerência. É dedo de menino tapando buraco de dique como nas histórias infantis holandesas. O menino não aguenta ficar eternamente segurando a enxurrada com o dedo e não há solução a curto prazo, tanto assim que a recente reunião do G-20 aprovou drásticas medidas de contenção para os próximos cinco anos.
Em tudo isso não deixa de ser interessante, entretanto, que os fiascos na Copa do Mundo e as nuvens espessas toldando os céus da economia desviaram completamente as atenções dos 70 anos da Retirada de Dunquerque e da queda da França na Segunda Guerra Mundial. Foi um momento trágico e impactante. Ninguém esperava que o Exército Francês, tido então como um dos melhores do mundo, resistisse menos tempo aos nazistas que o Exército Polonês, mal equipado e até opondo a ultrapassada Cavalaria contra as poderosas Divisões Panzer.
Até hoje se discute a responsabilidade pelo desastre. A direita acusa a esquerda de ter sabotado o esforço de guerra por ordem da União Soviética, então aliada à Alemanha. A esquerda acusa a direita de ter impedido a resistência para não expor suas propriedades ao risco de destruição. Os dois lados parecem ter razão. E sobre este antagonismo que impedia a estabilidade política, a corrupção corria solta. Somerset Maugham, em "Assunto Pessoal", conta sobre aviões de combate encomendados à indústria americana, que não puderam ser acabados porque o detentor da patente de uma peça vital – francês, por sinal - queria royalties de mil dólares por avião. Quando percebeu o risco a que tinha exposto o país – dois dias antes da queda de Paris – baixou o preço para 50 dólares.
O próprio governo era um caos. Nos últimos tempos, antes da derrota, foi notável a intromissão da amante do primeiro-ministro Paul Reynaud na condução dos negócios. Chamava-se Hélène de Portes. Herdeira de um milionário construtor de navios, no mais aceso da crise chefiou uma reunião do Ministério, para conduzir "o barco do |Estado", em virtude de Reynaud estar acamado com gripe.
Todas essas coisas poderiam ser contadas ao se assinalar um aniversário redondo, como o de 70 anos. Mas, sabe, o futebol...
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